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Ratio decidendi

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 44-47)

II. A DOUTRINA DOS PRECEDENTES NO COMMON LAW

2.4. Ratio decidendi

Nas palavras de Marcelo Alves Dias de Souza: “afora alguns pontos onde há certa concordância, a doutrina diverge – e muito – na definição do que seja ratio decidendi e na escolha do método mais eficaz de identificá-la no bojo de um precedente judicial”.97 Conforme esclarece Cruz e Tucci: “[a] submissão ao precedente, comumente referida pela expressão stare decisis, indica o dever jurídico de conformar-se às rationes dos precedentes (stare rationibus decidendi).”98 Dai deriva que a ratio decidendié a proposição jurídica, explicita ou implícita, considerada necessária para a decisão,99 podendo ser considerada o núcleo do precedente.100

A definição de Séroussi aproxima-se desse entendimento. Para o autor, a ratio “não é senão a regra jurisprudencial fundamental, o cerne da decisão”. Já os

96TUCCI, José Rogerio Cruz e.Precedente Judicial como fonte do direito,p. 176,177.

97SOUZA, Marcelo Alves Dias de.Do precedente judicial à súmula vinculante, p. 125.

98TUCCI, José Rogerio Cruz e.Precedente Judicial como fonte do direito, p. 175.

99 Robert Summers afirma que o holding de um caso se diferenciaria não apenas de sua fundamentação, mas igualmente de qualquer regra geral ou principio dele extraível. Enquanto o holding equivaleria a uma decisão especifica sobre determinada questão, a regra ou o principio constituiriam uma generalização formulada a partir dele. A este respeito ver: SUMMER, Robert S.

Precedent in the United States (New York State. Interpreting Precedents: A comparative study)p.

386,387.

100WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil lawecommon law. In:Revista de Processo. Ano 34, n° 172, p. 131.

argumentos considerados obiter dicta, “embora não tenham caráter imperativo, permitem compreender a decisão graças às opiniões dadas pelos juízes

“incidentemente”, na forma de digressões”.101

Segundo Cross e Harris a ratio decidendi é qualquer rule of law implicitamente ou explicitamente considerada pelo juiz como necessária para alcançar sua conclusão, tendo em conta a linha de razoamento por ele adotada, ou a parte correspondente às indicações dadas por ele ao jurado.102

Na realidade, é frequente se diga que a doutrina do stare decisis significa que as cortes devem seguir o precedente existente no julgamento de um caso concreto. Na verdade, o que as cortes estão obrigadas a seguir é aratio decidendi desses precedentes. Nesta dimensão, Marinoni ensina que:

Não há como esquecer que a busca da definição de razões de decidir ou ratio decidendi parte da necessidade de se evidenciar a proporção do precedente que tem efeito vinculante, obrigando os juízes a respeitá-lo nos julgamentos posteriores. No common law, há acordo em que a única parte do precedente que possui tal efeito é aratio decidendi.

Desse modo, no common law, a ratio decidendi é extraída a partir dos elementos da decisão, isto é, da fundamentação, do dispositivo e do relatório.

Assim, na decisão do common law, se tem em foco a segurança dos jurisdicionados em sua totalidade. Se o dispositivo é acobertado pela coisa julgada, que dá segurança à parte, é a ratio decidendique, com o sistema dostare decisis, tem força obrigatória, vinculando a magistratura e conferindo segurança aos jurisdicionados.103

Ao ser o conceito de ratio decidendi essencial para o estudo da Teoria do Precedente Obrigatório, a primeira coisa que deve fazer o operador do Direito, ao analisar um precedente, é tentar identificar, distinguindo o que é ratio do que é

101SÉROUSSI, Roland.Introdução ao direito inglês e norte-americano, p.34.

102CROSS; Rupert e J.W.Harris.El precedente en el Derecho Ingles,p. 96

103MARINONI, Luiz Guilherme.Precedentes obrigatórios. 2 ed., p. 222.

dictum.104 Em consequência, corresponde ao operador identificar claramente a ratio decidendi, para depois analisar as dicta. Desse modo, Marinoni esclarece porque é fundamental estabelecer que parte da sentença corresponda a ratido decidendi:

Não é difícil perceber a razão pela qual o commow law sempre se preocupou em distinguir ratio decidendi de obter dictum. Tal distinção se deve à valorização dos fundamentos da decisão, peculiar ao commow law. Como neste sistema importa verificar a porção do julgado que tem efeito obrigatório ou vinculante, há motivo para se investigar, com cuidado, a fundamentação, separando-se o que realmente dá significado à decisão daquilo que não lhe diz respeito ou não lhe é essencial.105

Frisa-se que esta não é uma missão fácil, posto que os argumentos periféricos podem parecer diferentes aos distintos operadores que considerem um mesmo precedente, pela própria definição dos limites daratio decidendi. Portanto, resulta imprescindível a compreensão e a distinção do que seja o núcleo vinculante de uma decisão ou mero dictum, o precedente se aperfeiçoa na aplicação das cortes na resolução dos casos semelhantes. Desse modo, isso “só ocorre após sua atuação a casos futuros, por meio dos quais, paulatinamente, a corte que o criou apontará com maior clareza e precisão quais são as suas razões de decidir e quais são os argumentos meramente retóricos”.106

Por outra parte, verifica-se que os juízes e tribunais hierarquicamente inferiores desempenham um papel fundamental na formação do precedente:

São as cortes superiores pela criação de um precedente a ser obrigatoriamente seguido, são os juízes e tribunais de instancias inferiores, na

104Segundo Rupert Cross a distinção entre ratio decidendieobiter dictumé muito antiga. De fato em 1673 o juiz Vaughan em uma sentença anuncia esta distinção. (CROSS; Rupert e J.W.Harris.

El precedente en el Derecho Ingles, p. 63)

105MARINONI, Luiz Guilherme.Precedentes obrigatórios. 2 ed., p. 233.

106 SILVA, Lucas Cavalcanti da. Controle difuso de constitucionalidade e o respeito aos precedentes do supremo tribunal federal. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). A força dos Precedentes,p. 149-165.

aplicação dos precedentes, que estabelecem os contornos da ratio decidendi ou holding destes. São os juízes e tribunais que, no exercício da atividade interpretativa, apontam, de inicio, o que é razão de decidir e o que è comentário lateral (obiter dictum) de um precedente, aplicando-o conforme essa interpretação.107

Nesse sentido, a ratio decidendi não é pontuada ou individualizada pelo órgão julgador que profere a decisão. Cabe aos juízes, em momento posterior ao examinarem-na como precedente, extrair a “norma legal”, que poderá incidir ou não na situação concreta.108

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 44-47)