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A cultura política consensual: a linguagem monarquista e o medo da revolução

3. IDEIAS DE REPÚBLICA E LINGUAGENS DA MONARQUIA: A AMPLIAÇÃO DA

3.4 PROJETOS E LINGUAGENS: ANOS FINAIS DO IMPÉRIO

3.4.1 A cultura política consensual: a linguagem monarquista e o medo da revolução

290 ALONSO, Angela. Apropriação de ideias no segundo reinado. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (Org.). O Brasil Império Vol III (1870-1889). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

291 CARVALHO, José Murilo. República, democracia e federalismo Brasil, 1870-1891. Varia hist. vol. 27, n. 45, 2011.

126 O projeto político de maior consolidação na província foi, sem dúvida, aquele empreendido pela elite política que dominou o Espírito Santo desde o início do século XIX. Esses políticos alcançaram prestígio ao longo da primeira metade do século exatamente pela atuação em momentos de conflito, resguardando a província de agitações políticas ou revoltas. Certamente o líder monarquista mais atuante no cenário político foi o coronel José Francisco Monjardim, seguido, na segunda metade do século, por seu filho, Alfeu Monjardim. Junto aos Monjardim estavam outros membros do partido Liberal, como Constante Gomes Sodré, Eugênio Pires de Amorim, José Maciel, Joaquim Corrêa Lírio e José Feliciano Horta de Araújo, ligados à ala liberal. No grupo conservador, liderado então por Coronel Mascarenhas, estavam Manoel Ferreira Paiva, Eugênio Pinto Neto, Antero da Silva Coutinho, Joaquim Vicente Pereira, Leopoldo Mello e Cunha, Tito da Silva, Basílio Daemon, Aristides Freire, entre outros.

A ordem ainda era a tônica do debate do grupo, que, mesmo divergindo sobre a bandeira política, optava por um projeto comum de uma monarquia estável e pelo modelo de moderação já pactuado. Como atesta Richard Graham, a lealdade política à monarquia em troca de cargos políticos e proteção sustentava o clientelismo no Brasil do século XIX292, onde famílias importantes, como as que existiam no Espírito Santo, guiavam o jogo político local em prol de seus interesses, e, ao mesmo tempo, contribuíam para a manutenção da ordem no Império. Os últimos anos da monarquia, e, sobretudo, o surgimento de novos projetos políticos fizeram com que liberais e conservadores se acusassem pela fragilidade do Império. A década de 1880, no entanto, demonstrou que as divergências partidárias precisavam ser esquecidas em prol da manutenção do governo Imperial e a própria sobrevivência da província.

A conservação da ordem era discutida principalmente nos dois principais jornais conservadores: A Gazeta da Victória, redigido por Aristides Freire, e O Espírito-Santense, escrito por Basílio Daemon. A linguagem utilizada pelos jornais monarquistas parece se pautar em um regime de historicidade, no qual o passado, o presente e o futuro tornaram-se guias para as discussões das práticas políticas da época. Frequentemente os redatores apontavam os maus feitos do partido Liberal do presente que solapava as tradições do passado monarquistas e, impreterivelmente, levariam o Império brasileiro a se transformar no “império de ruínas”.293 Sobre a forma monárquica de governo, o redator justificava sua existência como auxiliadora da

292 GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. p. 27.

ordem e, ao mesmo tempo, indicava a necessidade de seus limites, não impondo deliberadamente suas leis, como precaução à ideia revolucionária do povo:

Assim fazem as nações civilizadas e adiantadas em regime de governo, e assim devem proceder as monarquias, que não impõe ao povo sua soberana vontade. Fora desse modo de ação, opera-se a anarquia e periga o estado pela incerteza de garantia, e o povo, para manter sua autonomia, tenta a revolução, como único meio de reaver os seus direitos usurpados.294

A preocupação dos monarquistas conservadores com a liderança liberal levou à caracterização negativa do governo, que, segundo eles, colocaria em cheque alguns pilares da nação, como a lei, o direito e a justiça. Para os conservadores, no governo liberal “a Lei é uma esfinge da morte, o direito uma utopia, e a justiça uma ficção”. Baseados, sobretudo, no princípio do equilíbrio, acentuavam o “mal corrosivo das opiniões viciosas” dos “descrentes” como o principal fator da “confusão de ideias” e dos “princípios confundidos” que se via no Império, que causariam grave desequilíbrio político.

Tema caro às discussões dos monarquistas em todo o Império e também no Espírito Santo, a Constituição e a resistência das leis também compunham a retórica conservadora. De acordo com A gazeta da Victória, por exemplo, a Constituição estava deturpada e a falta de patriotismo imperava entre os brasileiros, principalmente os que se encontram atuando no cenário político. A fim de exemplificar, o redator d’A gazeta da Victória citou o caso do Conselheiro Lafayete, adepto à crença republicana que, para os conservadores capixabas, era um político “fingido” e “sorrateiro”295 que se dizia membro da política liberal, mas nada fazia para ampliar as conquistas da monarquia; ao contrário, procurava fortalecer os “descrentes”.

Ordem, direito e justiça cimentavam os princípios da linguagem monarquista, que prenunciava a imagem de um futuro de “degradação social”. Caso estes princípios não fossem respeitados, instalar-se-ia o desequilíbrio, posto que “a boa intenção das leis precisa da garantia pública para regular a função do organismo político e social”.296 E, sem garantias públicas e entregues ao descrédito, o governo democrático tornava-se a principal ameaça contra a liberdade construída pelo Império:

294 A Folha da Victória, nº107- 20/07/1884. 295 A Folha da Victória, nº67- 23/02/1884. 296 A Folha da Victória, nº67- 23/02/1884.

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Sem a ordem, sem o direito, e sem a justiça provirão sem dúvida as calamidades públicas e a agitação das massas. Todas essas confusões de ideias, do abatimento moral, do descrédito da situação, os males provirão com força intensa, e si não houver quem se oponha à onda da revolução, passaremos por uma transição de formas governamentais, constituindo-se por esse modo a democracia, que já se prepara para o primeiro aceno do arbítrio.297

As conclusões conjecturadas pelos monarquistas que difundiam o projeto de manutenção da ordem imperial na província parecem ser provenientes da assimilação entre o elemento democrático e o regime republicano. O debate indicava entendimento do que vinha sendo propagado por teóricos republicanos como Assis Brasil que, em A República Federal298,

indicou a democracia como a essência da República, e, sobretudo, lançou o entendimento de que o governo republicano seria a única forma de se exercer a soberania popular.

Diante da iminente ameaça, os monarquistas da província, materializando o Império como um “grande templo” onde cresceram seus filhos e seus antepassados, invocaram novamente o passado como a justificativa de resistência às novas ideias que pairavam sobre a nação. Remontando à tradição antiga, os monarquistas acentuam que os defensores do Império deveriam ser fortes como os romanos, tornando-se invencíveis por meio do amor à pátria para driblar a audácia dos sediciosos:

A República bate-nos a porta! À postos patriotas; os covardes que fujam ou desertem para o campo do inimigo; nós preferimos morrer sob os tormentos da revolução a ceder um passo que venha dar ganho à causa dos opressores!299

O fragmento acima aponta mais uma vez o caráter de resistência do grupo monarquista, que via na divulgação do novo regime o atestado da desmoralização.300 A caracterização da ausência de ordem e da agitação das massas culminando em uma “revolução”, que significava a mudança do regime, fortalecia a ideia negativa sobre a noção de soberania popular. A edição de número 80 do jornal A Folha da Victória, publicada em 17 de junho de 1884, novamente retira do povo o poder de requerer mudanças e de participar dos assuntos políticos. Para o redator, no momento em que o povo sofre de “abatimento sociológico”, sem prudência e deixando-se levar pelas paixões, é que a revolução poderia acontecer. Para se evitar o momento revolucionário, era

297 A Folha da Victória, nº67- 23/02/1884.

298 BRASIL, Assis. A República Federal. Rio de Janeiro: G. Leuzinger, 1881. 299 A Folha da Victória, nº67- 23/02/1884.

necessária, segundo A Folha da Victória, a manutenção da liberdade, que, por sua vez, só seria possível por meio da sustentação de leis seguras e justas.301

Para Bazilio Daemon, redator conservador, todos os aspectos da sociedade também giravam em torno da Constituição. A religião, segundo o publicista, era uma das verdadeiras formas de se sustentar a lei. Ao relatar uma série de melhorias que a província demandava, Daemon pediu a atenção dos deputados provinciais para o ensino que era desenvolvido no Atheneu Provincial, que, a seu ver, funcionava fora da Constituição. O pensamento do redator apoiava-se no fato de que, naquele período, pregava-se no Atheneu a ideia de liberdade de religião, e, sobretudo, introduziam-se discussões contra a Igreja católica, proporcionadas pela entrada do positivismo. Nas indicações de Daemon, a religião do Império era uma das principais bases da ordem:

Não é livre, não, a cada um atacar a religião do Estado, a uma religião verdadeira, como exclama Platão; o pensamento é livre, mas é o pensamento interno; pense lá para si e que quiserem, com tanto que não se façam dogmatistas do erro ou armadores de prosélitos da impiedade! Benjamim Constant, repetia do alto da tribuna francesa: “Tudo o que é belo, tudo que é nobre, prende-se à religião, tudo o que contribuir para a tornar [sic] mais poderosa e mais sagrada obterá a minha aprovação.302

As formulações da linguagem política exposta pelos monarquistas indicam em vários momentos a utilização do pensamento de Benjamim Constant como referência política. O grupo que projetava a manutenção do projeto de ordem na província mantinha fidelidade à ideia de uma monarquia constitucional e da limitação da soberania popular, perpetuando a visualização da democracia pela ótica negativa, e naquele período, atrelada ao republicanismo.

As proposições deste grupo, que, apesar das pequenas investidas feitas nos limites da imprensa, pregou uma tímida democratização pelos jornais em meados de 1870, mativeram-se até a década de 1880 sem grandes problemas. Foi somente a partir deste período que a cultura política consensual dos monarquistas chocou-se com alguns projetos e teorias políticas diferentes, obrigando-os a empreender novas alianças e diversas tentativas de neutralizar os conflitos advindos dos ideais políticos de uma nova geração. Como veremos a seguir, um destes enfrentamentos foi a limitação do ideal positivista na província, que, mesmo subsidiado pela maior circulação dos impressos e pelas práticas de leitura, foi cerceado pela elite política da capital.

301 A Folha da Victória, nº80- 17/04/1984. 302 O Espírito Santense, nº26- 02/04/1882.

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3.4.2 A linguagem positivista do Centro: o progresso por meio da ordem

A circulação de ideias positivistas no Brasil não se limitou às décadas de 1880 e à contestação imperial. Como destaca Ivan Lins303, antes da formação do Apostolado Positivista, outros nomes já haviam aderido à doutrina de Comte no Império Brasileiro. Não temos aqui a pretensão de traçar uma história do positivismo no Império, portanto, nos deteremos somente à forte atuação do Apostolado e dos divulgadores da doutrina comteana no momento em que se conjecturou o discurso de crise da monarquia. A atuação dos positivistas nos anos de crise, sem nenhuma dúvida, figurou espaço essencial de crítica à monarquia, por mais que entre seus adeptos emergissem dissidências entre o positivismo como doutrina e como ação política. Contudo, antes de discutir o positivismo como projeto político no Brasil imperial, é necessário fazer um breve esboço da filosofia de Auguste Comte, que, a partir de variantes distintas, serviu aos homens do Oitocentos como base para a contestação da monarquia. As obras produzidas por Auguste Comte no século XIX pretendiam criar uma nova filosofia, que, de acordo com Arthur de Lacerda304, libertaria o homem da vivência do sobrenatural e das abstrações propostas pela metafísica. A filosofia de Comte estava intrinsecamente ligada à constatação dos fatos, e visava, sobretudo, renovar as estruturas sociais por meio do poder voltado para o homem. Suas grandes obras, Sistema de Filosofia Positiva, que anteriormente se denominava Curso de

Filosofia Positiva, escrita entre as décadas de 1830 e 1840, e Sistema de Política Positiva,

publicado nos anos de 1850, trouxeram ao público aspectos teóricos e práticos da doutrina positivista, como, por exemplo, a lei dos três estados, a hierarquia das ciências e a separação entre o Estado e a religião. Elemento primordial da filosofia comteana, a Lei dos três estados demonstra as duas fases de uma sociedade até o desdobramento da terceira fase, o estado positivo.

A primeira fase, denominada teológica ou fictícia, caracteriza-se por um meio social que explica os fatos como consequência da intervenção do sobrenatural e de divindades, politeístas ou monoteístas. Esse tipo de sociedade respeita a origem divina da monarquia, já que esta era imposição de Deus.305Na segunda fase, chamada de metafísica ou abstrata, a sociedade passa a explicar os fatos sociais não mais como uma atividade divina, mas como abstrações

303 LINS, Ivan. História do positivismo no Brasil. São Paulo: Nacional, 1967.

304 LACERDA, Arthur Virmond de. A República Positivista. 2. Ed. Curitiba: Juruá, 2000. p. 17. 305 LACERDA, 2000.

personificadas, que direcionam o caráter dos acontecimentos. Essa fase pode ser exemplificada pela teoria do contrato social e as demais elaborações dos filósofos iluministas. Já na terceira fase, no chamado estado positivo ou científico, os fatos se explicam pela ciência, por meio da observação das leis naturais que determinam causa e efeito. Nesta última etapa, a sociedade reconhece a preeminência da espécie humana e sua prerrogativa de intervir sobre a natureza a fim de alterá-la em seu benefício.306

As proposições de Comte centralizam-se na ideia de aperfeiçoamento, que perpassava pelos dois primeiros estados, a fim de chegar ao estado positivo, instaurando a ditadura republicana. Comte, no entanto, reformulou em certa medida as características iniciais da doutrina positiva que difundia, e agregou a esta alguns princípios religiosos que, em sua maioria, não foram aceitos pelos simpatizantes de suas ideias. A discordância induziu ao rompimento de Emile Littré, que até então era importante discípulo de Auguste Comte. Os que aceitaram a religião criada por Comte foram associados à denominação de positivistas ortodoxos, enquanto os seguidores de Litrré eram chamados de heterodoxos.

Durante os últimos anos do Império, o positivismo conseguiu muitos adeptos, como demonstra, por exemplo, a formação da Igreja Positivista do Brasil, fundada por Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, que passaram a seguir Pierre Lafitte, considerado sucessor de Comte após sua morte. Tal fato nos indica a influência da doutrina positivista durante a formulação das linguagens e projetos políticos que disputavam espaço naquele período. A recepção do positivismo, contudo, apresentou diversas interpretações no Brasil oitocentista, sobretudo no grupo heterodoxo. Os adeptos resignificavam e utilizavam as formulações científicas e evolucionistas de acordo com suas necessidades. Havia diferenças até mesmo dentro da região onde a doutrina era difundida, como atestou Angela Alonso.307 Os ortodoxos também apresentaram dissidências, como, por exemplo, a ocupação de cargos políticos e aceitação do ideal democrático por Miguel Lemos, o que dificultava a adesão dos republicanos.

No entanto, a adoção do positivismo nas províncias ainda é um tema pouco estudado pela historiografia. No Espírito Santo oitocentista, a partir da década de 1880, identifica-se a produção de diversos jornais na capital que se tornaram propagadores das ideias de Comte.

306 LACERDA, 2000, p. 22. 307 ALONSO, 2002, p. 146.

132 Entre os jornais analisados destacam-se O Horizonte, O Baluarte e A Província do Espírito

Santo, que eram os principais veículos divulgadores da moral positiva e do cientificismo.