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Alicerces para um sistema de precedentes

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 48-54)

II. A DOUTRINA DOS PRECEDENTES NO COMMON LAW

2.6. Alicerces para um sistema de precedentes

A aplicação de um sistema de precedentes gera uma série de vantagens e constitui um importante instrumento para a solução de inúmeros problemas que abarrotam o Poder Judiciário.

Por isso, é fundamental que os tribunais sigam, em casos semelhantes, as decisões de casos anteriores. O conhecimento de um precedente torna previsível qual será a solução do caso concreto. Assim, os indivíduos podem ordenar suas condutas e os advogados podem aconselhar seus clientes, pois já existe uma previsão de como as questões seriam resolvidas judicialmente.

110 MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes. O desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo, p. 125.

111 SUMMERS, Robert S. Precedent in the United States (New York State), p.385. Ver também:

SOUZA, Marcelo Alves Dias de.Do precedente judicial à súmula vinculante,p. 141.

112ABBOUD, Georges. Precedente Judicial versus Jurisprudência dotada de efeito vinculante. In:

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.).Direito Jurisprudencial,p. 516.

Frisa-se que a função mais importante das leis é nortear as condutas sociais das pessoas e da Administração Pública, pelo que as regras devem ser claras, evitando confusão ou dúvida a respeito do significado de uma norma, para que os indivíduos possam pautar suas ações de acordo com o Direito.113

Nesse sentido, o papel dos tribunais é essencial. É preciso aplicar o Direito de forma uniforme para que a população tenha confiança de que as escolhas que faz, pautadas na lei, serão protegidas pelo Judiciário.

2.6.1. Previsibilidade.

A previsibilidade proporciona confiança a seus destinatários, proporcionando-lhes os elementos suficientes para que possam conhecer quais são as regras estabelecidas e como essas regras serão aplicadas, dessa forma eles poderão adequar suas condutas de acordo com o Direito. Nesse respeito Marinoni aponta:

O cidadão precisa ter segurança de que o Estado e os terceiros se comportarão de acordo com o direito e de que os órgãos incumbidos de aplicá-lo o farão valer quando desrespeitado. Por outro lado, a segurança jurídica também importa para que o cidadão possa definir o seu próprio comportamento e as suas ações. O primeiro aspecto demonstra que se trata de garantia em relação ao comportamento daqueles que podem contestar o direito e tem o dever de aplicá-lo; o segundo quer dizer que ela é indispensável para que o cidadão possa definir o modo de ser das suas atividades.114

113Marinoni explica que “a previsibilidade requer a possiblidade de conhecimento das normas com base nas quais a ação poderá ser qualificada”. A este respeito ver: MARINONI, Luiz Guilherme.

Precedentes obrigatórios.2 ed., p.124.

114 MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na Dimensão da Segurança Jurídica. In: _____

(Coord.).A Força dos Precedentes,p. 212

Cabe esclarecer que a previsibilidade está presente no common law, contudo, isso não quer dizer que em um sistema de civil law a insegurança seja admitida, como adverte Luiz Guilherme Marinoni:

E não se pense que a garantia de previsibilidade das decisões judiciais é algo que diz respeito ao sistema de common law e não ao de civil law. Ora, tanto as decisões que afirmam direitos independentemente da lei quanto as decisões que interpretam a lei, seja no common law ou no civil law, devem gerar previsibilidade aos jurisdicionados, sendo completamente absurdo supor que a decisão judicial que se vale da lei pode variar livremente de sentido sem gerar insegurança.115

Qualquer sistema jurídico que tenha como fundamento o Estado Constitucional tem o dever de zelar pela segurança jurídica outorgando previsibilidade116 ao jurisdicionado e, “para que exista segurança jurídica, há que se tutelar a confiança do jurisdicionado, no exato sentido de previsibilidade”117, afinal, um indivíduo somente pode confiar naquilo que pode prever.

Da mesma forma, a aplicação estável e segura do Direito outorga a possibilidade do jurisdicionado poder planejar suas condutas, e saber o que esperar do Judiciário perante de seus conflitos concretos. Desse modo, o julgamento de demandas é concretizado de forma consciente e calculado, diminuindo-se as inúmeras demandas infundadas.118

115 MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na Dimensão da Segurança Jurídica. In: _____

(Coord.).A Força dos Precedentes, p. 217.

116 A certeza e a previsibilidade do direito dependem de uma correspondência razoável entre as normas jurídicas e as normas da vida real. (MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes. O desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo, p. 237).

117 MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na Dimensão da Segurança Jurídica. In: _____

(Coord.).A Força dos Precedentes, p. 218.

118 “A previsibilidade obviamente depende da confiança. Não há como prever sem confiar. De modo que também pode ser dito que a confiança é um requisito da previsibilidade. Portanto, como o Estado tem o dever de garantir a previsibilidade, cabe-lhe tutelar ou proteger a confiança do cidadão em relação às conseqüências das suas ações e às reações dos terceiros diante dos seus atos, assim como no que diz respeito aos efeitos dos atos do poder público”. (MARINONI, Luiz Guilherme.Precedentes obrigatórios. 2 ed., p. 137).

2.6.2. Estabilidade.

A estabilidade é um elemento de incontroversa importância para qualquer sistema jurídico, sendo o respeito aos precedentes um dos fatores a contribuir para que ela seja alcançada, como destaca Marinoni:

Não há como ter estabilidade quando os juízes e tribunais ordinários não se vêem como peças de um sistema, mas se enxergam como entes dotados de autonomia para decidir o que bem quiserem. A estabilidade das decisões, portanto, pressupõe uma visão e uma compreensão da globalidade do sistema de produção de decisões, o que, lamentavelmente, não ocorre no Brasil, onde ainda se pensa que o juiz tem poder para realizar a sua “justiça” e não para colaborar com o exercício do dever estatal de prestar a adequada tutela jurisdicional, para o que é imprescindível a estabilidade das decisões.119

Desse modo, um Direito estável é salutar para qualquer país. A instabilidade, com regras de Direito constantemente reformuladas e aplicadas de maneira inconsistente, prejudica muito a confiabilidade no sistema.120

Infelizmente, a instabilidade do Direito parece já fazer parte da tradição peruana. A mesma coisa acontece no plano jurisprudencial, pois, no Peru, a sorte dos litigantes está exposta às constantes mudanças das composições dos juizados e das mudanças de entendimentos decorrentes disso.

Torna-se evidente que a obediência aos precedentes é um fator que pode contribuir na estabilidade do sistema jurídico peruano. Assim também, pode-se oferecer aos cidadãos um senso de confiança, por provocar a consolidação de opiniões bem fundamentadas e tidas por acertadas.

Nessa dimensão, os precedentes vinculantes, além de trazerem estabilidade ao sistema, geram certeza ao ordenamento, tornando-o confiável ao

119 MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na Dimensão da Segurança Jurídica. In: _____

(Coord.).A Força dos Precedentes, p. 218.

120SOUZA, Marcelo Alves Dias de.Do precedente judicial à súmula vinculante, p. 298.

cidadão que pode prever e planejar suas condutas, conforme as regras que compõem o sistema jurídico vigente.

2.6.3. Igualdade.

A doutrina do stare decisis exerce o importante papel de possibilitar a emissão de decisões semelhantes para casos semelhantes e evitar qualquer desigualdade arbitrária em prejuízo do jurisdicionado e da própria administração de justiça. É importante destacar que os casos semelhantes serão, necessariamente, para sempre, julgados da mesma forma. De fato, as mudanças de orientação são possíveis, mas serão necessárias argumentações especificas que enfrentem, fundamentadamente, a questão e mostrem que uma decisão diferente seria mais justa.121

Por outro lado, é importante destacar que o Poder Judiciário, para ser fiel ao Estado Constitucional, tem de oferecer igualdade diante de suas decisões e tem também o compromisso de possibilitar o pronto reconhecimento de qual é o Direito para determinadas situações jurídicas, mantê-lo estável e proteger a confiança depositada nas suas decisões.122

Desse modo, não basta que a lei seja igual para todos, ela deve ser aplicada de forma que igual aos sujeitos em uma mesma situação jurídica, ou seja, receber o mesmo tratamento jurídico. Assim, a uniformidade das decisões do Judiciário garante que litigantes em uma mesma posição processual sejam tratados com igualdade.

Efetivamente, não basta que exista uma lei atribuindo igualdade aos jurisdicionados perante o processo judicial. É necessário que o Poder Judiciário garanta, efetivamente, a igualdade, outorgando o mesmo tratamento a casos

121SOUZA, Marcelo Alves Dias de.Do precedente judicial à súmula vinculante, p. 308.

122 MITIDIERO, Daniel. Por uma reforma da Justiça Civil no Brasil. Um diálogo entre Mauro Cappelletti, Vittorio Denti, Ovidio Baptista e Luiz Guilherme Marinoni. In:Revista de Processo, Ano 36, vol. 199, p. 87.

semelhantes, oferecendo a igual resposta aos casos que apresentem as mesmas circunstâncias, atribuindo ao precedente obrigatório autoridade e dando efetividade às decisões judiciais.

Portanto, pode-se garantir estabilidade, previsibilidade e, sobretudo, igualdade, aceitando-se a efetiva vinculação das decisões judiciais.

Do que foi colocado, verifica-se a importância do Poder Judiciário respeitar seus precedentes, de modo que o jurisdicionado tenha segurança jurídica quanto á legalidade ou ilegalidade dos negócios que realiza, em consonância com os termos da norma legislada e da norma judicada. Se, por outro lado, o Poder Judiciário admite a dispersão de entendimentos, todo negócio acaba se transformado num labirinto, pois o cidadão sabe como entra, mas jamais tem a certeza de como sairá e se sairá.123 Em outras palavras, o respeito aos precedentes funciona como uma bússola a guiar o caminho dos jurisdicionados. O desrespeito, por outro lado, importa em deixá-los totalmente desorientados.124

Assim, a valorização e o respeito aos precedentes importa em mudar o cenário de intranquilidade atual para gerar previsibilidade e garantir a segurança jurídica aos jurisdicionados, o que acaba por interferir diretamente na confiança interna e externa, e, por conseguinte, no desenvolvimento do país.125

123“Se dois jurisdicionados propõem duas demandas envolvendo casos análogos, é de se esperar, em principio, que recebam respostas iguais do poder Judiciário. Na hipótese de receberem respostas desiguais, torna-se indispensável o funcionamento de mecanismo assecuratório para que se conheçam os motivos da diferença de tratamentos e, ainda, que se identifiquem as peculiaridades em virtude das quais, um deles, por exemplo, teve acolhida a sua pretensão e o outro não”. (OLIVEIRA, Pedro Miranda de. O Binômio Repercussão Geral e Súmula Vinculante – Necessidade da aplicação conjunta dos dois institutos. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.

(Coord.).Direito Jurisprudencial, p. 682).

124 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno Processo Civil Brasileiro. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Coord.).Direito Jurisprudencial, p. 574.

125 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno Processo Civil Brasileiro. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Coord.).Direito Jurisprudencial, p. 576.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 48-54)