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CAPÍTULO 4 – CAMPANHA (INTER) NACIONAL CONTRA A ALCA (CNCA):

4.4 O nacional e o internacional: articulação, perspectivas e orientações-para-a-ação

No plano internacional – após algumas articulações do movimento sindical das Américas em Denver (Estados Unidos, 1995), Cartagena (Colômbia, 1996) e Fortaleza (Brasil, 1997) – forja-se um amplo movimento social – mediante delegações, coalizões e plataformas de

diversos contextos e países – de oposição ao discurso e às práticas livre-cambistas dos Estados e

dos organismos multilaterais nas Américas. “Entre as decisões tomadas em Belo Horizonte, a mais inovadora é, sem dúvida, a que consistiu em lançar uma Aliança Social Continental (ASC),

isto é, lançar as bases de uma aliança ampla e profunda fundada na construção ‘de alternativas viáveis e concretas à ALCA’” (Brunelle, 2002). Os anos de 2002 e 2003, desde a perspectiva das lutas e movimentos sociais populares do Brasil e América Latina, foram marcados, inelutavelmente, pela Campanha (Inter) Nacional contra a ALCA. Podemos citar as iniciativas relacionadas ao Encontro Hemisfério de Luta contra a ALCA realizado em Havana (Cuba) – que envolveu a quase totalidade das mais importantes representações sindicais, sociais e populares da América Latina, além de importantes setores sindicais do Canadá e dos EUA –, assim como as jornadas internacionais e “anti-cumbres” realizadas em Buenos Aires (Argentina) e Quebec (Canadá), onde mais de 50 mil trabalhadores e estudantes manifestaram-se sob a consigna de “Não à ALCA”, considerada esta como instrumento jurídico-político para legalizar e

aprofundar a recolonização imperialista da América Latina. Desde então as manifestações de

massas romperam o sigilo das negociações da ALCA, realizadas detrás de portas fechadas por chefes de governo e empresários. O “Consenso de Havana”, como assim se chama a declaração final do encontro citado – em clara alusão crítica ao Consenso de Washington – considera a ALCA como “um processo, já em marcha, de anexação e recolonização de nossos povos”. O objetivo declarado trata-se de impedir a aplicação da ALCA; para o qual são propostas um conjunto de medidas que vão desde a necessária propaganda generalizada sobre o significado

da ALCA – como forma de mobilizar e “conscientizar” a população – até a exigência de submeter este projeto a plebiscitos populares em todo o continente mediante amplas plataformas

políticas e sociais, em todas as Américas. Durante o II Fórum Social Mundial lançaram-se as Campanhas Internacional e Nacional contra a ALCA através de uma manifestação popular, com mais de 50 mil pessoas nas ruas de Porto Alegre. Internacionalmente colocava-se a formação da ASC e o Encontro Hemisférico e, no front interno, como elemento de continuidade de métodos de luta e formas organizativas do Plebsicito Nacional sobre a Dívida Externa, trazendo os

sujeitos, a estrutura e a dinâmica que o havia caracterizado, em 2000126.

126 A Constituição Federal determina a realização de “exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do

endividamento externo brasileiro”, dispositivo este que inspirou uma das perguntas do Plebiscito Nacional sobre a Dívida Externa realizado em 2000, que coletou mais de seis milhões de votos em 3.444 cidades brasileiras. A pergunta era: “O Brasil deve continuar pagando a Dívida Externa sem realizar uma Auditoria Pública desta dívida, como previa a Constituição Federal de 1988?”. Numa iniciativa também não-oficial e sem voto obrigatório – cuja organização envolvia movimentos sociais, entidades profissionais, Igreja Católica etc. – mais de 96% dos participantes disseram que “Não”, corroborando com o lema da Campanha do Jubileu Sul, “A Vida acima da Dívida”. A configuração política, ideológica e organizativa da campanha, delineada abaixo, traz importantes elementos para compreender a gênese, a formação e as perspectivas também da CNCA.

“A CÉDULA DO PLEBISCITO: A cédula do plebiscito será distribuída por uma Comissão Nacional do Plebiscito e constará em seu conteúdo três questões diretas e simples: uma abordando a Dívida Externa, outra a Dívida Interna e outra o Acordo do Brasil com o FMI.

OBJETIVOS:

O Plebiscito Nacional tem como objetivo geral consultar a todos os cidadãos brasileiros adultos para que votem e

Menegoti Tasca (2004) destacou os elementos constitutivos do que seriam práticas contra-hegemônicas de participação popular mobilizadas no interior da CNCA, dando ênfase à comunicação social / educação popular como formas sociais de consciência e conhecimento coletivo, de alguma forma contrárias à lógica do mercado que impera nos gêneros discursivos dominantes do journalisme de marché e da institucionalidade política. Tal lógica – “expressando sua tendência de deslocamento da esfera pública e na sua substituição pelas grandes

corporações empresariais como sujeitos econômicos e políticos” (Menegoti Tasca, idem) –,

deveria ser negada na perspectiva do questionamento ao monopólio privado dos meios de comunicação de massas, assim como aos mecanismos institucionais das democracias realmente

existentes; o que a CNCA teria, ao menos parcialmente, alcançado. A CNCA configurou-se

como momento destacado de uma guerra de consciências no sentido de denúncias e exigências – como o fora o movimento antiguerra nos países imperialistas – de certa forma sintonizada com as classes subalternas do continente e enquanto proposta de “mobilização” e “conscientização” para a formação de sujeitos entre a maioria da população (neste espectro referenciamo-nos na

classe-que-vive-do-próprio-trabalho; desconsiderando as potenciais frações capitalistas e

pequeno-burguesas descontentes com a configuração pretensamente “unilateralista” assumida pela ALCA).

“– Tem que assinar?” “– Aqui, na lista.”

Para isso propõe-se:

• levar o debate à opinião pública e às bases, possibilitando informações e esclarecimentos para que a população tome consciência de que a Dívida Externa e Interna são as principais causas do aprofundamento das dívidas sociais e ecológicas;

• colocar este tema na pauta das mobilizações populares e questionar, a partir da prática, o modelo econômico neoliberal adotado no Brasil, lutando pela recuperação da soberania nacional;

• somar forças para exigir uma Auditoria Pública da Dívida Externa e Interna, a suspensão da dívida externa e a adoção de controles sobre a política de endividamento.

O QUE É UM PLEBISCITO:

É a consulta aos cidadãos sobre um determinado tema que interessa a vida de todos. Nas sociedades que procuraram ser democráticas, esta é uma prática bastante comum, pois ajuda os governos a decidir segundo a vontade da maioria da população. É uma prática de democracia direta.

Nesse Plebiscito serão instaladas urnas durante uma semana (02 a 07 de setembro), para que o maior número possível de cidadãos possa votar. Haverá urnas em Igrejas, Sindicatos, Colégios, Universidades, estações de transporte, etc.

POR QUE UM PLEBISCITO NACIONAL:

Vamos propor ao Congresso Nacional que convoque um Plebiscito sobre a questão da dívida externa e interna. Mas, como normalmente nossos governantes não costumam nem gostam de consultar o povo, o Plebiscito Nacional de setembro será uma consulta aos cidadãos organizada por pessoas e entidades da sociedade civil.

Este Plebiscito:

• é legal, pois os cidadãos são livres para organizar este tipo de consulta;

• é legítimo, pois a questão da dívida externa está carregada de ilegalidades e injustiças, e pesa demais na vida do povo;

• seu poder é moral. Não obriga o Estado e o governo a seguirem as decisões votadas, mas põe em julgamento ético e político o Estado e o governo;

“Com a mão trêmula, carteira de identidade ao lado, Seu Francisco assinou cuidadosamente, com a maior seriedade. No banco de espera de um hospital público em Diadema, aquele senhor baixo, de cabelos brancos, se sentia fazendo algo importante. Abriu um sorriso, alegre pela participação”. (ALMEIDA, 2002, grifos no original)

A forma plebiscitária, enquanto consulta ou referendum popular auto-organizado, referenciada em comitês populares e sem voto oficial-obrigatório, traria em si a denúncia e a crítica à “democracia dos ricos”. Mas, em face aos objetivos de “fazer o enfrentamento à política imperialista dos EUA” que propõe alcançar, quais são seus limites? De um lado propõe-se o empenho em – prioritária e permanentemente – “conscientizar, politizar, organizar as massas” e, por outro, coloca-se a necessidade de desenvolver “formas de luta, de mobilização e de trabalho de base”. O objetivo estratégico colocado pela CNCA, para além de “barrar a ALCA” e “defender a soberania nacional”, formulou-se como: “construir uma alternativa de integração popular e soberana entre os povos americanos”. Agora cabe perquirir as determinações e mediações centrais relacionadas à configuração desta luta social.

Na primeira semana de setembro, mais de 10 milhões de pessoas como Seu Francisco votaram no plebiscito da ALCA. Sem apoio de nenhum governo (nem federal, nem

prefeituras do PT), sem espaço na mídia, correndo por fora das instituições do regime, uma mobilização popular veio à tona. A ALCA foi introduzida na agenda de discussões nacional, de maneira espetacular, por uma ação do movimento de massas contra todas as ações [...] da democracia dos ricos, voltadas para as eleições. Que diferença entre o plebiscito e as eleições de outubro! Estas eleições são manipuladas, dirigidas por

marqueteiros pagos a peso de ouro, com os quatro principais candidatos apoiando o acordo com o FMI e prometendo mais uma vez o paraíso. A diferença salta aos olhos, também, se repararmos nos agentes de cada uma das campanhas. No plebiscito, os pontos de apoio

foram mais de cem mil ativistas, que se esforçaram para superar as dificuldades materiais, através de inúmeras e surpreendentes iniciativas. As paróquias das igrejas, sindicatos, escolas, assentamentos de sem-terra e sem-teto de todo o país viraram comitês antiimperialistas. As urnas se espalharam nas praças públicas, estações de metrô, trem e ônibus, agências da previdência e hospitais públicos. Valeu de tudo para entrar nas empresas e recolher os votos. Estes ativistas da campanha da ALCA são os mesmos que garantem as greves, ocupações de terra, atos públicos, são o que de melhor existe neste país. Não são os cabos eleitorais pagos das eleições de outubro, que estão também presentes no PT. Após uma década de aplicação do modelo neoliberal, de privatizações, acordos com o FMI, guerras promovidas pelos EUA, há uma crescente consciência antiimperialista que, em geral toma a forma de uma postura anti-norteamericana. Os

milhões de votos neste plebiscito materializaram este progressivo sentimento antiimperialista no rechaço à Área de Livre Comércio das Américas, ou melhor, ao Acordo