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POR DEUS E PELA MONARQUIA: A LINGUAGEM ANTIRREPUBLICANA NA

2. A ORDEM AMEAÇADA: O PROGRESSO E AS NOVAS PRÁTICAS POLÍTICAS

2.4 POR DEUS E PELA MONARQUIA: A LINGUAGEM ANTIRREPUBLICANA NA

ANTIRREPUBLICANANAPROVÍNCIA

O jornal manifestamente monarquista e conservador na província foi O Espírito Santense, redigido pelo jornalista Bazílio Daemon. Os jornais liberais em Vitória pareciam simpatizar com as “novas ideias”, mas não explicitavam a posição política de combate à monarquia. Somente no sul da Província encontramos um jornal, O Cachoeirano, que publicava livremente os artigos de A República. Na capital, portanto, o máximo de divergência com o regime era expresso pelo ideal “democrático” que flutuava sem ação política coordenada.

Por meio da imprensa conservadora, nota-se que em nenhum momento é mencionada a existência de um partido Republicano na Província no fim da década de 1870. Entretanto, os conservadores acusavam os liberais capixabas de adeptos da nova crença republicana, e chegaram até mesmo a nomear Alpheu Monjardim como o chefe do liberal-republicanismo.219 O Espírito-Santense denunciava que “o pseudo partido liberal está morto na província do Espírito Santo; matou-o senhor Alpheu Monjardim e o atual presidente de província”.220

218 O Cachoeirano, n° 20- 27/05/1877. 219 O Espírito-Santense, nº 65- 27/07/1878. 220 O Espírito-Santense, nº 52- 28/06/1979.

94 O republicanismo e, sobretudo, os republicanos, passam a ser apontados na folha conservadora como personagens “apáticos” e, ao mesmo tempo, “ambiciosos”:

República! Viva a República! Não há nada como a República - diziam os homens de um pé no inferno e outro no céu! Feliz achado para os ambiciosos! Grande barca de passagem para um outro partido. Já em terra não se encontra mais nenhum passageiro, todos vagão [sic] mar além, todos os republicanos estão em viagem.221

O republicanismo era tratado como uma barca em que entrariam apenas os aventureiros políticos, que buscavam benefícios para si próprios sem se importar com crenças políticas duradouras. Bazílio Daemon, o principal redator da folha, incriminava os adeptos das novas ideias como os “republicanos sem república”,222 pois, segundo ele, o novo regime era projeto inatingível e inconcebível no Brasil. Com o objetivo de evidenciar a ambiguidade do republicanismo professado pelos próprios republicanos, Daemon citava o exemplo de Saldanha Marinho, adepto do republicanismo que se candidatara a uma vaga na Câmara dos Deputados em 1878. A grande referência de republicanismo dos jovens da Província, no entanto, “[...] reconheceu que a República no Brasil, com republicanos brasileiros é bananeira que ainda não nasceu quanto mais dar cacho”. 223

A oposição às novas ideias fizera circular novas denominações para o partido Liberal, tais como

pseudo-liberais, liberais-republicanos, liberais exaltados ou republicanos intransigentes.224

Essas alcunhas tinham lugar na imprensa ao mesmo tempo em que os termos democrata e

democracia.

Mais interessante ainda foi a atuação do correspondente de Paris do jornal Espírito Santense. As turbulências que envolveram a instalação da Terceira República Francesa estampavam frequentemente o jornal conservador. A linguagem e a retórica presentes nas notícias de Paris possuíam alto teor pedagógico, pois visavam expor os erros e o triste desfecho de um governo que se rendeu à República. As notícias de 1870 foram publicadas em Vitória em 1878, exatamente no momento de necessidade de se justificar a inadequação da República. O correspondente quase sempre acentuava a culpa dos republicanos pelos acontecimentos. Em

221 O Espírito-Santense, nº 15- 02/02/1878. 222 O Espírito-Santense, nº 17- 09/02/1878. 223 O Espírito-Santense, nº 65- 27/07/1878. 224 O Espírito-Santense, nº 9- 18/01/1878.

um dos trechos lê-se “também pode-se dizer que é culpa dos republicanos se a camarilha do 16 de maio levanta a cabeça e procura desforrar-se da derrota que lhe infligiu o sufrágio universal”.225 O jornal noticiava quase todos os encontros dos republicanos na Corte e, em uma de suas edições, destacou o encontro com os correligionários de São Paulo, no qual foi servido um grande banquete presidido por Saldanha Marinho:

[...] houveram [sic] discursos mais exaltados do que proferiram Marat e Robespierre!... Uma banda de música acompanhava cada um brinde da Marselhesa... [...] Enquanto Bismark procura meios de dar cabo dos socialistas e petroleiros alemães, na capital do Império, nas barbas do governo e por ele talvez protegido, os nossos republicanos procuram por todos os meios minar as nossas instituições, e convulcionar [sic] o país! Isto não se comenta. [...] Não me admiro do procedimento destes espertalhões, mas sim dos imbecis que ainda acreditam nos tais republicanos de nosso país.226

Parece-nos que o correspondente já havia se desiludido até mesmo com a atuação do Imperador D. Pedro II. Para o periódico, os republicanos atuavam de forma intensa na Corte e sem nenhuma censura. Para o redator, era inaceitável que políticos sem compromisso com a ordem imperial adquirissem algum prestígio. O respeito à Constituição era ponto central na discussão antirrepublicana na província, denunciando os republicanos como indivíduos interessados em desfazer o alicerce do Império.

A renovação conceitual constatada após leitura dos periódicos conservadores entre os anos de 1878 e 1879 se concentra na utilização de alguns termos principais: anarquia, revolução,

república, republicanos, oligarquia,227 tirania e democracia – este último, na maioria das vezes, esteve acompanhado pelo termo modernidade. Tal foi o aparato conceitual divulgado na imprensa para atacar a ideia positiva de república.

A condenação da revolução, concepção já antiga na província, ganhou fôlego com o ataque ao

republicanismo. Para os conservadores, os republicanos prometiam reformas que não poderiam

cumprir e ameaçavam a nação com a ideia da revolução, traduzida em seu lema: “Reforma ou a revolução”. Bazílio Daemon, em seu periódico, considerava que a atuação dos republicanos feria intensamente o princípio constitucional da monarquia representativa.228

225 O Espírito-Santense, nº 68- 07/08/1878. 226 O Espírito-Santense, nº 68- 07/08/1878. 227 O Espírito-Santense, nº 85-22/10/1879. 228 O Espírito-Santense, nº 25- 09/03/1978.

96 As revoluções, segundo o redator, nunca foram concebidas ou apoiadas pelos conservadores. Em sua perspectiva, os que manipularam movimentos revolucionários no Brasil foram sempre os republicanos. Por meio de fatos históricos e argumentos retóricos, Bazílio Daemon modificava todo o oposicionismo que existia entre conservadores e liberais, esquecendo estes últimos e transferindo aos republicanos todas as ações e movimentos políticos ocorridos no Brasil desde o início do século XIX. E, num lance retórico, desafiou o redator do periódico liberal A Actualidade a afirmar se os conservadores algum dia tiveram conduta revolucionária: “Demonstrai agora uma única revolução interna ou externa promovida pelo partido conservador? Desafiamos-vos a que o proveis. Eles sim, os conservadores, têm subido ao poder para concluir a paz e dar anistia aos revolucionários”.229

Renovando seu compromisso com a ordem, Bazílio Daemon, por meio do Espírito-Santense, passou a associar os republicanos à anarquia e à tirania. Além disso, os acusava de impostura e deslealdade:

[...] Pois no presente - republicano - é para nós sinônimo de especulador, homem enfim que quer viver com ambos partidos militantes, o liberal e o conservador, passando-se para um ou para o outro quando se acha no poder.230

A política republicana, para os conservadores, se baseava em novas oportunidades buscadas por homens que não respeitavam o Império e suas instituições. Esses indivíduos, segundo o periódico, eram parte de uma geração que não lutou pelo Império e que não compreendia o valor do patriotismo e, por isso, sacrificavam as bases do Estado em prol de seus interesses. Contra todas essas críticas aos republicanos surgiu no jornal A Actualidade, redigido pelo bacharel Corrêa de Jesus, a defesa do republicanismo. A folha se intitulava liberal, mas sua leitura não deixa dúvida de que o redator simpatizava e apoiava as novas ideias trazidas pelos republicanos. Sem o abrigo de um partido, Corrêa de Jesus discutia o republicanismo em seu jornal. Em uma de suas edições, por exemplo, o bacharel tentou buscar a origem dos republicanos no Brasil, escrevendo o artigo “Como nascera o partido republicano?”. Para Correia de Jesus, o novo partido era uma inovação política que surgiu do descontentamento entre os liberais com a queda de Zacarias de Góes, em 1868. Insatisfeitos com o partido, os dissidentes instauraram o Clube da Reforma que, posteriormente, deu origem aos Liberais

229 O Espírito-Santense, nº 58- 03/07/1878 (grifo nosso). 230 O Espírito-Santense, nº 30- 27/03/1878.

radicais. O republicanismo seria, portanto, o desdobramento das necessidades do grupo radical,

em consequência da subida dos conservadores ao poder em julho de 1868.231 No entanto, os conservadores refutaram as afirmações da Actualidade:

Disse o colega da Actualidade que a facção republicana nascera em 1868! Não concordamos com o contemporâneo; de sua parte há engano manifesto, há incoerência, visto que, esta facção há muito que existe. [...] Desculpe-nos colega, parece desconhecer a nossa história pátria ao avançar essas duas proposições; ou então não encara como existindo em tempo algum a facção republicana. [...] o que ainda é engano manifesto, à vista de 1789 que confirma a sua existência na conjuração mineira, e tanto assim é que foi um conjurado estrangulado e outros deportados; a proclamação da república em Pernambuco em 1817 [...] a Confederação do Equador, proclamada a 2 de julho de 1824, tendo a frente Manoel de Carvalho é outra prova; as revoluções de 1842 e 1848 ainda demonstram que essa facção não apareceu em 1868, como diz meu colega, mas que de há muito existe e mina os alicerces em que sustenta a monarquia.232

Em todos os episódios da citação que se destaca a presença de republicanos, percebe-se ali que os conservadores os ligam aos momentos de agitação política e instabilidade do Império. Além disso, curiosamente, o jornal enfatizava que o grupo não podia ser considerado “partido”, pois, de acordo com a Constituição233, somente dois partidos existiriam no Brasil: o Liberal e o Conservador. Os republicanos, para Daemon, não eram nada mais do que uma facção política. A ideia de Daemon sobre a impossibilidade da criação de um partido republicano possivelmente apoiava-se em sua visão sobre a Constituição do Império, a qual instituía a monarquia constitucional e representativa como única forma de governo, o que, na perspectiva do redator, anulava a prerrogativa de um partido fora do sistema monárquico. Além disso, o Código Criminal de 1830234, por meio do artigo 85, considerava crime qualquer tentativa de se destruir a forma de governo estabelecida.

Na nova linguagem da imprensa, além dos argumentos retóricos e dos exemplos históricos contra o republicanismo, tentou-se ainda convencer não somente o povo sobre as ideias “inconcebíveis”, mas também aos próprios republicanos. Nas afirmações do periódico, as novas ideias eram a mais concreta ameaça às instituições do Império e, principalmente, à Constituição.

231 A Actualidade, nº 14 -21/03/1878.

232 O Espírito-Santense, nº 30- 23/03/1878 (grifos nossos). 233 O Espírito-Santense, nº 30- 23/03/1878.

234 TINOCO, Antonio Luiz Ferreira. Codigo criminal do Imperio do Brazil annotado. Ed. fac-similar da original de 1886. Brasília: Senado Federal, 2003.

98 Percebe-se, pelas exposições do redator, o medo do desdobramento político que levaria à República e a fins considerados ainda piores: “Esta (a constituinte) pode tornar-se Assembléia Nacional e trazer a república, ou então, por evoluções que se deem na ocasião e que abstém pela maioria aquela conflagração, trazer-nos outro mal e esse será sem dúvida o absolutismo”. 235

Assim, a linguagem antirrepublicana passou a pontuar, por meio de conceitos e teóricos, que a república poderia evoluir à forma absoluta de governo. Mas o que o redator conservador acreditava ser a forma de governo absoluta? Citando os erros da facção republicana, Bazílio Daemon se manifestava: “[...] Reconhecendo que o poder popular, propriamente a democracia

pura, é o poder absoluto, cujos resultados dão à tirania”. 236 Era, portanto, o governo do povo o medo dos monarquistas.

Para dar fundamento a suas constatações, a linguagem política do jornal se mostra repleta de citações aristotélicas sobre o conceito de república,237 a partir da visão negativa desse tipo de

governo. De acordo com Aristóteles, a república seria a depravação da aristocracia, governo formado por mais de um indivíduo, trazendo em si aspectos de outros dois regimes degenerados: a oligarquia e a democracia. O despotismo e a arbitrariedade são características centrais da tirania, que é forma impura da monarquia.238

O conceito de democracia, considerada a maior ameaça pelos monarquistas, se baseou nas teorias clássicas e na própria concepção política e pessoal do redator conservador, que não via com bons olhos um governo da maioria. Apoiado em Aristóteles que entendia a democracia como a depravação da República, Bazílio Daemon concebia na democracia pura e no governo

popular sério risco para a nação. Desse modo, o governo de muitos não significava o melhor

governo, para Bazílio Daemon, pois o mal consistia no fato de que estes “muitos” poderiam não ser aptos à política:

235 O Espírito-Santense, nº 67- 20/08/1879.

236 O Espírito-Santense, nº 30- 23/03/1878 (grifos nossos).

237 O conceito de república adquiriu diversas conotações ao longo do século XIX. O uso do termo e sua aplicação nos jornais políticos da Regência são estudados por Silvia Carla Brito. FONSECA, Silvia C. P. Brito. Federação e república na imprensa baiana (1831-1836). In: FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito; LESSA, Mônica Leite. (Org.). Entre a monarquia e a república: imprensa, pensamento político e historiografia (1822-1889). 1. ed. Rio de Janeiro: Eduerj, 2008, p. 61-81.

[...] na Inglaterra, no século XVII, com o protectorado de Cromwel; na revolução de 1789 a 1793 em França, em que a tirania foi resultado da aceitação do poder popular, nessa democracia pura, já reconhecida pelo mesmo Aristóteles, quando disse: “O caráter ético desta forma de governo exerce o despotismo sobre a melhor classe dos cidadãos”.239

Desse modo, a república e seu pior fruto, a democracia, eram vistos como formas degradadas de governo. Para consolidar sua argumentação, o conservador lançava mão de mais alguns nomes que pensaram a democracia de forma pejorativa, como, por exemplo, François Guizot e Jeremy Bentham. Dessa forma, a lógica do pensamento de Daemon perfaz uma junção entre os conceitos de liberdade e democracia discutidas pelos antigos e por pensadores modernos.240

2.5 CONCLUSÃO

Por volta de 1870, ocorreu, portanto, a transição de linguagens, fazendo com que a dinâmica política entre liberais e conservadores fosse invadida por novas práticas políticas e novo vocabulário. Foi exatamente a imprensa dita “democrática” a tônica da segunda parte do estudo, onde se comprova uma grande produção de jornais que não se intitulam liberais e nem conservadores, o que abriu espaço para o início de críticas ao Império e para a entrada de ideias novas, vindas por meio da literatura, da ciência e de um novo grupo de redatores, que se distinguiam da elite política e intelectual atuante em 1860. Mesmo dispondo de aparato tipográfico e meios para divulgação, a cultura política vigente nos anos de 1870 na província do Espírito Santo ainda não abrigava a propaganda republicana, mas já demonstrava o pavor dos monarquistas em relação ao republicanismo divulgado em outros pontos do Império. Percebeu-se, ainda, certa diferença deste período vivido pela imprensa na região sul da província, onde a linguagem política parece ter sido mais incisiva em prol das críticas e do apoio ao partido Republicano. O jornal do sul parecia proclamar sem medo a necessidade do progresso, da descentralização e da liberdade, enquanto a capital permaneceu no debate sobre a ciência e a razão.

Assim, a província do Espírito Santo terminou a década de 1870 já com as bases do Império estremecidas. O silêncio já havia se rompido, os partidos que há pouco haviam sido definidos,

239 O Espírito-Santense, nº 30- 23/03/1878.

240 BOBBIO, Norberto. Liberais e Democratas no século XIX. In: BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Brasiliense, 2000. p.49.

100 já sofriam com as dissidências. Entretanto, a província tentou suportar a todo custo a política baseada em dois partidos, fazendo com que a ideia de república ainda não fosse uma bandeira defendida por um grupo organizado. A existência de um terceiro partido colocaria em risco a elite política local? Como teria sido a recepção das ideias republicanas pela elite política da província do Espírito Santo e a nova elite intelectual? Durante a década de 1880, a partir da maior circulação de ideias, impressos, e a configuração de um espaço político de opinião, as correntes européias como o positivismo e o evolucionismo ganharão espaço e auxiliarão na composição da linguagem política republicana. Somente a partir de então o Espírito Santo irá vivenciar as “experiências de república” e o auge da “crise” do Império.

3. IDEIAS DE REPÚBLICA E LINGUAGENS DA MONARQUIA: A