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CAPÍTULO 4 – CAMPANHA (INTER) NACIONAL CONTRA A ALCA (CNCA):

4.3 A “cultura do vivido” e o “romantismo revolucionário” na gênese da CNCA ou

A “cultura do vivido”, segundo Williams, configurar-se-ia como uma relação social

de dominação classista assentada – mais além do poder e da propriedade capitalista, os quais se

valores interiorizados e difundidos pelas classes subalternas mesmas, “aquela saturação do hábito, da experiência, dos modos de ver, sendo continuamente renovada em todas as etapas da vida, desde a infância, sob pressões definidas e no interior de significados definidos, de tal forma que o que as pessoas vem a pensar e a sentir é, em larga medida, uma reprodução de uma ordem social profundamente arraigada a que as pessoas podem até pensar que de algum modo se opõem, e a que, muitas vezes se opõem de fato” (Williams, 1989a). Desta forma, possibilita-se compreender a dialética que se impõe sobre a dinâmica das subjetividades produzidas pelos modos de vida constituídos entre as classes subalternas, enfim, os aspectos de resistência e os elementos de

conformismo presentes na cultura popular, a “subordinação interiorizada e imperceptível” do que

seria um “complexo de experiências, relações e atividades” que constituem a hegemonia

burguesa (Chauí, 1986). Mas em que sentido tais formulações podem contribuir para a reflexão

sobre as lutas dos trabalhadores brasileiros (e as formas religiosas de consciência social) na história recente do país?

Primeiramente, verifiquemos uma importante tendência – na acepção gramsciana – momento constituinte dos “modos de sentir a vida” dos movimentos sociais no país. Sem a pretensão de desviar o foco da discussão, faz-se necessário sobretudo problematizar, ainda que sumariamente, as diversas dimensões de influência da Igreja Católica – especialmente suas correntes e tendências consideradas progressistas, tais como a Teologia da Libertação e suas variantes internas – e as “esquerdas”, na história social recente do Brasil. Os movimentos, tendências e partidos de esquerda engajados na resistência contra a opressão econômico-social das classes populares e à dominação política dos regimes ditatoriais civis-militares nas décadas de 1960 e 1970 viram-se apoiados por parte de alguns escalões clericais que se descolaram da influência dos quadros militares e dos caudais mais conservadores da própria igreja em grande parte da América Latina. Não é possível negar, ainda, que os aspectos culturais próprios do

milenarismo cristão, arraigados profundamente na constituição subjetiva e nos “modos de viver,

pensar e sentir a vida” (Gramsci, 1968) de amplas camadas sociais populares brasileiras, há poucas gerações constituídas em classes trabalhadoras tipicamente urbanas115, calam fundo em

suas formas sociais de consciência (Arcary, 2004a; Löwy, 2000 e Ridenti, 2000) e na dinâmica

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No MST a prática das “místicas” como forma semi-religiosa (“elã”) que opera sobre a consciência social no sentido da mobilização de massas – assim como as missas comemorativas do sindicalismo cutista – expressa elementos desta afirmação. O campesinato pobre, não obstante, constitui importante sujeito social na América Latina de finais de século, trazendo suas próprias concepções de mundo, tradições políticas, práticas culturais e métodos de luta aos embates classistas. A religiosidade popular faz parte do dia-a-dia dos trabalhadores rurais brasileiros, necessariamente subsumidos à lentidão temporal dos ciclos naturais, eclipsados por concepções míticas de mundo e propensos à tradição das permanências seculares. Não obstante, o MST traz em sua gênese histórica elementos de descontinuidade e ruptura que guardam relação com a rebeldia do trabalho (pós-78), cuja primazia da política ultrapassou as luzes das metrópoles (Bianchi e Braga, 2003b). Articulação, enfim, bastante contraditória em sua totalidade histórico-concreta.

do “senso comum” e na “consciência prática” da reprodução imediata da estrutura de suas vidas

quotidianas116 conformando, elementos conservadores e progressistas na “cultura popular”. Assim, tratar-se-iam das “formas ideológicas sob as quais os homens tomam consciência desse conflito e o conduzem até o fim” (Marx, 1978a).

As percepções que as classes trabalhadoras constróem do mundo de exploração no qual estão inseridas são, portanto, sínteses dinâmicas de elementos desiguais, e até expressões de temporalidades sobrepostas. Resultam de aprendizados sedimentados em longas durações e manifestam-se de forma variada de país para país. No Brasil, onde a maioria da classe trabalhadora urbana foi constituída somente nas duas últimas gerações e a memória rural ainda é grande, o medo de represálias esteve sempre acompanhado de um impulso instintivo de resistência à injustiça social. Mas encontraremos também uma intensa religiosidade animada por esperanças milenaristas, mesclada com o materialismo empírico de quem trabalha com as mãos. O fatalismo que alimenta o conformismo, convivendo com um igualitarismo espontâneo de quem é discriminado. A força da solidariedade coletiva associada com a desconfiança individualista. O sarcasmo e o desprezo pelos exploradores, mas também o deslumbramento pela ostentação de poder e riqueza. Uma desconfiança dos chefes alternando-se com o fascínio e, até, o seguidismo das lideranças. Tudo isso se condensou em culturas populares de resistência. Elementos

contraditórios convivem, mas em permanente conflito, predominando aspectos regressivos em certas circunstâncias e emancipadores em outras. Cada classe e fração

de classe explorada, os camponeses pobres ou a classe operária, o proletariado de serviços ou a juventude urbana desempregada, apóia-se em suas próprias heranças e tradições. Mas a pressão esmagadora das condições materiais de existência, em última instância, sempre acaba se impondo. A luta de classes abre o caminho. (ARCARY, 2004a, grifos nossos)

Os pontos de contato entre determinadas formas religiosas e certas correntes do marxismo – evento social exclusivo de nações atrasadas em situações pré ou diretamente

revolucionárias que podem assumir, e de fato assumiram, alguma objetivação superestrutural e continuidade extra-conjuntural – foram amplamente desenvolvidas por Löwy, em suas

dimensões teóricas e implicações práticas. Não faz parte de nossas preocupações – e menos ainda

de nossas hipóteses diretivas –, todavia, identificar supostas “afinidades eletivas” entre os

elementos “escatológicos, apocalíticos e messiânicos” das religiões milenares e a práxis

116 Em nossa problematização preliminar e circunstanciada sobre a estrutura da vida cotidiana das camadas sociais

populares consideramos, primeiramente, que: (i) o marxismo, ao largo de seu desenvolvimento epistêmico, sempre se apresentou avesso à noção da existência de algo como uma determinada “natureza humana”, fixa e imutável, ora associada à obra de um demiurgo todo-poderoso, às vicissitudes de alguma etnia / nacionalidade privilegiada, às características geniais de “grandes personalidades” ou simplesmente relacionada ao “plano das idéias”. A estas abstrações de caráter religioso ou laico, opunha (o marxismo) a consideração da síntese complexa do ser social, na qual a universalidade do gênero humano se concretiza historicamente através da práxis. Portanto a “essência humana”, contraditoriamente, trata-se de um produto histórico, efetivamente não-biológico, a qual precisa ser apropriada e objetivada socialmente pelos indivíduos singulares no decorrer de suas existências em sociedades concretas, a partir da vida cotidiana (Duarte,1993; Heller, 1977 e Della Santa Barros, 2002c). “A vida cotidiana, de

todas as esferas da realidade é aquela que mais se presta à alienação. Por causa da coexistência ‘muda’, em-si, de

particularidade e genericidade, a atividade cotidiana pode ser atividade humano-genérica não-consciente, embora suas motivações sejam, como normalmente ocorre, efêmeras e particulares. Na cotidianidade parece ‘natural’ a desagregação, a separação de ser e essência. (...) A assimilação espontânea das normas consuetudinárias

revolucionária117, própria da orientação-para-a-ação marxista (BLOCH citado por SERRA, 1998). O que nos interessa, em particular, é desvelar alguns de seus desdobramentos específicos que compreendem, simultaneamente, as estruturas sociais (universalidade) e a ação dos sujeitos (singularidade) dialética, processual e organicamente subjacentes a uma totalidade concreta e historicamente determinada, expressada no interior da vida cotidiana118. O primeiro deles tende a considerar em que medida a Igreja deixou de ser um obstáculo à constituição do Estado e da ideologia liberal-burguesa, transmutando-se em casamata espiritual119 – funcional e necessária – do modo de vida120 próprio da ordem capitalista (Dias, 1996), o que, contraditoriamente, também

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Consideramos, junto a Marx, que é em terreno profano que se desvelam as práticas da Sagrada Família. A breve pesquisa das formas religiosas assumidas pela consciência mais ou menos espontânea das classes subalternas serve ao propósito de desvelar-lhes as questões fundamentais colocadas para a subjetividade coletiva dos trabalhadores.

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Primeiramente caberia distinguir a categoria central de trabalho enquanto forma superior de realização do ser

social, protoforma da atividade humana vital-formativa e fundamentação histórico-ontológica da omnilateralidade humana, em autoprodução processual, dinâmica e genérica (Della Santa Barros, 2002c; Lessa, 2002; Antunes,

2003b). O homem introduziu na esfera do ser – através da mediação de primeira ordem da práxis objetiva, consciente e autodeterminada – a dialética do pôr-teleológico, da projeção, da antecipação consciente de um ente que ainda não está dado na realidade; no processo de filogênese do gênero humano. A partir da necessária distinção marxiana entre trabalho concreto (perene) e trabalho abstrato (perecível), voltamos à centralidade histórico-concreta do trabalho, tal como o experenciamos, e a experiência elementar da vida quotidiana. O fazer e refazer do ser social encontra sua forma de existência concreta no trabalho, produzido este – em sua singularidade – como resposta às necessidades imediatas postas pela vida quotidiana. A vida quotidiana é ponto de partida necessário e fundamental de mediação entre a consciência contingente, espontânea e imediata e as formas mais omnilaterais, livres e universais da genericidade para-si. Analisá-la em sua heterogeneidade universal – constituída e constituinte – permitir-nos-ia perquirir as múltiplas manifestações que compõe a totalidade da gênese do ser social. Esta é – a vida quotidiana – a zona de mediação entre a “genericidade muda” (biológica) e sua forma superior (social); conformando assim uma rica totalidade, aparentemente caótica em sua imediatez, que contém in nuce a possibilidade de revelar os elementos humano-genéricos em seu processual e dinâmico vir-a-ser. As mediações que possibilitam sua mais alta expressão, a práxis social e política, devem ser apreendidas junto à esfera do trabalho e da reprodução social sem endeusar o que há de parcial, imediato e aparente na fenomenologia contingente da vida quotidiana. O equívoco simétrico seria desprezar a zona movediça do dia-a-dia na investigação das “formas de consciência do ser-que-vive-do-trabalho, em seus complexos movimentos existentes no trânsito entre as formas mais próximas da imediaticidade, da genericidade em-si àquelas formas mais autênticas, mais identificadas com a

genericidade para-si” (Antunes, 2003b, grifos no original; Lukács, 1978).

119 “Mouriaux e Groux, autores de um extenso e importante estudo sobre a CFDT, vinculam esse antiestatismo, que

afasta a CFDT do reformismo operário e a aproxima do neoliberalismo, à tradição católica dessa central – a rejeição do Estado laico republicano. Na verdade, embora a doutrina da Igreja Católica tenha contradições com o

liberalismo, a política neoliberal permite a revalorização dessa igreja. O Estado de Bem-Estar ocupou um espaço

no qual, antes do desenvolvimento dos direitos sociais e dos serviços públicos, a presença da Igreja Católica era muito grande – ensino, assistência hospitalar, filantropia em geral. A implantação da educação pública, laica e gratuita foi motivo de um conflito, mais ou menos agudo segundo o país, entre os governos e a Igreja Católica.

Agora, a política neoliberal reabre, não só para a nova burguesia de serviços, mas também para essa igreja, esse campo de atuação” (Boito Jr., 1999, grifos nossos).

120 N’A Ideologia Alemã temos que o “modo de produção não deveria considerar-se simplesmente como a

reprodução da existência física dos indivíduos. É mais uma forma concreta de atividade destes indivíduos, uma maneira concreta de expressar as suas vivências, um modo de vida concreto” (várias edições). O conceito de modo

de vida encontra-se – segundo Dias (1999) – em estado prático no interior das investigações de Gramsci (1968) e

Trotsky (1979), sobre a constituição do fordismo-americanismo nos EUA ou da nascente sociedade soviética na ex- URSS, respectivamente; articulando dialeticamente as formas de existência histórica da produção material à

reprodução cotidiana da vida social – aliando “infra” e “superestrutura” na totalidade concreta de uma mesma

categoria analítica. Na Introdução de Anatole Kopp a Questões do Modo de Vida (Trotsky, 1979), o conceito de “modo de vida” (“byt”) aparece como a articulação simultânea entre “as bases econômicas e as relações sociais inseparáveis do novo modo de produção”. Não é por acaso que a concepção permanentista de Trotsky sobre o processo revolucionário compreende uma transição socialista sob constante transformação de todas as relações

haveria possibilitado o surgimento de tendências internas críticas à lógica do mercado; o

segundo busca apreender o que se configura como aparente coincidência de necessidades

imediatas entre os movimentos de luta/resistência contra a ditadura civil-militar e a Igreja

Católica – considerando as aproximações e distanciamentos entre a Doutrina Social da Igreja Católica e o programa político-econômico da social-democracia européia, do segundo pós-guerra – estendendo o mesmo argumento aos sujeitos sociais/políticos da resistência operário-popular ao “neoliberalismo político”, no presente momento; e, o terceiro e último – mas não menos importante – destaca a composição social e histórica do romantismo revolucionário.

Esta elementar exegese da mediação conceitual de romantismo revolucionário

brasileiro, tal como se apresenta nas formulações de Ridenti (2000) – as quais partem da noção

elaborada por Löwy e Sayre (1995) –, tem como objetivo problematizar a forma como nos aproximamos (e nos distanciamos) da mesma, objetivando-a no corpo de nossa análise. Destacamos que se trata de uma categoria problemática e contraditória, com limitações intrínsecas, de cunho historicista e culturalista, por vezes tributárias de uma concepção circunscrita à delimitação da gênese do ideário de movimentos e tendências de esquerda no Brasil como chave interpretativa. As possibilidades abertas, porém, no que se refere à reflexão crítica sobre suas múltiplas dimensões, parece-nos, sugerem o emprego deste conceito, ainda que

de forma socialmente condicionada e historicamente determinada, feitas as devidas ressalvas e

precisões em relação ao mesmo. Limitar-nos-emos, sem embargo, a empregar esta “categoria” na explicação e compreensão de concepções e práticas dos trabalhadores em luta, dos movimentos sociais e da esquerda política na história social recente do país. De forma particular, especialmente, recorreremos à mesma para alcançar certos discernimentos e angulações sobre a configuração social recente da forma de existência histórica da relação social entre a Igreja e as esquerdas no Brasil. Partamos da enunciação proposta por Ridenti, tendo como principal fundamentação teórico-epistemológica imediata a obra Revolta e melancolia: o romantismo na

contramão da modernidade (Löwy e Sayre, 1995): “uma crítica da modernidade, isto é, da

civilização capitalista moderna, em nome de valores e ideais do passado”. Ao que agrega, no que se refere a movimentos e organizações de esquerda que resistiram à ditadura civil-militar brasileira (1964-1984): “Parece que, além de apostar numa utopia anticapitalista moldada no passado, o romantismo revolucionário caracteriza-se também pela ênfase na prática, na ação, na coragem, na disposição, na vontade de transformação, muitas vezes em detrimento da teoria e dos limites impostos pelas circunstâncias históricas objetivas” (Ridenti, 1998, grifos no original).

que se completando, formam combinações e relações recíprocas de tal modo complexas que a sociedade não pode

chegar a um estado de equilíbrio e/ou estagnação. A Perestroïka Byta (“reconstrução do modo de vida”) é definida

De forma a destacar o aspecto histórico do movimento lógico de elevação do abstrato ao concreto – num mesmo movimento, poder-se-ia considerar – temos que: “Recolocava-se o problema da identidade nacional e política do povo brasileiro, buscava-se a um tempo suas raízes e a ruptura com o subdesenvolvimento, numa espécie de desvio à esquerda do que se convencionou chamar ultimamente de Era Vargas” (Ridenti, 2001). Postos os limites, problematizemo-los. Em face ao dissenso existente entre as diversas tendências epistemológicas de análise marxista do

romantismo – e ressalvando desde já que não se trata de uma questão central de nosso trabalho e

tampouco configura uma preocupação recorrente de nossos estudos – parece-nos interessante ressaltar, ainda que de forma absolutamente genérica, dois postulados que operam como premissas em grande parte dos ensaios teóricos de filiação lukácsiana e gramsciana, respectivamente. No primeiro, Lukács, teríamos, como vimos até aqui, a caracterização de (i) um

ponto de vista social crítico à lógica do capital, com conotação histórico-regressiva. Ao final do

séc. XIX, o pensamento social de matiz conservadora – expressado nas diferentes formas de expressão humana – já não tinha mais como se manter firmemente arraigado às velhas instituições do ancien régime, em plena decadência histórica: como a ideologia eclesiástica, a monarquia hereditária e a hierarquia estamentária, de tessitura histórico-social esgarçadas. O desenvolvimento embrionário do capital nas entranhas da ordem pré-capitalista, da sociedade burguesa e da revolução industrial na Europa evidencia a crise, decomposição e queda da ordenação societal correspondente ao modo de vida feudal. O poder da ideologia já não tem como se ancorar em todas estas tradições históricas e instituições políticas marcadamente despedaçadas. Daí o profundo questionamento realizado pelos intelectuais – empregando a palavra em latu senso – centro-europeus, erigido numa situação de transição, inquietude e dúvidas na qual “o antigo está desaparecendo e o novo emergindo” (Löwy, 1996). A empedernida resistência aos novos valores burgueses, todavia, projeta uma crítica romântica e

anticapitalista, professando uma volta a um (inexistente) passado feudal idealizado de “relações

humanas autênticas” (Löwy, idem). Nesta crítica à modernidade capitalista, desenvolvida sobretudo nos sécs. XVIII e XIX, de caráter passadista, se reconhece um elemento de crítica à sociedade burguesa mesma. Já no que se refere ao segundo, Gramsci, teríamos (ii) o problema da

particular relação entre os intelectuais e o povo-nação. A necessidade da aproximação entre os

intelectuais e o povo na vida social da sociedade civil-nacional – que não poderia mais ser propriamente de caráter romântico, mas já de natureza socialista – era claramente apontada por Gramsci em sua defesa do “nacional-popular” numa formação social de desenvolvimento capitalista historicamente tardio, como a Itália meridional. O papel dos intelectuais na organização da cultura e de uma visão social, totalizante e integralizadora, que correspondesse à

nova subjetividade histórica e à autoconsciência social das classes subalternas, vislumbram-se no sentido de superar as formas de compreensão de si, do outro e do mundo tributárias de um passado de submissão, subordinação e passividade como condição imprescindível para a superação histórica da Ordem do Capital, unificando teoria e prática das camadas sociais populares, em nexo dialético. Colocados ambos os pressupostos – que em nosso entendimento estão inscritos na definição geral do “romantismo revolucionário brasileiro” –, vejamos algumas contenções que lhe são intrínsecas.

Se, como Anderson (2004), “entendemos que a prática política na luta de classes é a base orgânica sobre a qual, direta ou indiretamente, são desenvolvidas e ampliadas as formulações” do marxismo, então “qualquer consideração sobre as correntes teóricas marxistas nas décadas passadas será antes de tudo uma história política do seu ambiente externo” (Anderson, idem). Como limite, a caracterização histórica de Ridenti (2000) atém-se sobremaneira ao que seria a “história das idéias” de determinadas tendências e organizações da esquerda brasileira, soslaiando a tessitura complexa de influências e condicionamentos impostos pelas lutas de classes, histórico-concretas, e, simultaneamente, dando demasiada ênfase à gênese histórica (historicismo) dos eventos e aos aspectos culturais que encerram (culturalismo). A máxima extensão do argumento central o levaria – a flexão verbal aqui indica considerarmos que o autor não incorre em tal hipérbole – ao terreno da problematização original (de Löwy e Sayre, 1995), relacionada à identificação de supostas “afinidades eletivas” entre os elementos messiânicos das religiões milenares e a práxis revolucionária própria da orientação-para-a-ação

marxista. Em parte se endossa, porém, a hipótese löwyana de que o romantismo anticapitalista constitui um componente importante do pensamento social de Marx e Engels, que “estaria

presente também em autores como Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Henri Lefebvre, E. P. Thompson, Raymond Williams e outros” (Ridenti, 2000). Por fim, gostaríamos de sublinhar que quando o autor circunscreve sua análise a uma organização de esquerda, socialmente sita e historicamente determinada – no caso, a Ação Popular (AP) –, e daí parte para seus condicionantes políticos e ideológicos, trazendo como componente (ainda que predominante) sua formação religiosa, oferece suas maiores contribuições para problematizar a relação entre os segmentos progressistas da Igreja Católica e as esquerdas marxistas de formações sociais semelhantes ao Brasil nos quais, em situações pré ou diretamente revolucionárias, determinados