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CAPÍTULO 4 – CAMPANHA (INTER) NACIONAL CONTRA A ALCA (CNCA):

4.1 Alguns esclarecimentos político-epistemológicos

Primeiramente, faz-se necessário debruçarmo-nos sobre uma forma social de compreensão da CNCA enquanto movimento social reivindicativo de massas, identificando simultaneamente os discernimentos e limitações trazidos por determinada angulação teórica, à luz do devir histórico. Neste sentido, não são poucos os autores que, partindo de variadas matrizes político-ideológicas, associam e/ou aproximam o que consideram os “movimentos antiglobalização”, o “movimento dos movimentos” e/ou o “novo internacionalismo” (Chomsky, 2002; Sader, 2001b e Löwy, 2001) – e, por extensão, as Campanhas Internacional e Nacional

113 Quando nos encontrávamos ainda na fase exploratória de construção do projeto diretivo da presente pesquisa

pretendíamos perscrutar também, de forma acessória e secundária: (i) a evolução da palavra-de-ordem política de governo “democrático-popular”, desde as concepções frentepopulistas do PCB (1958) até as práticas e desdobramentos no PT do Governo Lula-Alencar (2002) e em suas “alianças estratégicas” com setores de uma suposta “burguesia nacional progressiva” (o diletantismo da falsa antinomia “capital produtivo versus capital especulativo”) – traçando um paralelo com a concepção estético-cultural de “nacional-popular” desenvolvida pelas concepções das esquerdas nos anos 60 e 70; (ii) a relação entre o Movimento de Greve do Funcionalismo Público contra a Reforma da Previdência Social e a ALCA; (iii) a proposta de parlamentares “radicais” (Luciana Genro, Babá e João Fontes) do PT, sindicatos e agrupamentos de esquerda de lançar um novo partido que “resgatasse” as bandeiras históricas do PT e a relação entre o MST, MCP, a ampla militância da Campanha Nacional contra a ALCA e a formação da Coordenação de Movimentos Sociais (CMS); (iv) o desenvolvimento das Campanhas Nacionais contra a ALCA nos diversos países da América Latina, e sua coordenação internacional, em relação ao movimento brasileiro, e ainda, (v) a realização da Conferência “Projeto Popular para o Brasil” e o lançamento do jornal alternativo “Brasil de Fato”. Com a avaliação de permanências e descontinuidades na história social do movimento operário-popular e das esquerdas no país, rupturas e deslocamentos, pretendia-se operacionalizar a investigação histórica. Sob o risco de uma abordagem meramente imediatista, descritiva ou fenomenológica, em detrimento da análise dialética, e submetidos às determinações temporais, materiais e institucionais que comporta o trabalho de pesquisa aqui apresentado, tivemos de deixar de lado as pretensões aludidas. Mantém-se, porém, como importantes eixos temáticos de um programa investigativo em longo prazo (“Fur Ewig”).

contra a ALCA – ao que se convencionou denominar paradigma dos novos movimentos sociais. “Partindo da inadequação do paradigma tradicional marxista, denominado por alguns clássico ou ortodoxo, para a análise dos movimentos sociais que passaram a ocorrer na Europa a partir dos anos 60 deste século, assim como fazendo a crítica aos esquemas utilitaristas e às teorias baseadas na lógica racional e estratégica dos atores (que analisavam os movimentos como negó- cios, cálculos estratégicos etc.), Touraine, Offe, Melucci, Laclau e Mouffe, entre outros, partiram para a criação de esquemas interpretativos que enfatizavam a cultura, a ideologia, as lutas sociais quotidianas, a solidariedade entre as pessoas de um grupo ou movimento social e o processo de identidade criado” (Gohn, 2000b). Na esfera da relativa autonomia que caracteriza a presente (e toda) corrente teórica, perguntamo-nos: Quais são os nós górdios e os pontos de inflexão que se

apresentam? Quais problemáticas e eixos norteadores mobilizam seus esforços nucleares de análise / reflexão? Que aspectos são destacados e quais são secundarizados? Que elementos a determinam? Sob quais mediações? De que forma? Por quê? Por um lado, nega-se determinada

visão de “marxismo clássico ou ortodoxo” atribuindo-lhe o que seria um determinismo

economicista supostamente incapaz de equacionar a ação dos sujeitos sociais que, de fato,

manifestou-se na corrente majoritária da II Internacional (Kautski, Plekhanov etc.), nos austro- marxistas (Bauer, Hilferding etc.) e na reificação do marxismo produzida pelo estalinismo. A partir da generalização deste aspecto a todo o marxismo – inclusive àqueles e àquelas que dedicaram suas vidas a combater sistematicamente estas tendências (Luxemburgo, Lenin, Trotsky etc.) – e aos próprios Marx e Engels, procede-se à negação da concepção materialista e dialética da história, e, sob este eixo, desliza-se para a priorização da vida quotidiana, das

relações interpessoais e da intersubjetividade relacional e, por fim, as estruturas sociais são reduzidas a emanações autoproduzidas pela subjetividade coletiva. Aqui o ciclo, enfim, se

completa. Às quimeras de desterritorialização do império, fim do Estado-Nação, negação da

centralidade do trabalho, extinção da divisão de classes nas sociedades contemporâneas etc.

soma-se, por fim, à volatilização dos sujeitos históricos da transformação social. O “presentismo” e o “pós-modernismo” a que se referia Boito Jr. (2000) apresentam-se nesta perspectiva em diferentes momentos, partindo da análise que faz da ascensão dos movimentos sociais urbanos dos anos 80, da forma assumida nos anos 90 – “via grandes coligações: os fóruns nacionais [...] terra, trabalho, cidadania” (Gohn, 2000a) – e, recentemente, na caracterização do movimento antiglobalização como “completamente diferente dos outros movimentos sociais que conhecemos até o séc. XX (...) nega a forma como a ordem capitalista vigente se reproduz, e não

velhos teóricos dos “novos movimentos sociais”, do “movimento dos movimentos” e do “novo internacionalismo”?

Num segundo momento, e ainda sem maiores discernimentos, faz-se importante não perder de vista o processo organizativo em sua totalidade concreta – de surgimento, articulação e construção do CNCA – considerando o que se desenvolveu em termos de mobilizações, protestos e lutas sociais à margem de um marco do que poderíamos chamar de conscientemente

voltado ao combate à ALCA, mas que, de qualquer forma, atentava e atenta – com diferentes

graus de vínculo e intensidade – contra suas diretrizes, propostas e eixos principais. Ao empregarmos a expressão conscientemente voltado ao combate à ALCA não se trata aqui de aludir à clássica antinomia consciência verdadeira versus falsa consciência proposta por Lukács (1960) em História e Consciência de Classe, no que se refere ao que seria a “missão histórica” do sujeito coletivo pertencente ao proletariado e às classes subalternas do país. Em verdade estamos estabelecendo uma diferenciação entre as propostas e práticas imediatamente dirigidas ao combate à ALCA, de forma consciente, organizada e autodeterminada (por exemplo, as campanhas multisetoriais coordenadas entre si), e aquelas que, às vezes até de forma mais contundente e eficaz, questionam e negam os postulados e diretrizes neoliberais-imperialistas que a informam (ALCA) – as quais não necessariamente dão-se no marco de movimentos, articulações ou campanhas explicitamente anti-ALCA – como por exemplo as lutas políticas, os embates sociais e as ações diretas de massas, ou seja, lutas diretas como paralisações ou bloqueios de auto-estradas; passeatas e manifestações políticas; marchas e cortes de estrada; greves de massas ou de protesto; ocupações de terras, fábricas, órgãos públicos e insurreições operário-populares que recorrem aos métodos próprios de combate dos trabalhadores da cidade e do campo em seus enfrentamentos classistas. Aqui se pretende construir ferramentas de mediação categorial que possibilitem a descrição e a explicação – entendidos como momentos indissociáveis entre si, numa perspectiva dialética do método investigativo – das formas de existência histórica assumidas pelos processos de lutas sociais na história recente do movimento operário no Brasil. A idéia do jovem Marx, d’A Sagrada Família, utilizada na epígrafe do conhecido ensaio de Lukács (1960), é, por-si só, bastante sintomal: “Não se trata do que tal ou qual proletário ou mesmo o proletariado inteiro se represente em dado momento como alvo, trata-se do que é o proletariado e do que, em conformidade com o seu ser, historicamente será compelido a fazer” (Marx citado por Lukács, 1960). Como nos sugere Antunes (1992 e 1995), tratar-se-ia – nos casos que aludimos acima – da ação espontânea de massas114.

114 A exposição sobre a espontaneidade aqui formulada (Antunes, 1992 e 1995), apropria-se em parte dos

enunciados de Gramsci sobre tal problemática, inserida na história social das classes subalternas. Primeiramente Gramsci estabelece que entre a espontaneidade classista e a direção consciente sempre há interação dialética,

(...) aquela que nasce do próprio movimento instintivo de classe, sem a presença de direção política consciente. Quando a ação que motivou resulta de uma concretude sem que tenha ocorrido uma prévia ideação social ou política. São aqueles movimentos que

brotam da própria situação de classe em sua processualidade e desenvolvimento, em seu ir-sendo. É a ação que se atém ao plano da imediaticidade, contingencial, da consciência cotidiana. Como disse limpidamente Gramsci, são aqueles movimentos que “não são

devidos a uma atividade educadora sistemática por parte de um grupo dirigente já consciente, senão formados através da experiência cotidiana iluminada pelo senso comum, ou seja, pela concepção tradicional popular do mundo, coisa que muito vulgarmente se chama ‘instinto’ e que não é senão também aquisição histórica, só que primitiva e ‘elementar’”. (ANTUNES, 1995, grifos nossos)