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2. A ORDEM AMEAÇADA: O PROGRESSO E AS NOVAS PRÁTICAS POLÍTICAS

2.2 O ATHENEU PROVINCIAL: “VIVA A REPÚBLICA!”

A melhoria na educação na província do Espírito Santo foi tema frequente nos relatórios governamentais e nos debates parlamentares. A chamada Reforma da Instrução Pública foi o assunto dominante na década de 1880, provocando divergências sobre a formulação dos currículos e a ausência de algumas disciplinas nas escolas provinciais.154 A instrução, contudo, só foi reformulada no fim do decênio.

Embora se deva levar em conta as poucas medidas educacionais tomadas na província, o Atheneu Provincial acabou se tornando o espaço mais aberto às novas ideias e sociabilidades políticas. O estabelecimento foi essencial na formação de alguns dos grandes nomes da política capixaba que atuaram no contexto de transição do regime monárquico para a República. O Atheneu foi instalado em 23 de maio de 1873, sob a direção do coronel Manuel Coutinho Mascarenhas, visando aos exames preparatórios e à formação de professores. Neste mesmo mês de maio, a ideia de instrução para o progresso já era também apresentada aos deputados provinciais por meio da fala do presidente de província.

João Tomé da Silva, que assumiu a presidência da província em maio de 1873, indicou, em sua fala inicial, que possuía dois objetivos principais para a educação no Espírito Santo: a reforma

154 BICHARA, Terezinha Tristão. História do Poder Legislativo do Espírito Santo 1835-1889. Vitória: Leoprint, 1985. p. 141.

da instrução do ensino primário e secundário; e a criação de uma escola normal para os candidatos ao Magistério.155 Baseando-se nas ideias de Victor Cousin,156 João Tomé da Silva via no professor primário o elemento central para a melhoria da educação provincial.157 Na visão daquele presidente “[...] É a instrução a condição de todo o verdadeiro progresso.” O relatório apresentado na abertura dos trabalhos do Legislativo contém diversos conceitos ligados à nova cultura política que enfatizamos neste estudo:

[...] Pelo adiantamento intelectual é que os povos se elevam e engrandecem. Os Estados-Unidos, que hoje serve de modelo às Velhas Nações da Europa, deve a força e vitalidade que o distinguem ao desenvolvimento de sua instrução.158

Para o chefe do executivo, a falta de instrução se igualava aos conceitos de “trevas”, “ignorância” e, sobretudo, “estagnação”. Em contrapartida, a instrução seria o “futuro”, o “progresso” e as “luzes”. Sua inspiração nessas avaliações era o modelo americano de ensino. Após ser criado, o Atheneu Provincial passou a abrigar certo grupo de alunos que, mais tarde, por meio de alguns professores influenciados pelas novas ideias e pela crescente produção intelectual da época, iniciaram a crítica à monarquia. O envolvimento político dos alunos e professores se deu de forma tão intensa que decidiram então criar o Clube Literário Saldanha Marinho. A homenagem ao maçom pode indicar a influência da instituição entre os professores e alunos, mas certamente mostra o impulso em discutir temas relativos à liberdade e à república, tal como na maçonaria. O debate, no entanto, avançava na crítica e apontava a República como alternativa à monarquia.

Eleva-te, Brasil, os ferros quebra Dos vis que te prendem escravizar. Encara o teu passado glorioso, Repele quem pensou te avassalar [...]

Salve!... República esperada! Tu é o horror do verdugo, Vem vingar o Tiradentes,

155 Relatório do Presidente de província Manoel Coutinho Mascarenhas em 1873. p. 4. Disponível em: http://www.ape.es.gov.br/. Acesso em: 12/11/2012.

156 O filósofo francês Victor Cousin liderou a chamada “Escola Eclética” ou “Espiritualismo”, que se baseava na razão e na liberdade como manifestações ativas da alma. PAIM, Antônio. A Escola Eclética. Estudos complementares à história das ideias filosóficas no Brasil. Vol. IV. 2ª Edição Revisada. Londrina: CEFIL, 1999. 157 PAIM, 1999, p. 6.

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Ouvindo os versos de Hugo!159

O clube estimulou tantas discussões políticas e estudos literários que os alunos do Atheneu decidiram expor suas ideias por meio da imprensa. O periódico do grupo foi O Sete de

Setembro, um pequeno jornal lançado exatamente em 7 de setembro de 1878. A redação do

periódico ficou a cargo de alguns de seus alunos, como Amâncio Pereira, Lydio Molulo e Pedro Lyrio160 que, incentivados pelo professor Joaquim Pessanha Póvoa, ganharam os primeiros papéis de cores verde e amarela para a confecção do jornal. Em suas edições, os alunos expunham transcrições de notícias do exterior, poemas, produções do Atheneu e até mesmo reivindicações diante das modificações que ocorriam na grade de disciplinas do colégio, como, por exemplo, a manifestação de insatisfação dos alunos diante da retirada da cadeira de Retórica.161

O fato é que as manifestações do clube literário logo se mostraram audaciosas dentro da província. Após a criação e a difusão das discussões na imprensa, surgiram denúncias de que o grupo Saldanha Marinho era, na verdade, um clube republicano. Os redatores do jornal, no entanto, preferiram negar tal acusação, afirmando que a única república da qual faziam parte era a “república das letras”. Entretanto, a necessidade de crítica ao regime era tão ascendente dentro daquele grupo de estudantes, que chegaram ao ponto de organizar uma manifestação contra o Inspetor Geral da Instrução Pública.162 Os estudantes saíram em passeata pelas ruas de Vitória, acompanhados de banda de música, com o intuito de distribuir a poesia ao povo por meio de discursos inflamados, oportunidade na qual aproveitaram para difundir a ideia de República.163 No entanto, a passeata foi interrompida pela polícia, que obrigou a os estudantes retornarem à sede do clube, cessando a manifestação.

Na leitura do jornal do clube torna-se evidente que a passeata possuía objetivo claro: “Por ocasião da aparição deste clube, havendo um ligeiro passeio dos sócios [...] dando vivas à República!!”164 Os redatores d’O Sete de Setembro colaboraram para divulgar a manifestação dos membros do Clube Literário e defenderam os estudantes da acusação de serem

159 NOVAES, 1984, p. 275. 160 PEREIRA, 1922. p. 30. 161 O Sete de Setembro, nº 10- 10/11/1878. 162 NOVAES, 1984, p. 276. 163 NOVAES, 1984, p. 276. 164 O Sete de Setembro, nº 18- 16/08/1879.

republicanos. Advogaram que se tratava de interesse público, pois os colegiais estavam assumindo posicionamento político de crítica à monarquia. Curiosamente, o grupo se esquivou da identificação com o republicanismo e o atribuiu a intrusos e oportunistas, que teriam aproveitado o movimento dos estudantes nas ruas de Vitória para apresentar adesão à República, e assim passaram a rotular o clube como um reduto republicano.165

Já o periódico conservador O Espírito-Santense minimizou a importância do “desfile” feito pelos estudantes. Daemon mencionou que os alunos do Atheneu, meninos de 12 a 17 anos, formaram uma sociedade literária sob a orientação do inspetor da Instrução Pública, José Joaquim Pessanha Póvoa. Sobre a passeata, Daemon afirmou que os estudantes percorreram as ruas com músicos e distribuíram um poema de “Viva à República”, que o noticiarista conservador pensava ter sido produzido pelo próprio Pessanha Póvoa. Segundo seu relato, os estudantes andavam pelas ruas dando “Vivas à República e a Saldanha Marinho”. De forma irônica, o escritor do jornal acrescentou que a manifestação foi recebida com bons olhos por Alpheu Monjardim, que, naquele momento, era o líder dos Liberais. Contrariando as informações sobre a repressão, Daemon fez questão de negar que os estudantes foram cercados pelo aparato policial: “Não houve nada, passaram em paz”.166

A proposição do ideário republicano veio acompanhada de mudanças na linguagem política, especialmente nas publicações do jornal do Clube Saldanha Marinho. O impresso trazia anedotas que ridicularizavam a monarquia e os reis, zombando, portanto, desta instituição por meio da linguagem. Os alunos faziam referência ao poeta de Recife, Pelino Guedes,167 que, no ano de 1879, certamente era recém-formado em Direito. Mesmo assim, o pernambucano exercia forte influência entre os jovens da capital. Os redatores do periódico não só dedicavam a ele poesias, como também publicavam seus escritos.

O noticioso também mencionava a formação de nova agremiação, denominada Sociedade

Democrata, presidida por Amâncio Pereira.168 Há poucos dados referentes a esta associação, mas o termo “democrata” parece inaugurar uma série de publicações que exibiam como bandeira a democracia na província do Espírito Santo.

165 O Sete de Setembro, nº 18- 16/08/1879. 166 O Espírito Santense, nº 51- 25/06/1879.

167 Pelino Guedes foi poeta, jornalista, advogado e também exercia o cargo de professor. É também conhecido por ter sido a inspiração de Lima Barreto ao compor o personagem Xisto por conta das desavenças que possuíam. 168 O Sete de Setembro, n° 10- 10/09/1879.

74 O jornal O Sete de Setembro não teve vida longa, mas as discussões do clube literário foram de fato importantes dentro da transição das linguagens políticas vistas na província, ultrapassando os conceitos utilizados por Liberais e Conservadores. De acordo com a análise dos periódicos, enquanto na década de 1870 várias partes do Império já aderiam à propaganda republicana, pode-se dizer que, no Espírito Santo, as únicas utilizações do termo república só foram registradas a partir de 1878 pelas discussões promovidas pelo Atheneu e por meio do jornal do clube. Ao investigar as publicações da Geração de 70, Angela Alonso propõe a divisão dessa produção intelectual em “ondas temáticas”. A primeira delas vai exatamente até o ano de 1878, momento em que se configura uma autocrítica do status quo imperial baseada em seu próprio cânon intelectual,169 o que é notório também na província do Espírito Santo com o início das discussões sobre os limites da monarquia.

O que deve ser problematizado é a forma embrionária do discurso antimonárquico e o próprio Clube Saldanha Marinho como espaço atuante na crítica ao regime. Assim como Maria Stella de Novaes afirmou, o clube se tornou a “célula mater” dos que mais tarde lutariam pela abolição e pela República.170 Mesmo que o Sete de Setembro não se intitulasse um jornal republicano, suas matérias carregavam uma nova linguagem política.

Nota-se, com efeito, que assim, como em outras províncias do Império, a transição dos anos de 1860 para 1870171, fez com que na província do Espírito Santo se configurasse uma nova estrutura de oportunidades políticas. Este novo contexto teria gerado tanto novas motivações como também novos espaços de ação política, o que pode ser ilustrado por meio dos alunos de Atheneu Provincial, as discussões da Maçonaria e os novos temas abordados na imprensa local.

2.3. A IMPRENSA CAPIXABA E AS NOVAS IDEIAS DA DÉCADA DE 1870