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2.1 A proteção à dignidade sexual da pessoa vulnerável no Código Penal

2.1.3 Os crimes em espécie

Primeiramente, oportuno destacar que “a tutela penal no campo sexual estende-se com maior zelo, em relação às pessoas incapazes de externar seu consentimento racional e seguro de forma plena.” (NUCCI, 2014a, p. 111). Logo, não se pode penalizar tais crimes da mesma forma como se ocorressem em face de sujeitos adultos, posto que, mesmo que o ato sexual

tenha se desenvolvido sem o uso da violência ou grave ameaça, em razão da condição de vulnerabilidade (natural falta de compreensão da seriedade do que se está a fazer), há determinada coação psicológica (NUCCI, 2014a).

Passa-se, assim, à análise dos crimes sexuais contra vulnerável.

O primeiro delito se trata do Estupro de Vulnerável, previsto no artigo 217-A (incluído pela Lei nº 12.015/09), do Código Penal, e que dispõe do seguinte texto legal:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos

§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém

que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§ 2o (VETADO)

§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4o Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Neste crime, tido como hediondo, há a presunção absoluta da vulnerabilidade da vítima, ou seja, se proíbe a relação sexual com menor de 14 anos, tornando-se estupro de vulnerável quem passe a manter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso, mesmo que haja consentimento.

Ao contrário do crime de estupro, disposto no artigo 21315 do Código Penal (BRASIL,

1940), em que para que seja configurado é necessário que haja coação física ou ameaça, no estupro de vulnerável “o crime existe com ou sem consentimento da vítima, com ou sem violência ou grave ameaça, uma vez que tanto o consentimento quanto a violência não são elementos essenciais, mas acidentais do tipo.” (QUEIRÓZ et al., 2015, p. 576).

15 Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou

permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos

§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de

14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

Nesta senda, no crime de estupro, verifica-se a necessidade da ocorrência simultânea das seguintes ações, requisitos para a tipificação deste delito: o constrangimento da vítima, seja mediante o uso de violência ou de grave ameaça; que se mantenha conjunção carnal; ou que se pratique/permita outro ato libidinoso em face desta (QUEIRÓZ et al, 2015).

Por sua vez:

Constranger significa tolher a liberdade, implicando na obtenção forçada de conjunção carnal ou outro ato libidinoso. A definição de conjunção carnal pode ser feita de maneira ampla ou restrita. Sob o primeiro prisma, cuida-se de qualquer união sensual, envolvendo o encontro de partes do corpo humano. Assim sendo, caracterizaria a conjunção carnal tanto a cópula entre pênis e vagina quanto as outras formas de coito (anal, oral, etc.) e toques (beijo lascivo, etc.). De maneira restrita, visualiza-se, apenas, a cópula pênis-vagina. Esta última conceituação terminou por formar a maioria, na doutrina e na jurisprudência, consagrando-se. Por isso, a todos os demais contatos físicos, passíveis de gerar satisfação e lascívia, reserva-se a expressão atos libidinosos [...]. (NUCCI, 2014, p. 38, grifo nosso).

Isto posto, “só existe estupro [...] se houver conjunção carnal ou outro ato libidinoso contra a vontade expressa da vítima, que se opõe manifestamente ao ilegal constrangimento que lhe é imposto.” (QUEIRÓZ et al, 2015, p. 559).

Não obstante, já no crime de estupro de vulnerável tal não ocorre, visto que mesmo que haja consentimento expresso pela vítima, é crime, tendo em vista a presunção absoluta de vulnerabilidade, já anteriormente tratada.

Assim, à luz do entendimento de Nucci (2014a, p. 111), “a tutela penal no campo sexual estende-se, com maior zelo, em relação às pessoas incapazes de externar seu consentimento racional e seguro de forma plena.”

Na visão de Jorge de Figueiredo Dias (apud QUEIRÓZ et al., 2015, p. 576, grifo nosso), “trata-se de crime que visa proteger a autodeterminação sexual [...] em face de condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo que sem coação, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade.”

Além disso, com o advento da Lei 12.015 (BRASIL, 2009), passou o crime de estupro de vulnerável a também integrar o rol dos crimes hediondos, em qualquer de suas formas, seja

simples ou qualificado; tentado ou consumado (QUEIRÓZ et al., 2015), conforme disciplinado no art. 1º, VI, da Lei dos Crimes Hediondos – Lei 8.072 (BRASIL, 1990):

Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados

no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou

tentados: [...]

VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);

[...]

O segundo delito, por conseguinte, trata-se de corrupção de menores, tipificado no artigo 218 do Código Penal (BRASIL, 1940), com a seguinte redação:

Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos Parágrafo único. (VETADO).

Trata-se de crime doloso, que para que se concretize “exige o concurso de três requisitos simultâneos: a) ato de induzir; b) menor de 14 anos; c) a satisfazer a lascívia de outrem.” (QUEIRÓZ et al., 2015, p. 585).

Por sua vez, analisando o tipo penal, nota-se que o delito só pode ser cometido contra menor de 14 anos, bem como, a ideia central de quem comete o crime deve objetivar a satisfazer a lascívia de outrem, ou seja, de a vítima (menor de 14 anos) praticar ou permitir que com ela se pratique algum ato libidinoso a fim de satisfazer de terceiro, DESDE QUE, não configure o crime de estupro de vulnerável, acima especificado (QUEIRÓZ et al., 2015). Assim, não pode o indivíduo buscar satisfazer a sua própria lascívia, pois nesse caso, também configuraria estupro de vulnerável. (QUEIRÓZ et al., 2015).

A propósito, segundo os doutrinadores Paulo Queiróz et al. (2015, p. 585), “induzir é sugerir, instigar, persuadir a vítima a praticar ato visando a satisfazer a lascívia de outrem”, atos estes que devem ser contemplativos, de modo a não se enquadrarem em estupro de vulnerável, como por exemplo dançar sensualmente, mostrar o corpo, posto que caso venham a se enquadrar, deverá recair sobre quem tenha induzido o crime mais grave (QUEIRÓZ et al., 2015).

Ademais, “para a consumação do tipo, é suficiente quem o agente induza menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem, razão pela qual o crime se perfaz ainda que nenhum ato concreto seja realizado pela vítima induzida” (QUEIRÓZ et al., 2015, p. 585).

Com efeito, o terceiro crime refere-se à satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, inserto no artigo 218-B do Código Penal (BRASIL, 1940), com a seguinte redação:

Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi- lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Neste crime, por sua vez, verifica-se que não ocorre nenhuma forma de participação do vulnerável, este não é impelido a realizar nenhum ato, sendo que o núcleo de tal delito prevê a realização de conjunção carnal ou qual quer ato libidinoso entre terceiros, com o sujeito vulnerável a tudo assistindo, no intuito de satisfazer a lascívia própria ou de outrem (NUCCI, 2014a).

Desta feita, o que acontece nesse delito, é que a criança ou o adolescente assiste a tais atos, e, em razão de sua condição de sujeito em desenvolvimento, “a lesão provocada dá-se em nível psicológico, referente à sua formação moral e sexual, afetando sua liberdade nesse campo.” (NUCCI, 2014a, p. 159).

Ademais, em tal crime, conforme refere Nucci (2014a, p. 161), “exige-se o dolo, não se punindo de forma culposa. Há o elemento subjetivo específico expresso, consistente em “satisfazer a lascívia própria ou de outrem.”

Nesse sentido, conforme acrescenta Queiróz et al. (2015, p. 587), “se, durante o ato, a vítima menor de 14 anos vier a atuar ativamente [...], haverá estupro de vulnerável, que, por ser o tipo principal, absorverá o tipo acessório em causa (princípio da consumação).”

Há, porém, grande divergência na doutrina acerca da necessidade ou não da presença física da criança ou do adolescente menor de 14 anos no local do ato. No entender de Nucci (2014a), considerando a evolução tecnológica, em dias atuais é perfeitamente possível estar

em algum lugar através da internet, sendo, portanto, plenamente cabível a configuração do delito através de meios eletrônicos, quando o sujeito é compelido a assistir os atos sem estar de fato presente, visto que tal crime não exige qualquer participação da vítima.

Já Bitencourt (apud NUCCI, 2014a, p. 159) discorda, aduzindo que “[...] os termos ‘presenciar’ e ‘presença’ dizem respeito ao corpo presente e não indiretamente, como permitiria o mundo tecnológico.”

Por fim, temos o delito de favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável, descrito no artigo 218-B do Código Penal (BRASIL, 1940), dispondo que:

Art. 218-B - Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

§ 1o - Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se

também multa.

§ 2o - Incorre nas mesmas penas:

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;

II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.

§ 3o - Na hipótese do inciso II do § 2o, constitui efeito obrigatório da condenação a

cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento. Primeiramente, releva destacar que, conforme o entendimento de Nucci (2014a, p. 165) “quanto ao relacionamento sexual do vulnerável, está vedado quando a pessoa tiver menos que 14 anos (estupro de vulnerável), porém somente está proibido para os que possuem menos de 18 anos quando envolver a prostituição ou outra forma de exploração sexual.”

Nesta senda, “submeter [...] é impor, subjugar, sujeitar; induzir é instigar, dar a ideia;

atrair é sugerir, incentivar, oferecer vantagens; facilitar é favorecer, remover obstáculos; impedir [...] é criar obstáculos, obstar, proibir; dificultar é criar dificuldades, tornar custoso.”

(QUEIRÓZ et al., 2015, p. 588, grifo do autor).

O delito de exploração sexual, assim como o estupro de vulnerável, por sua natureza, é considerado crime hediondo, e está disposto no art. 1º, VIII, da Lei 8.072 (BRASIL, 1990):

Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados

no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou

tentados: [...]

VIII - favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).

[...]

Por conseguinte, verifica-se que todos os verbos acima descritos se referem à prostituição, ou seja, à prestação de serviços sexuais em troca de prestação pecuniária. No que se refere à outras formas de exploração sexual, trata-se de qualquer atividade em que haja o aviltamento da dignidade e liberdade sexual da vítima explorada sexualmente (QUEIRÓZ et al., 2015).

Assim, no entender de Nucci (2014a, p. 164) “[...] nesse cenário, a prostituição infantil é uma forma de violência grave e constituiu uma violação aos direitos humanos [...].”

2.2 O fenômeno da violência sexual no Brasil e a tutela penal da dignidade sexual: a