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Na infância, a criança já experimenta as primeiras noções de matemática, de forma espontânea, principalmente considerando as situações de brincadeiras vivenciadas. Nesse tempo e espaço de experiência elas já entraram em contato comnúmeros e quantidades, pois vivem num mundo cheio de signos e símbolos: números para representar sua idade, o número do seu telefone, do seu apartamento. Podemos justificar essa fala com as palavras de Vigotski (2000, p.110):

As crianças começam a estudar aritmética na escola, mas muito antes elas tiveram alguma experiência com quantidades – tiveram que lidar com operações de divisão, adição, subtração e determinação do tamanho. Consequentemente, as crianças têm a sua própria aritmética pré-escolar (...).

Para o autor o aprendizado das crianças começa muito antes de elas frequentarem a escola e qualquer situação de aprendizado com que ela se defronte na escola tem sempre uma história prévia. O aprendizado escolar se diferencia do aprendizado que ocorre fora da escola, por ser sistematizado e contar com a mediação de educadores.

As crianças recorrem à matemática para resolver problemas cotidianos, explorarem e atuarem no espaço. Segundo o RCNEI (BRASIL, 1998, p.213), essas noções matemáticas “são construídas pelas crianças a partir das experiências proporcionadas pelas interações com o meio, pelo intercâmbio com outras pessoas que possuem interesses, conhecimentos e necessidades que podem ser compartilhados”.

Além disso, a intencionalidade da matemática, ou seja, as atividades planejadas pelo educador darão continuidade a essas experiências lógico-matemáticas iniciais, propondo situações de aprendizagem adequadas para enfrentar novos desafios. O RCNEI (BRASIL, 1998) afirma que as instituições de Educação Infantil podem auxiliar as crianças a organizarem as suas informações e estratégias, proporcionando condições para a aquisição de novos conhecimentos matemáticos. O trabalho com noções matemáticas atende às necessidades das crianças e à necessidade social de instrumentalizá-las para um mundo que exige diferentes conhecimentos e habilidades.

Sem dúvida a experiência da realidade é muito articulada e complexa, por isso, se a educação em geral e a lógico-matemática em particular devem oferecer às crianças os instrumentos de pensamento e ação para interpretar e enfrentar de forma eficaz os problemas da vida, sem dúvida que é tarefa dos educadores (ESPANHA, 1999, p.184, tradução nossa).

Podemos afirmar que, à medida que a criança vai crescendo, novas possibilidades de representações mentais e deslocamentos são possíveis de serem explorados pelo professor. Os discentes vão conquistando maior autonomia, concentram-se por mais tempo nas atividades e podem participar de jogos com regras mais elaboradas. Percebe-se essa evolução também na Educação Infantil.

Parafraseando Vigotski (2000), as funções psicológicas superiores estão sujeitas à lei fundamental do desenvolvimento, surgem ao longo do desenvolvimento psicológico da criança como resultado de um processo dialético e não como algo que é introduzido de fora ou de dentro, ou seja, com processos de origem biológica e outros de origem sócio-cultural. Vigotski afirma, ainda, que as operações com signos (presentes na Matemática) aparecem como o resultado de um processo prolongado e complexo, conforme a evolução psicológica da criança.

Destaca-se, também, a importância da formação de conceitos a partir das situações de aprendizagem propostas. Para Vigostski (2008), a formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, envolvendo todas as funções intelectuais. O psicólogo investigou dois tipos de conceitos: os “cotidianos” e os “científicos”. Os conceitos cotidianos são aqueles que a criança vai formulando na medida em que utiliza a linguagem para nomear objetos e fatos presentes na sua vida diária, impregnados da experiência. Os conceitos científicos são aqueles significados a partir da aprendizagem sistematizada e, portanto, a partir do momento que a criança frequenta a escola. Esses dois processos estão relacionados, pois um conceito científico só é significado pela criança quando o conceito espontâneo tenha alcançado um determinado nível.

Na Educação Infantil, o embate entre os conceitos cotidianos e os científicos se da através da palavra. Podemos esclarecer esta idéia, trazendo as palavras utilizadas pelas crianças antes do desenvolvimento do projeto sobre os dentes e a substituição das mesmas pelo nome científico após as pesquisas,“bichinho da cárie” por bactéria , por exemplo.

Organizar situações de aprendizagem que possibilitem a formação e significação destes conceitos é um dos desafios para os professores da Educação Infantil que devem ter consciência de que “O desenvolvimento dos processos que finalmente resultam na formação de conceitos começa na fase mais precoce da infância” (VIGOTSKI, 2008, p.72).

Entende-se que os conceitos são significados pelas crianças a partir das experiências proporcionadas pelas interações com o meio, com a realidade concreta (cultura) nos diferentes

tempos e espaços, com os outros sujeitos, sejam elas crianças ou adultos. Na Educação Infantil, os conceitos que são elaborados servirão como base para a construção de outros, mais complexos, nas séries seguintes, como explica Vigotski (2000, p.60):

A atividade de utilização de signos nas crianças não é inventada e tampouco ensinada pelos adultos; ao invés disso, ela surge de algo que originalmente não é uma operação com signos, tornando-se uma operação desse tipo somente após uma série de transformações qualitativas. Cada uma dessas transformações cria condições para o próximo estágio e é, em si mesma, condicionada pelo estágio precedente; dessa forma as transformações estão ligadas como estágios de um mesmo processo e são, quanto a sua natureza, históricas.

Outra discussão que cabe aqui abordarmos é a questão do uso do material concreto nas situações de aprendizagem na educação em geral e na escola infantil. Moysés (2007) refere-se ao concreto como um elemento sensorial importante como ponto de partida, que precisa ser ultrapassado para que se chegue ao pleno desenvolvimento das funções psíquicas. Afirma, ainda, que o uso do material figurativo-concreto é um auxiliar importante, e sua utilização deve ser seguida de processos que levem a abstrações. O objeto ou elemento figurativo pode estimular o aluno a pensar, por isso, o papel que o professor atribui a esse recurso, determina seu grau de utilidade. O lugar e o papel do material visual no processo de ensino são determinados pelo tipo de reação que esse material desencadeia na estrutura mental do aluno.

Podemos identificar neste texto que as relações que a criança estabelece com a matemática podem ocorrer fora da escola de forma assistemática ou, ao contrário, de forma sistemática e com intencionalidade na escola. Observamos que esta intencionalidade é o que nos interessa na investigação, porque acreditamos que a Educação Infantil é um espaço educativo e de aprendizagem.

No item seguinte e que encerra este capítulo, explicitaremos as escolhas metodológicas, como ocorreu a coleta de dados empíricos para pesquisa, os conceitos analisados, enfim, o percurso da pesquisa.