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CAPÍTULO 1 – DO COLAPSO DA ORDEM DE BRETTON WOODS AOS PROGRAMAS

1.2 Hegemonia Neoliberal, Crise do Capital e Limites Democráticos no Brasil

1.2.1 O neoliberalismo político e a “reestruturação produtiva”:

A síntese contraditória de múltiplas determinações que representa o neoliberalismo – “abstrato”, enquanto uma série complexa de concretos (Ilyenkov, 1982) –, surgida na cena histórica após a crise estrutural-capitalista de meados dos anos 70, apresenta-se pelo menos em três planos dialeticamente inter-relacionados: (i) doutrina teórica referenciada pela economia neoclássica, pelo monetarismo ortodoxo e pela Escola da Escolha Racional; (ii) movimento político associado geralmente às gestões de Margareth Tatcher, na Inglaterra, Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e ao General Pinochet, no Chile e, enfim, (iii) programa político-prático aplicado amplamente pelos governos de turno do “centro” e da “periferia” da Ordem do Capital. Não obstante a complexidade da relação entre infra e superestrutura, contingencial e orgânico e concepção e prática para a compreensão do “capitalismo neoliberal” – análise exegética e exaustiva realizada, em diferentes níveis e perspectivas diversas, por Anderson (1995), Bianchi (1996), Boito (1999) e outros –, consideramos que a mediação do neoliberalismo político – apreendida a partir da problemática marxista de Estado, ideologia e luta de classes – permite- nos compreender a função do Estado capitalista no sentido de organizar e defender os interesses da classe dominante nos diferentes momentos históricos à medida que: (i) a ampla atuação no que se refere à dimensão material, ideológica e jurídico-política do processo de exploração do trabalho assalariado garante o aumento da taxa de extração de mais-valia, através da

desregulamentação ativa das relações de trabalho; (ii) a redução de sua intervenção em áreas

como saúde, educação e infra-estrutura social – através de processos de privatização /

desnacionalização mediados pelo Estado – viabiliza ao capital privado a cristalização de novos

nichos de acumulação capitalista e (iii) a abertura comercial / desregulamentação financeira possibilita a realização do mais-valor nas atuais circunstâncias históricas. O neoliberalismo trata- se, portanto, de uma ofensiva burguesa – expressão da luta de classes incidindo sobre as classes

em luta – que, por sua vez, configura uma situação na qual a resultante da correlação de forças

sociais em presença favorece amplamente o capital e suas demandas objetivas, em especial suas frações financeiras (Galvão, 2002). De acordo com esta caracterização, a dinâmica de reprodução e acumulação no capitalismo contemporâneo constitui-se em determinação

fundamental e sustentação material para o neoliberalismo, considerado – como colocamos –

configurando e reconfigurando as relações sociais29, função cumprida central e majoritariamente

– com incrível eficácia – pelos próprios aparelhos do Estado burguês.

O sistema sociometabólico de produção capitalista reproduz-se, contudo, em meio a uma profunda crise estrutural, para além das crises cíclicas que compõe seu desenvolvimento histórico. A noção de queda tendencial da taxa de lucro, presente já n’O Capital de Marx, se expressa a partir das relações capitalistas de produção mediante o aumento da produtividade do trabalho, incrementando a composição orgânica do capital, sustentada pela relação entre capital

constante (maquinaria e insumos) e capital variável (trabalho vivo), este último constituindo-se

como elemento central da realização do mais-valor. Para enfrentar-se à crise que lhe é

estrutural, a qual se apresenta historicamente – com força e nitidez – a partir do final da década

1960 e início de 1970, o capital acena com uma dupla ofensiva: o neoliberalismo político, tal qual o verificamos até aqui, e a chamada reestruturação produtiva30 – “com vistas a dotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores” (Antunes, 2003) – reestruturação da produção e do trabalho visando a internacionalização de

uma reconfiguração sistêmica da divisão social do trabalho e aprofundamento das relações capitalistas de produção mediante “mudanças na composição intersetorial da acumulação,

deslocamento das unidades para zonas de baixos salários, tendência de privilegiar unidades de produção menores, em que o processo de trabalho é mais flexível e em que se efetuam economias máximas nos custos de produção” (Benko, 1996). “Opondo-se ao contra-poder que emergia das lutas sociais, o capitalismo iniciou um processo de reorganização das suas formas de dominação societal, não só procurando reorganizar em termos capitalistas o processo produtivo, mas procurando gestar um processo de recuperação da hegemonia nas mais diversas esferas da sociabilidade. Fez isso, por exemplo, no plano ideológico, por meio do culto de um subjetivismo e de um ideário fragmentador que faz apologia ao individualismo exacerbado contra as formas de solidariedade e de atuação coletiva e social” (Antunes, idem). O neoliberalismo político e a

reestruturação produtiva seriam, desta forma, “irmãos siameses” (Dias, 1998 e 2001).

Nas palavras de Dias (1998), trata-se da expressão singular da forma histórica

assumida atualmente pelas lutas de classes, sendo a gestão do processo produtivo “a forma

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“O Estado não tem fim em-si mesmo senão o mais perfeito meio de organização, desorganização e reorganização

das relações sociais. Dependendo das mãos em que se encontra, pode ser a alavanca para uma revolução profunda

ou o instrumento de uma paralisação organizada” (Trostky, 1971, grifos nossos).

30 “Hoje, muito mais do que durante a fase de hegemonia taylorista-fordista, o trabalhador é instigado a se auto-

controlar, auto-recriminar e até mesmo se auto-punir, quando a produção não atinge a meta desejada (chegando até mesmo, em situações extremas, como o desemprego e o fechamento de empresas, ao suicídio a partir do fracasso no trabalho). Ou se recrimina e se penitencia, quando não se atinge a chamada ‘qualidade total’, típica da fase da superfluidade, do caráter involucral e descartável das mercadorias, com suas marcas e signos, que faz com que, muito freqüentemente, quanto mais ‘qualidade total’ os produtos tenham, menor seja o seu tempo de vida útil” (Antunes, 2004a).

condensada da política dos dominantes” (Dias, idem). O longo “adeus ao trabalho”31 – e aos trabalhadores –, perpetrado pela intelectualidade supostamente “pós-marxista”, arranca da correta constatação do processo de heterogeneização social32, mudanças tecno-científicas e gerenciais nas relações de trabalho, fragmentação identitária e dispersão ideológica33 que as classes trabalhadoras vêm sofrendo desde o processo mesmo de constituição e desenvolvimento histórico em diferentes momentos do séc. XX e, mais intensamente, no limiar e alvorecer do presente século, à guisa de conclusões equivocadas como a negação da centralidade do

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“E, paralelamente à enorme ampliação do conjunto de seres sociais que vivem da venda de sua força de trabalho, da classe-que-vive-do-trabalho em escala mundial, tantos autores deram adeus ao proletariado, conferindo ao trabalho um valor em vias de desaparição, defendendo a idéia do descentramento e mesmo desconstrução da categoria trabalho, acarretando a idéia do fim das possibilidades das ações humanas desencadeadas a partir do trabalho social. [...] Dentro do espaço produtivo, o saber intelectual que foi relativamente desprezado pelo taylorismo-fordismo, tornou-se, para o capital de nossos dias, uma mercadoria muito mais valiosa. As formas contemporâneas de vigência do valor levaram ao limite capacidade operativa da lei do valor e a vigência do trabalho abstrato, que despende cada vez mais energia intelectual (além de material) para a produção de valores de troca. Novamente desencadeia-se um processo interativo entre trabalho vivo e trabalho morto, sob o comando de um tempo conduzido pelo ritmo cada vez mais informacional e intensificado. O tangenciamento desta problemática (e a sua compreensão no limite equivocada) levou Habermas a hiperdimensionar o papel da ciência e subdimensionar (eurocentricamente) o papel (diferenciado) do trabalho. Ao contrário da interatividade entre trabalho vivo e trabalho morto, Habermas visualizou um processo de cientificização da tecnologia quando em verdade ocorre um movimento de tecnologização da ciência (Mészáros, 1989) que não levou à eliminação do trabalhado vivo, mas a novas formas de interação no trabalho (visando sempre, por certo, a sua redução)” (Antunes, 2004a).

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Enquanto Antunes (2002) considera a atualidade da heterogeneidade da classe trabalhadora, desenvolvendo o percurso de Mészáros (2002), Boito Jr. (1999) – tal como Hobsbawm (1988) – a apresenta (a heterogeneização social das classes trabalhadoras) como secular. “A classe operária sempre foi fragmentada pelo grau de qualificação, pelo nível salarial, pelas condições de trabalho, pelo tamanho e poder econômico das empresas em que trabalham os diferentes setores da classe operária, pelo acesso diferenciado a direitos e garantias sociais, pela língua materna dos trabalhadores, pela sua nacionalidade etc. O operariado homogêneo é um mito produzido pela observação superficial. De resto, uma segmentação básica e decisiva no momento atual, que tem dividido as classes trabalhadoras frente à política neoliberal, é a segmentação entre trabalhadores do setor privado e trabalhadores do setor público; essa segmentação precede, de muitas décadas, a etapa atual e, no entanto, só agora, devido às condições conjunturais, ela produziu efeitos pertinentes na luta política. Ademais, a classe operária é apenas uma parte do contingente de trabalhadores assalariados. Os assalariados não-manuais, que podem ser considerados trabalhadores de classe média, também participam, a seu modo, do movimento sindical. Seria possível mostrar que, ao longo das últimas décadas, a situação de grande parte da classe média contribuiu para aproximá-la do movimento operário, como mostra o fenômeno do crescimento do sindicalismo dos trabalhadores não-manuais. Ou seja, a heterogeneidade e a fragmentação podem ter se acentuado em alguns aspectos, e se reduzido em outros, mas, de qualquer modo, são características constitutivas das classes trabalhadoras e, por isso, não podem explicar o fato novo que são as dificuldades e o refluxo do sindicalismo na atualidade. O equívoco teórico consiste em que tal procedimento analítico procura explicar a luta de classes – já que o sindicalismo é uma forma, embora elementar, da luta de classes, examinando a classe operária separadamente das relações e conflitos de classes nos quais ela está inserida. Faz-se uma espécie de análise morfológica da classe operária -tamanho de seu contingente e tipos de contrato de trabalho – e se pretende deduzir disso seu comportamento político e sindical. [...] Eric Hobsbawm insiste na heterogeneidade salarial, de qualificação, cultural, etc. da classe operária européia que, no final do século passado, colocou em pé um movimento operário unitário e internacional, através dos partidos social-democratas. Hobsbawm destaca que a heterogeneidade socioeconômica da classe operária é superada pelo movimento operário graças às condições políticas e ideológicas do último quartel do século XIX. A questão é essa: se a heterogeneidade existe e sempre existiu, o problema passa a ser o de explicar porque em certas conjunturas ela é superada pelo movimento operário e em outras não” (Boito Jr., 1999).

33 Neste contexto ideológico, “torna-se imprescindível resgatar o sentido de pertença de classe que a

dessociabilização do capital e suas formas dominantes (incluindo a decisiva esfera da cultura) procuram de todo modo nublar, nessa era de enorme ampliação de clivagens existentes dentro do mundo do trabalho” (Antunes, 2004a).

trabalho34 no processo de valorização do capital. Trata-se de um processo contraditório – a “metamorfose do mundo do trabalho”, segundo Antunes (2002a) e que, para Dias (2001), referir- se-ia na verdade ao “Mundo do Capital” – que a um só tempo reduz o operariado fabril e, simultaneamente, expande o trabalho assalariado em suas formas subproletarizadas, precárias,

parciais e terceirizadas; além de integrar mais contingentes de mulheres trabalhadoras, ampliar o

setor de serviços, aprofundar o fluxo migratório das massas trabalhadoras da periferia capitalista em direção aos centros imperialistas e marginalizar tanto os trabalhadores jovens quanto os de idade média35 (Antunes, 1999). Àqueles operários que produzem diretamente mais-valia e participam, também imediatamente, do processo de valorização do capital – núcleo central da

classe-que-vive-do-próprio-trabalho – vêm se somar a totalidade do trabalho coletivo – homens

34 A concepção da centralidade do trabalho é explorada em sua tríplice formatação e inter-relação por Lessa (2002),

(i) centralidade ontológica do trabalho, (ii) centralidade quotidiana do emprego e (iii) centralidade política da classe trabalhadora, em meio à imensa plêiade de nexos e mediações que articulam trabalho e totalidade social. A perspectiva histórico-ontológica de Lessa apóia-se nos textos de maturidade de Lukács – Zur Ontologie des

gesellschaftlichen Seis (“Por uma ontologia do Ser Social”) e Prolegomena zur Ontologie des gesellschaftlichen Seis. Prinzipienfragen einer heute möglich gewordenen Ontologie (“Prolegômenos à ontologia do Ser Social.

Questões de princípio d’uma ontologia hoje tornadas possíveis”) – e possibilita discernimentos importantes à luz do debate contemporâneo. Noutra matriz teórico-epistemológica, também de inspiração marxista, temos a Moares Neto (2004) discutindo a perspectiva da “abolição do trabalho” como possibilidade histórica da realização do “reino da liberdade” marxiano fundamentalmente através do que seria a tendência ao desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo contemporâneo. O acento diferenciado que se coloca sobre as forças/processos produtivos e as relações sociais/lutas de classes em cada qual das perspectivas supracitadas pode ser identificado com o que Arcary (2004) considera “uma questão metodológica crucial e que poderíamos, talvez, enunciar como uma dualidade epistemológica em Marx, decisiva para esclarecer os critérios chaves do materialismo histórico” (grifos nossos), qual seja, a “tensão entre necessidade e vontade, entre determinismo e livre-arbítrio”. Os desdobramentos e a incidência destas diferentes análises na dimensão teórico-política das lutas classistas do movimento operário foram assim resumidas por Arcary (idem): “Aonde, contudo, se esgota a vontade? Quais são os limites impostos pelas circunstâncias históricas? No século XX, grande parte dos socialistas desiludiu-se com a revolução, e muitos revolucionários não foram marxistas. Classificações são sempre reducionistas e eliminam, perigosamente, inúmeras mediações intermediárias; mas os participantes destes debates se chamaram, mutuamente, de objetivistas e subjetivistas ou, com mais amargura, fatalistas e voluntaristas. A maioria dos primeiros se inclinou por posições moderadas, enquanto muitos, entre os segundos, abraçaram perspectivas revolucionárias, ainda quando ocorreram exceções”.

35 “O primeiro ponto diz respeito às conseqüências da fragmentação do mundo do trabalho. Nos embates mundiais

hoje desencadeados pelos trabalhadores e/ou desempregados que o mundo tem presenciado, de modo cotidiano, como é o recente exemplo argentino, é possível detectar maior potencialidade e mesmo centralidade nos estratos mais qualificados da classe trabalhadora, naqueles que vivenciam uma situação mais ‘estável’ e que têm, conseqüentemente, maior participação no processo de criação de valor? Ou, pelo contrário, nas ações sociais dos nossos dias, o pólo mais fértil e rebelde encontra-se prioritariamente naqueles segmentos sociais mais subproletarizados? Sabe-se que aqueles segmentos mais qualificados, mais intelectualizados, que se desenvolveram junto com o avanço tecno-científico, pelo papel central que exercem no processo de criação de valores de troca, estão dotados, ao menos objetivamente, de maior potencialidade e força em suas ações. Mas, contraditoriamente, estes setores mais qualificados, são objeto direto de intenso processo de manipulação e envolvimento no interior do espaço produtivo e de trabalho. Podem vivenciar, por isso, subjetivamente, maior envolvimento, subordinação e heteronomia e, particularmente nos seus segmentos mais qualificados, podem tornam-se mais suscetíveis às ações de inspiração neocorporativa. Em contrapartida, o enorme leque de trabalhadores/as precários, parciais, temporários, juntamente com o enorme contingente de desempregados, pelo seu maior distanciamento (ou mesmo ‘exclusão’) do processo de criação de valores teria, no plano da materialidade, um papel de menor relevo nas lutas anticapitalistas. Porém, sua condição de despossuído o coloca como, potencialmente, um pólo social capaz de assumir ações mais ousadas, uma vez que estes segmentos sociais, ‘não têm mais nada a perder’, no universo da (des) sociabilidade contemporânea. Sua subjetividade poderia estar, portanto, mais propensa à rebeldia e às rebeliões. De novo a experiência argentina merece nossa atenção especial” (Antunes, 2004a).

e mulheres despossuídos dos meios de produção – que vendem sua força de trabalho como mercadoria sob a forma de salário; conformando uma nova morfologia às relações de classe. Ignoram – os supostos “críticos” – que “o capitalismo, desde o início, teve que, seguida e permanentemente, revolucionar-se sem cessar e expropriar os trabalhadores, tanto em relação aos instrumentos de produção quanto ao conhecimento e à identidade; expropriá-los na sua própria condição de existência enquanto classe” 36 (Dias, idem). Desta forma – e a partir das considerações realizadas – é-nos impossível aludir à noção de neoliberalismo sem referenciar- nos no conceito de crise estrutural do capital e – da mesma forma, como poderemos conferir adiante – os discernimentos decisivos, somente aludidos pela impressão fenomenológica de

globalization, só podem ser compreendidos em sua inteireza a partir de uma análise detida do novo estágio de desenvolvimento-regressão histórico/a aberto/a pela queda do capitalismo

concorrencial e da subseqüente ascensão do capitalismo monopolista; com todas as letras:

imperialismo. Ver-se-á: conceito vigente, atual e, sobretudo, necessário.

Conseqüentemente, “o grande deslocamento do capital para as finanças foi a conseqüência da incapacidade da economia real, especialmente das indústrias de transformação, de proporcionar uma taxa de lucro adequada. Assim, o surgimento de excesso de capacidade e de produção, acarretando perda de lucratividade nas indústrias de transformação a partir do final da década de 1960, foi a raiz do crescimento acelerado do capital financeiro a partir do final da década de 1970. [...] As raízes da estagnação e da crise atual estão na compressão dos lucros do setor manufatureiro que se originou no excesso de capacidade e de produção fabril, que era em si a expressão da acirrada competição internacional” (Antunes, idem). A partir de então, logicamente, há que se atentar às transformações ocorridas em suas configurações econômicas e políticas historicamente assumidas ao longo de quase um século desde o surgimento, afirmação e consolidação do imperialismo moderno, como o analisou Lenin. A singularidade da configuração histórica assumida recentemente pelo modo de produção capitalista apresenta-se nas formas de acumulação e extração de mais-valia – quantum social de trabalho excedente, segundo a teria marxista do valor-trabalho – da classe-que-vive-do-próprio-trabalho, mantendo-se a constituição histórica e estrutural da valorização do capital lastreada centralmente na exploração do trabalho e, enfim, dos trabalhadores. Tratam-se, no caso, de formas de acumulação sob a hegemonia do

36 “Não bastasse a intensidade das transformações que atingiram a materialidade e a objetividade do ser-que-vive-

do-trabalho, a crise atingiu diretamente a subjetividade do trabalhador, sua consciência de classe, afetando seus organismos de representação, dos quais os sindicatos e os partidos são expressão. Os sindicatos foram forçados a assumir uma ação cada vez mais defensiva, cada vez mais atada ao imediatismo, à contingência, regredindo em sua já limitada ação de defesa de classe no universo do capital. Gradativamente foram abandonando seus traços anti- capitalistas visando preservar a jornada de trabalho regulamentada, os demais direitos já conquistados. E quanto mais a ‘revolução técnica’ do capital avançava, maior era a luta para manter o mais elementar e defensivo dos direitos da classe trabalhadora, sem o qual sua sobrevivência está ameaçada: o direito ao trabalho, ao emprego” (Antunes, 1995).

capital financeiro, que não podem ser dissociadas historicamente da ofensiva da supremacia norte-americana pela recomposição da taxa de exploração – mediante a mundialização

capitalista (“globalization”) –, da “reestruturação produtiva” (e do “neoliberalismo”), assim

como das derrotas históricas do movimento operário no séc. XX – das quais a ascensão do nazi- fascismo e a degeneração estalinista de partidos e ex-Estados operários são expressão cabal –, da extinção da ex-URSS e do processo econômico-social de restauração capitalista que alcançou a Leste Europeu, Cuba e China.

Se, por um lado, concebemos a mundialização capitalista (“globalização neoliberal”) como uma fase determinada no interior do estágio imperialista de desenvolvimento histórico-contemporâneo da Ordem do Capital, relacionada principalmente a uma contra- ofensiva da supremacia capitalista norte-americana – em busca, sobretudo, da recomposição da taxa de exploração, da internacionalização do Capital e de respostas à crise estrutural que lhe assola – por outro, não procede a possibilidade de situá-la historicamente fora de um contexto no qual a casta dirigente37 da ex-URSS também desempenhou decisivo protagonismo no que se refere – em suas intitucionalidade política e ordenação superestrutural – à configuração histórico-contemporânea, das contradições estruturais entre Capital e Trabalho. Assim, os acordos contra-revolucionários entre o imperialismo hegemônico e a burocracia moscovita no segundo pós-guerra expressam de forma eclipsada, de maneira mais que distorcida e

profundamente degenerada, a relação de forças sociais em luta em nível internacional, através de

uma ordem mundial – de contenção e “paz armada” –, pactada em Ialta e Potsdam. Os acordos –

contra-revolucionários, reafirmamos sem hesitar – de coexistência pacífica firmados entre a

burocracia moscovita e o imperialismo hegemônico em Ialta e Potsdam38, diga-se au passage,

37 Trata-se da chamada nomenklatura estalinista. Lenin alertou para os desvios degenerativo-burocratizantes do

Estado soviético e planejava livrar uma batalha contra Stalin e os poderes adquiridos pelos burocratas em posição de comando nos aparelhos estatais, pouco antes de morrer, no início da década de 1920, como viemos a descobrir nas