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A convergência entre as tradições do civil law e do common law

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 29-34)

A adoção de um sistema de precedentes pretende alcançar a segurança jurídica para que os cidadãos possam definir o seu comportamento e as suas ações. Efetivamente, apesar das diferenças e aproximações entre as duas tradições, ninguém dúvida que também no civil law a segurança jurídica é imprescindível, uma vez que a segurança jurídica constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Portanto, não existe nenhum problema em se buscar a segurança jurídica, no respeito aos precedentes, já que não existe incompatibilidade entrecivil law e precedentes.57

Ressalta-se que um sistema que aceita a teoria dos precedentes obrigatórios, além de dar maior valor e efetividade à Constituição e aos direitos das pessoas, aproxima-se a ser um sistema mais estável e efetivo.

56WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil lawecommon law. In:Revista de Processo. Ano 34, n. 172, p. 129.

57 RAATZ, Igor. Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law.

Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro. In:Revista de processo, Ano 36, vol. 199, p. 187.

Do que foi dito até agora, pode-se afirmar, de modo geral, que o common law e o civil law tiveram diferentes pontos de proximidade e de intercâmbio ao longo da sua formação e, hoje, se encontram em aproximação. Desse modo, Mello resume tal circunstância expondo que:

A).O direito romano nasceu casuístico, problemático e concreto, apresentando semelhanças, em sua origem, com ocommon law. B) A jurisdição daequity, responsável pela flexibilização e renovação do sistema inglês, se desenvolveu sob a inspiração de princípios do direito romano e do direito canônico. C) O civil law tomou emprestadas do ordenamento britânico concepções pertinentes ao direito público, articulando, a partir delas a harmonização entre o poder estatal e os direitos individuais. D) nos Estados Unidos da América, ocommon laworiginal sofreu, em virtude da influência da codificação, dentre outros fatores, disto resultando a elaboração de uma constituição escrita, ou seja, de uma norma no estilo romano, à qual se atribuiu supremacia sobre todas as demais normas e eficácia apta a possibilitar ao Judiciário a declaração de invalidade das leis que conflitassem com ela. E) a concepção de supremacia da Constituição desenvolvida em tal país inspirou-se na concepção de higher law do direito canônico. F) Por outro lado, o constitucionalismo norte-americano teve grande influência sobre os países de direito codificado, tendo migrado com ele não apenas uma concepção de Constituição e de controle de constitucionalidade, mas, igualmente, alguns elementos inerentes ao sistema do common law. G) Sob a influência de tais idéias, diversos países docivil law, a exemplo da Alemanha, da Itália e da Espanha, passaram a conferir efeitos obrigatórios e gerais ás decisões de suas cortes constitucionais que reconhecessem a inconstitucionalidade de normas. H) Por fim, o triunfo das idéias democráticas, as tendências estatais dirigistas, a necessidade de implementar mudanças sociais rápidas e de cumprir com compromissos internacionais tem provocado um

crescimento da atividade legislativa em países que adotam ocommon law.58

No mesmo sentido, Losano aponta outra diferença importante do Direito Inglês em relação ao Direito Europeu continental: o costume que vai se tornar fonte do direito não nasce do comportamento e das tradições populares, mas sim da criação e do desempenho dos juízes em relação a esses costumes. Os juízes vão, assim, paulatinamente, tornando-se uma classe profissional que têm o papel de criadores do direito.59

Para Schauer, a mais importante diferencia entre as tradições é a preocupação dos juízes anglo-saxônicos com o caso, pelo contrario, no civil law, os juízes dão maior importância à lei que será aplicada ao caso concreto.

Ressaltasse que a principal diferencia entre as duas tradições é o método utilizado para a solução dos casos.60

Resulta evidente que as situações históricas e culturais que causaram o afastamento das duas tradições não existem mais. “A radical contraposição entre common law e civil law, própria ao antigo direito comparado, vem sendo deixada de lado em favor da idéia de que estes sistemas constituem dois aspectos de uma mesma e grande tradição jurídica ocidental” 61, cada vez mais próximos. Nessa perspectiva, anuncia Marinoni:

Apesar das transformações que se operaram no civil law - inclusive nas concepções de direito e de jurisdição, marcadamente em virtude do impacto do constitucionalismo -, há notória resistência, para não se dizer indiferença, a institutos do common law de

58 MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes. O desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo,p. 52-54.

59LOSANO, Mario G.Os grandes sistemas jurídicos: introdução aos sistemas jurídicos europeus e extra-europeus,p. 325.

60 No texto original: “Judges remain substantially more central legal figures in common-law countries than in their civil law cunterparts, and treating the code rather than the case as the touchstone for legal argumentation remais the pervasive feature of the civil-law consciousness”.

(SCHAUER, Frederick.Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning, p.108).

61MARINONI, Luiz Guilherme. (Coord.).A força dos Precedentes,p. 7.

grande importância ao aperfeiçoamento do nosso direito, como é o caso do respeito aos precedentes62. Não há duvida de que o papel atual do juiz docivil law tem o dever/poder de controlar a constitucionalidade da lei no caso concreto, muito se aproximando da função exercida pelo juiz do common law.63 Esta posição se reforça, quando se observa que, atualmente, o juiz do Estado Constitucional, ao aplicar os direitos fundamentais e ao fazer o controle de constitucionalidade, atua de forma semelhante ao poder judicial nocommon law.

Aliás, os próprios doutrinadores do common law reconhecem, quando olham para o civil law, que nas decisões acerca de matéria constitucional, assim como nas que envolvem a aplicação de cláusulas gerais, em que é frequente a necessidade de dar concretude ao significado de conceitos jurídicos indeterminados, não há sequer como admitir a distinção, por alguns realizada, entre precedentes interpretativos e precedentes de solução (que criam o direito). Alega-se que, nesses casos, a interpretação tem tamanho alcance e é guiada por argumentos tão frágeis e vagos da lei escrita que a decisão poderia ser explicada tanto pela teoria interpretativista quanto pela teoria positivista da criação judicial do direito. Ou seja, tal decisão judicial poderia ser vista como criação do direito ou como interpretação judicial do direito.64

Com efeito, a Constituição retirou a supremacia da lei, modificando o conceito de Direito e de Jurisdição. Como consequência, o juiz deixou de ser servo da lei, já que o juiz não está mais a ela adstrito, podendo extrair direitos e deveres da Constituição. Dessa forma, Marinoni coloca que:

O sistema de precedentes, desnecessário quando o juiz apenas aplica a lei, é indispensável na jurisdição contemporânea, pois fundamental para outorgar segurança jurídica à parte e permitir ao advogado ter

62MARINONI, Luiz Guilherme. (Coord.).A força dos Precedentes, p. 7.

63MARINONI, Luiz Guilherme.Precedentes obrigatórios. 2 ed., p. 100.

64MARINONI, Luiz Guilherme.Precedentes obrigatórios. 2 ed., p. 48.

consciência de como os juízes estão preenchendo o conceito indeterminado e definindo a técnica processual adequada a certa situação concreta.65

Portanto, se comprova que é imprescindível abandonar o desinteresse em relação aos institutos docommon law e pensá-los de forma útil ao sistema docivil law.66

Desse modo, apesar do sistema peruano estar arraigado no sistema decivil law, isso não evita se observar e se aderir aos institutos do common law que sejam compatíveis com o sistema. Como se demonstrará, o Peru precisa de uma aplicação moderada dos institutos dostare decisis, especialmente no momento da emissão, afastamento e à superação dos entendimentos consolidados nas Cortes de vértice peruanas.

Por outro lado, resulta evidente que, no Peru, enfrenta-se constantemente o problema do excesso de casos em que existe diferença de interpretações da lei, o que coloca em risco o alcance de um sistema baseado na segurança e na previsibilidade. Sabe-se que existem juízes de primeira instância e tribunais de segundo grau que decidem, frequentemente de modo diverso, questões absolutamente idênticas.

Nesse sentido, o Judiciário pode e deve, suave e paulatinamente, inovar, receber e incorporar alterações extensas ao Direito (sociológicas, éticas, sociais, e

65MARINONI, Luiz Guilherme.Precedentes obrigatórios. 2 ed., p. 88.

66“Porém, quando se ‘descobriu’ que a lei interpretada de diversas formas, e, mais visivelmente, que os juízes do civil law rotineiramente decidem de diferentes modos os ‘casos iguais’, curiosamente não se abandonou a sua posição de que a lei é suficiente para garantir a segurança jurídica. Ora, ao se tornar incontestável que a lei é interpretada de diversas formas, fazendo surgir distintas decisões para casos iguais, deveria ter surgido, ao menos em sede doutrina, a lógica conclusão de que a segurança jurídica apenas pode ser garantida frisando-se a igualdade perante as decisões judiciais, e, assim, estabelecendo-se o dever judicial de respeito aos precedentes.

Afinal, a lei adquire maior significação quando sob ameaça de violação ou após ter sido violada, de forma que a decisão judicial que a interpreta não pode ficar em segundo plano ou desmerecer qualquer respeito do Poder que a pronunciou”. (MARINONI, Luiz Guilherme. (Coord.).A força dos Precedentes, p. 8).

até cientificas) às suas decisões, por meio dos “poros” que as normas postas contêm (clausulas gerais, conceitos vagos), adaptando o Direito à vida.67

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 29-34)