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Conceitos e ideias: o vocabulário republicano durante a propaganda

3. IDEIAS DE REPÚBLICA E LINGUAGENS DA MONARQUIA: A AMPLIAÇÃO DA

4.2 LINGUAGENS E PRÁTICAS DO REPUBLICANISMO

4.2.2 Conceitos e ideias: o vocabulário republicano durante a propaganda

Durante a propaganda republicana, é possível afirmar que algumas ideias em comum deram a tônica do debate que criticou os malefícios da monarquia nos últimos anos do Império. Concordamos aqui com as premissas dadas por José Murilo de Carvalho ao enunciar a variação de linguagens políticas entre os propagandistas republicanos – liberal americana, positivistas e jabobinista –, pois nos permite evidenciar projetos políticos diferenciados. Cada grupo formulou um modelo de República distinto cabível em suas demandas próprias. Dentre os termos mais abordados pelos republicanos das diferentes vertentes, serão discutidos brevemente os de maior peso nos debates políticos a fim de apresentar as características básicas da linguagem republicana.

4.2.2.1 Democracia e representatividade

Como assinala Carvalho, os conceitos de república e democracia estavam amplamente relacionados no Manifesto de 1870. Para os republicanos, a democracia significava o “governo do país por si mesmo” e a soberania popular alcançada pela representação.416 Assim, era inconcebível acreditar no sistema misto de governo que agregava representação popular e hereditariedade do chefe de estado na Constituição. Dos teóricos republicanos que enfatizaram o caráter democrático da República, destaca-se o grupo dos republicanos de matriz liberal americana. Na obra de Assis Brasil, A República Federal, por exemplo, república e democracia podem ser entendidas como sinônimos. De acordo com Assis Brasil, republicano paulista, a República seria o único regime em que se encontra a democracia, em que se tem, de forma clara, o governo de “todos por todos”.

[...] por isso, só ha democracia na república; por isso deixo já de considerar a distinção, admitida por alguns, entre república democrática e aristocrática. Toda república é democrática, isto é, é o governo de todos por todos, sem distinção de classes, de fortunas ou de qualquer outro gênero.417

Para Quintino Bocaiúva, republicano da Corte, a democracia e a República também eram

416 CARVALHO, 2011, op. cit., p. 145. 417 BRASIL, 1881, op. cit.,p.3.

168 conceitos similares. Já o ideário republicano de Silva Jardim que, embasado na matriz jacobina, mesclava a filosofia histórica comteana agregada a ideias radicais, contrastava com o posicionamento conciliatório e evolucionista do presidente do partido, Quintino Bocaiúva. Em 1889, Jardim indicou a falta de legitimidade de Bocaiúva como líder do partido, acusando-o de representar ideias republicanas retrógadas, ainda atreladas às propostas do Manifesto de 1870.418 A preocupação de Jardim, segundo José Murilo de Carvalho, era denunciar a falta de clareza entre os ideais do Partido Republicano e os do Partido Liberal, pois na maioria das vezes, confundiam-se exatamente no que se relacionava ao conceito de democracia.

A representatividade era também assunto que dividiu os republicanos. Para Renato Lessa, o discurso republicano foi bastante moderado diante das propostas de redução do eleitorado e sobre a participação do povo no debate político. No modelo de república liberal americano, a participação popular não demonstrou ser a maior prerrogativa das aspirações do grupo. Nas palavras de Assis Brasil, “na democracia todos os poderes públicos são delegações do povo, que, para tal fim, elege funcionários por tempo indeterminado [...]. O povo, neste sentido, delega o poder para ser representado”. 419 A incorporação do povo na política e as atitudes mais contundentes com relação à participação popular vieram, na verdade, dos republicanos mais radicais como Silva Jardim, que defendiam a participação popular direta, embasada no conceito de liberdade dos antigos.420

4.2.2.2 A Abolição

Embora a abolição estivesse presente nas propostas dos liberais radicais desde a década de 1860, o movimento que levou os radicais ao republicanismo acabou por afastá-los da discussão. De acordo com José Murilo de Carvalho, a passagem para o republicanismo demonstrou um retrocesso com relação à profundidade das reformas antes propostas pelos radicais.421 Entre diversos temas que desapareceram da agenda republicana a partir de 1870, a escravidão figurou

418 CARVALHO, 2011, op. cit., p.148. 419 BRASIL, 1881, op. cit., p.3. 420 LESSA, 1990, op. cit., p. 37.

421 CARVALHO, José Murilo; NEVES, Lucia Maria. Radicalismo e republicanismo. In: ____ (Orgs.).

Repensando o Brasil do oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 41.

uma das principais ausências.

A preocupação dos republicanos residia na provável rejeição dos proprietários de escravos, o que levou o partido a não se posicionar claramente sobre a escravidão, a fim de garantir a participação de fazendeiros no grupo, como sustentou José Maria Santos.422 Com o crescimento do movimento abolicionista, o grupo republicano da Corte precisou se posicionar diante do debate. O pensamento evolucionista do republicano liberal Quintino Bocaiúva também se traduzia em suas falas sobre a abolição, indicando que a solução para a questão servil se daria de forma gradual, no momento oportuno. 423 Até meados de 1887, tanto republicanos da Corte, quanto os paulistas, pareciam evitar compromisso com a resolução do problema. O Partido Republicano de São Paulo chegou a assinalar o caráter social da questão, na tentativa de retirá- lo do debate partidário dos republicanos:

A questão não nos pertence exclusivamente porque é social e não política: está no domínio da opinião nacional e é de todos os partidos, e dos monarquistas mais do que nossa, porque compete aos que estão na posse do poder, ou aos que pretendem apanhá-lo amanhã, estabelecer os meios do seu desfecho prático.424

Em trechos da obra A República Federal, Assis Brasil também identifica a escravidão como assunto que demandaria análises específicas de cada província, como parte de sua autonomia e, por isso, talvez, não caberia ao partido resolver o problema. Destacava o republicano de São Paulo: “Tenho plena convicção de que a questão do elemento servil já não existiria no Brasil, si nós fossemos uma republica federal. A escravidão seria primeiramente abolida pelos estados que dela menos precisarem [...]”. 425

O grupo dos republicanos de matriz positivista parecia dar peso maior à questão abolicionista. Como argumenta Angela Alonso, a reprovação filosófica da escravidão por parte dos positivistas ortodoxos vinha da ideia dessa instituição como reminescência colonial, o que negava a cidadania plena na sociedade brasileira. A extinção da escravidão adquiria, desta forma, o sentido de retirar o elemento arcaico do meio social, em direção ao progresso. 426

422 SANTOS, José Maria dos. Os republicanos paulistas e a abolição. São Paulo, Livraria Martins, 1942. 423 BOCAIÚVA, 1986, op. cit., p. 568.

424 Manifesto do Partido Republicano Paulista de 1873. In PESSOA, R. C. A idéia republicana através dos

documentos. São Paulo: Alfa-Ômega,1973. p. 65.

425 BRASIL, 1881, op. cit., p. 229. 426 ALONSO, 2002, p. 212.

170 Foi somente durante o Congresso Republicano Federal427 que os republicanos passaram a apoiar a abolição, sem, contudo, tocar na questão da indenização dos proprietários. 428 Após o 13 de maio, assinada a Lei Áurea, os republicanos se viram preocupados com a popularidade alcançada pela princesa Isabel. Como destaca Milene Costa,429 foi o momento em que os republicanos paulistas voltaram seu foco para a descentralização como arma política contra a ordem imperial.

4.2.2.3 O Federalismo

A demanda pelo federalismo foi uma ideia unânime dentro dos republicanismos fluminense e paulista, e, foi, inclusive, anos anteriores, bandeira política do liberal Tavares Bastos ao discutir a temática da descentralização. 430 Ao comparar a atuação dos núcleos republicanos na Corte e em São Paulo, torna-se interessante ressaltar a afirmação de José Murilo de Carvalho, ao indicar o liberalismo como fio condutor do movimento republicano no Rio de Janeiro, enquanto o federalismo compôs o repertório principal do republicanismo paulista. 431 São Paulo, a província mais próspera do Império, necessitava agora de ampliação de seu poder político, requerendo autonomia política e administrativa.

O Manifesto de 1870 já mencionava a necessidade do princípio federativo. Tal prerrogativa aparecia no documento como demanda da territorialidade brasileira, acentuando que a autonomia das províncias facilitaria o crescimento da nação e resguardaria as particularidades locais. Já em São Paulo, os republicanos viam no federalismo o fim da exploração por parte do poder central. 432 Dentre as correntes republicanas que estavam disputando espaço no debate político, os republicanos liberais foram os que mais enfatizaram a necessidade do federalismo e da autonomia provincial. A ênfase a este ideal, no entanto, foi dada pelos republicanos paulistas. Alberto Sales foi um dos principais defensores do ideal federalista entre os

427 O Congresso Republicano Federal ocorreu em 1887. 428 CARVALHO, 2011, op. cit., p. 144.

429 COSTA, 2006, p.34. 430 Ibidem, p. 149. 431 CARVALHO, 1998.

432 VASCONCELOS, Rita de Cássia. O Partido Republicano do Rio de Janeiro e o Partido Republicano de São Paulo: uma análise sobre o(s) conceito(s) de república(s) 1870-1889. Cardenos de História, ano IV, n. 2, 2009, p. 26.

republicanos.

Embora o aspecto econômico seja destacado pela historiografia como fator crucial na busca pelo federalismo dos republicanos paulistas, Milene Costa destaca que sozinho esse elemento não é capaz de explicar a defesa do federalismo por parte de Sales.433Na obra Cathecismo

Republicano,434Sales evidenciou o papel das províncias e do poder central dentro da federação. O autor denominou o Estado como órgão especial do poder político, o “cérebro no indivíduo”, cuja finalidade estava na execução das relações gerais. Já as províncias e municípios estariam incumbidos da inspeção e direção de seus próprios negócios. O republicano paulista afirmava, em A Política Republicana, que a federação seria o único regime político capaz de unir a ordem e o progresso.435

É possível também encontrar referências ao federalismo nos escritos de Assis Brasil. Na obra

A República Federal, o autor destacou que a federação seria o único sistema político que

garantiria autonomia nos assuntos privativos de uma localidade. Para Assis Brasil, Estado, município e província, possuíam interesses em esferas diferenciadas. Por isso, a federação, em sua visão, seria a única forma de garantir a unidade do país:

Assim, a federação firma a união naquilo em que ela realmente existe e deve existir, e garante a autonomia naquilo em que ela é necessária para a própria existência da união. É o único modo natural, e, por isso, o único possível, de efetuar-se a verdadeira unidade. É a unidade sem prejuízo da variedade, como no seio da natureza ela existe e se manifesta em todos os seres vivos.436

A partir do empenho dos autores, é perceptível que o Partido Republicano de São Paulo tendia a valorizar a temática da descentralização. Nas proposições de José Murilo de Carvalho, a busca pelo federalismo naquela região evidenciou o real interesse dos paulistas diante do fator econômico, em detrimento da luta pela liberdade do povo.437 Para o autor, a defesa, por parte dos paulistas, do liberalismo como praticado na Inglaterra do século XVII aponta que a aspiração do grupo era um governo a serviço de seus interesses, e não a ausência de governo. Demandas como os direitos individuais e governo representativo não eram suas maiores

433 COSTA, 2006, op. cit., p. 12.

434 SALES, Alberto. Catecismo Republicano. In: VITA, Luiz Washington. Alberto Sales ideólogo da República. São Paulo: Nacional, 1885. pp. 59-60.

435 SALES, Alberto. A Política Republicana. In: CARVALHO, 2011, p.149. 436 BRASIL, 1881, op. cit., p. 201.

172 preocupações.

Como acentua Milene Costa, o grupo republicano de São Paulo era formado majoritariamente por proprietários de terra ligados à produção de café. A centralização monárquica, neste sentido, era vista como empecilho para esses homens.438 Além disso, havia um descompasso entre o poder econômico e a representação política paulista nas instituições políticas imperiais.439 Para os republicanos de São Paulo, a República representava o início de maior representatividade política e a tomada de decisões por parte do poder local, em prol de melhorias, retirando os empecilhos para sua ascensão econômica.