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OS PARTIDOS POLÍTICOS NO IMPÉRIO E A POLÍTICA PROVINCIAL

1. LINGUAGENS DA ORDEM: A FORMAÇÃO DOS GRUPOS POLÍTICOS LOCAIS

1.1 OS PARTIDOS POLÍTICOS NO IMPÉRIO E A POLÍTICA PROVINCIAL

Os estudos sobre partidos políticos no Brasil do século XIX manifestam opiniões diversas sobre o momento da formação destes grupos, como também sobre sua caracterização ideológica e composição. Alguns autores concentraram-se no perfil social dos grupos, como, por exemplo, Afonso Arinos de Melo Franco37 e Raimundo Faoro38. O primeiro identificou o grupo conservador como defensor dos interesses de um grupo ligado à economia agrária, ao passo que o partido Liberal era composto por setores urbanos como comerciantes, profissionais liberais e intelectuais. Já o segundo autor caracterizou os conservadores como representantes do estamento burocrático, enquanto os liberais representavam um campo de força contra esta burocracia do poder central, destacando os interesses agrários. Outras obras exploraram as diferenças ideológicas entre os partidários destes grupos, como, por exemplo, Oliveira Vianna. De acordo com Vianna, o “idealismo utópico” estava muito presente em alguns liberais como Tavares Bastos e Teófilo Ottoni. Alguns conservadores, no entanto, representavam o “idealismo orgânico”, como Bernardo Pereira de Vasconcellos. Estes trabalhos, todavia,

35 POCOCK, John G. A. Linguagens do Ideário Político. São Paulo: Edusp, 2003.

36 SKINNER, Quentin. As fundações do Pensamento Político Moderno. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

37 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. História e teoria do partido político do direito Constitucional Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: 1974.

38 FAORO, Raimundo. Os donos do poder. A formação do Patronato Político Brasileiro. 1. ed. Porto Alegre: Globo, 1958.

exploram a existência de diferenças presentes na origem social dos grupos, divergindo de outros autores que negam qualquer distinção entre liberais e conservadores.

Entre os trabalhos que destacam a semelhança entre os grupos políticos imperiais podem ser citadas as obras de Nestor Duarte39, Vicente Licínio Cardoso40 e Caio Prado Junior41. Na visão de Nestor Duarte havia, de fato, certas diferenças entre os dois partidos, contudo, apenas no campo ideológico. Para o autor, tanto liberais como conservadores, no domínio da política imperial, representavam os interesses de uma elite agrária. A obra de Licínio Cardoso também destaca os partidos políticos como defensores de um mesmo interesse, neste caso, a escravidão. Para este autor, visualizar a dinâmica política imperial por meio do conflito entre liberais e conservadores era uma visão errônea, apoiada em um conflito de interesses inexistente.

Por outro lado, a obra A Construção da Ordem, de José Murilo de Carvalho, aborda, com a intenção de explorar a dinâmica interna da elite, a composição dos partidos políticos imperiais para além da identificação de semelhanças e diferenças. Ao destacar os diversos grupos que formavam os partidos políticos, como magistrados, proprietários de terra, no partido Conservador, e profissionais liberais como jornalistas e advogados no partido Liberal, o autor se interessa em perceber como essas diferenças expostas no perfil sócio-econômico implicaram posições partidárias divergentes diante de temas centrais da política no Império.42 O estudo minucioso de José Murilo de Carvalho aponta também para outra temática dentro da historiografia que visa identificar o momento de criação dos partidos. De acordo com o autor, a formação dos partidos Liberal e Conservador relaciona-se diretamente à dinâmica política que movimentou o Império a partir da década de 1830.43 A descentralização promovida pelo Código de Processo Criminal em 1832, o Ato Adicional de 1834 e as revoltas regenciais deram base para a consolidação dos partidos políticos em todo Império.

De forma adversa, a cultura política da província do Espírito Santo durante este período foi marcada por práticas políticas que indicam que a formação partidária tenha ocorrido em momento posterior em relação ao Rio de Janeiro. Diferentemente da Corte, a província do

39 DUARTE, Nestor. A ordem privada e a organização Política Nacional. São Paulo: Ed. Nacional, 1939. 40 CARDOSO, Vicente Licínio. À margem da História do Brasil. São Paulo: Cia. Editora nacional, 1933. 41 PRADO JR, Caio. Evolução Política do Brasil. São Paulo, 1933. p. 82.

42 CARVALHO, José Murilo. A construção da ordem/ Teatro de Sombras. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 201

32 Espírito Santo não apresentou uma linguagem política que indicasse a existência de liberais e

conservadores logo após as agitações do período da Regência. As investigações indicam que

durante esse período não havia partidos políticos definidos na região. Curiosamente, autores como Maria Stella de Novaes44 e Joaquim Pires de Amorim45 atribuíram a criação de partidos políticos na província do Espírito Santo à animosidade existente entre duas irmandades religiosas.

A contenda surgiu durante certa procissão em homenagem a São Benedito, em 1832, quando o Frei Manoel de Santa Úrsula, zelador do Convento de São Francisco, impediu que a Irmandade do Rosário utilizasse a imagem de São Benedito, que deveria permanecer naquele monastério. Em consequência dessa interdição, a imagem teria sido roubada pelos irmãos do Rosário durante a madrugada, dando início a uma das mais rumorosas desavenças em terras capixabas. Desde então, os grupos começaram a se provocar por meio de nomes pejorativos. Como de costume no século XIX,46 as denominações de animais eram as mais usadas quando o objetivo era denegrir os inimigos. E assim escolheu-se a designação de peixes como alcunha dos

partidos rivais. Os que roubaram a imagem e criaram a confusão passaram a chamar os

adversários de caramurus e, em contrapartida, os irmãos do Convento de São Francisco escolheram o peroá – naquela época, o peixe mais barato – para denominar seus oponentes. Deste modo, na visão dos memorialistas, formaram-se assim dois grupos, caramurus e peroás, que passaram a digladiar no espaço político, dando origem, posteriormente, aos partidos. Não há sólidas evidências, porém, que estes grupos, caramurus e peroás, tenham galvanizado o debate político nas primeiras décadas do Oitocentos. A proposta colocada pela historiografia tradicional47 parece basear-se nas divisões políticas do Rio de Janeiro no período da Regência, que envolveram, em especial, três grupos: caramurus, exaltados e moderados. A província, entretanto, não demonstrou completa adesão às facções da Corte e seus projetos políticos.

44 NOVAES, Maria Stella. História do Espírito Santo. Vitoria: FEES, 1984; OLIVEIRA, José Teixeira de.

História, descoberta e estatística da Província do Espírito Santo. Vitória: Typ. do Espírito Santense, 1875.

45 AMORIM, Joaquim Pires de. A Trajetória dos Partidos Políticos capixabas até 1930. Revista do Instituto Jones dos Santos Neves, nº 1,1985.

46 MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos sociabilidades na Cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: HUCITEC, 2005.

47 NOVAES, op. cit.; OLIVEIRA, José Teixeira de. História, descoberta e estatística da Província do Espírito

Nos principais dicionários que circularam durante a primeira metade do século XIX, o vocábulo

partido parece não agregar em si o aspecto formal de um partido político na forma que hoje

conhecemos. O Diccionario da Lingua Portugueza de António de Morais Silva, publicado em 1789, muito em voga ao longo da primeira metade do Oitocentos, expõe um significado bastante genérico para o termo. Nesta obra, partido possuía sentido de parcialidade, de tomar parte, um bando ou uma facção, sem, contudo, indicar exclusivamente posicionamento político.48 O Dicionário da Língua Brazileira publicado em 1832 por Luiz Maria da Silva Pinto também indica as mesmas proposições, exibindo o vocábulo partido como uma facção ou bando ligado ao interesse ou vantagem, mas não exclusivamente política. Seguindo o mesmo contexto linguístico, o vocábulo partido assumiu a mesma semântica no início do século XIX no Espírito Santo. Observa-se que em passagens da obra de Bazílio Daemon49 e do Padre Antunes de Siqueira50, o termo foi empregado para demonstrar a existência de grupos opostos. Daemon utilizou o vocábulo “partidos” para designar membros da Irmandade da Boa Morte. 51 Naquela ocasião, formaram-se dois “partidos”, segundo o relato do memorialista, para debaterem onde seria levantado o mastro da irmandade. Já nos escritos de padre Antunes de Siqueira, o conceito “partidos” foi utilizado para descrever a distinção entre dois grupos,

praieiro e latino, que disputavam a melhor encenação teatral das festividades de São Miguel.

O conceito de “partido” talvez tenha sido objeto de variadas interpretações pela historiografia, o que levou a considerar as irmandades e seus “partidos”, caramurus e peroás, como núcleos políticos. Não é possível, contudo, atribuir qualquer caráter político partidário a esses grupos, apesar da denominação.52 Não se nega, entretanto, que havia discussão política dentro dessas irmandades ou agremiações culturais, já que representavam espaço de sociabilidade na província.

Trata-se, neste sentido, de certo anacronismo por parte dos memorialistas que associaram

caramurus e peroás aos partidos Liberal e Conservador. A relação entre os grupos pode ter

48 Silva, Antônio de Morais. Diccionario da língua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro (Volume 2: L - Z), 1755-1824. p. 163.

49DAEMON, Basílio Carvalho. Província do Espírito Santo: sua descoberta, história cronológica, sinopse e estatística. Vitória: Tipografia Espírito-santense, 1879. p. 176.

50 SIQUEIRA, Francisco Antunes de. Memórias do passado: a Vitória através de meio século. Edição de texto, estudos e notas de Fernando Achiamé. Vitória: Floricultura, 1999.

51 DAEMON, 1879, p.176.

52 SIQUEIRA, Francisco Antunes de; ACHIAMÉ, Fernando A. M. Memórias do passado: a Vitória através de meio século. Vitória: Flor&cultura/Cultural-ES, 1999. p. 61.

34 ocorrido a partir da constatação de que o partido Conservador da Corte abrigou diversos indivíduos da facção caramuru da Regência. Consequentemente, outro anacronismo foi cometido pelos mesmos autores quando atribuíram a liderança dos liberais e conservadores no Espírito Santo ao padre Antônio Inácio Bermudes e ao coronel Dionísio Álvaro Rosendo desde a década de 1830.53 Naquela época, Dionísio Álvaro Rosendo ainda não era o líder do partido conservador. Já o padre Inácio Bermudes faleceu antes mesmo da formação dos partidos políticos da província.

Durante as décadas de 1840 e 1850, a linguagem política que circulava pelo Império já exibia os vocábulos liberal e conservador, abandonando as denominações atribuídas às facções regenciais. Enquanto na Corte os partidos imperiais se consolidavam, na província do Espírito Santo, contudo, criavam-se as primeiras denominações políticas: os Bermudistas, chefiados por padre Inácio Bermudes, e os Dionisianos, grupo comandado por coronel Dionísio Rosendo. As facções locais, entretanto, iniciaram uma disputa política marcada por interesses pessoais, pois não formularam projetos políticos distintos tampouco reivindicaram adesão aos projetos Liberal e Conservador divulgados no Rio de Janeiro.

Por conflitos de ordem eleitoral, ocorreu posteriormente uma cisão no grupo chefiado por Dionísio Rosendo. O conflito se deu pela querela entre coronel Francisco Monjardim, um

dionisiano, e os demais membros do grupo em 1856, época de eleições para deputado Geral.54

O coronel Monjardim acreditava que ele seria o nome escolhido para a representação da facção

Dionisiana naquelas eleições, e, no entanto, não o foi. Após o ocorrido, Monjardim acusou seus

correligionários de o terem traído escolhendo outro candidato para a disputa. Ao mesmo tempo, há indícios de que Padre Bermudes veio a falecer logo depois, fazendo com que os simpatizantes de seu grupo político fossem então liderados por Francisco Monjardim, que a partir de então compôs junto aos ex-bermudistas o novo grupo denominado Capichaba, em 1857.55A partir desta época, a política na província passou a se pautar nas disputas entre os grupos Capixaba e Dionisiano, que semelhantemente à contenda entre Dionisianos e

Bermudistas, não forjou um vocabulário político que permitisse diferenciar as propostas

53 Além das incoerências encontradas em documentações, como também nos jornais, outro equívoco cometido pelas leituras anteriores foi o de relatar o possível surgimento dos partidos em Vitória, transmitindo-o para toda a província, sem atentar para a distinção entre as regiões da província. Assim, torna-se evidente que a política provincial se canalizou em dois pólos políticos: o sul e o centro.

54 Jornal da Victória, nº7- 23/04/1864. 55 Jornal da Victória, nº7- 23/04/1864.

políticas dos dois grupos, nem indentificar qualquer posicionamento a favor do grupo liberal ou conservador.

O contexto político desta quadra foi marcado pelas inúmeras revoltas liberais que ocorreram após as medidas centralizadoras do regresso. As “revoluções” de Minas Gerais e São Paulo e, sobretudo, a desconfiança sobre a manutenção das instituições liberais, parecem não ter surtido efeito na linguagem política veiculada pelos grupos no Espírito Santo. Do mesmo modo como ocorreu na Regência, as discussões políticas entre a elite local travaram-se quase sempre por interesses pessoais, com a preocupação voltada para as eleições da Assembleia provincial ou pela vaga na Câmara dos Deputados.

A dinâmica partidária da província até meados de 1840 assemelha-se em muitos aspectos a outras regiões do Império. Em estudo sobre a formação dos partidos monárquicos, Jefrey Needell56 aponta três modelos fundamentais de ação política entre 1830 e 1857. O primeiro está relacionado à atuação política na Maçonaria; o segundo se dava por meio dos clubes e jornais a eles ligados; e o terceiro, considerado pelo autor como mais importante no processo de formação partidária, seria a atuação de oradores que falavam para oligarquias locais estabelecidas. Esses oradores guiavam a política local e eram vinculados a essas oligarquias pelo sangue ou casamento. Outro destaque importante no trabalho de Needell é a caracterização dos partidos nesta época. Para o autor, até 1840 a organização desses grupos políticos foi marcada por um senso de liderança altamente pessoal, na qual prevaleciam as relações de parentesco, os interesses específicos e a ausência de uma agenda ideológica.

A inexistência de posicionamento entre liberais e conservadores nesse período, para Jefey Nedeel, foi recorrente em várias regiões do Império. Wanderley Pinho57, por exemplo, sugere que também na Bahia se percebia a indistinção entre liberais e conservadores até essa quadra. Em sua análise, a maior intervenção do governo central durante o quinquênio liberal forçou a adesão partidária nas províncias. As investigações de Judy Bieber 58 comprovam estas afirmações para a província de Minas Gerais. Seus estudos demonstram que até meados da

56 NEEDEL, Jeffrey D. Brazilian party formation from the Regency to the Conciliation, 1831-1857. Almanack

Braziliense. n.10, p. 5-22, 2009.

57 PINHO, Wanderley. Cotegipe e seu tempo: primeira phase, 1815-1867. São Paulo: Typ. Nacional, 1937. 58 BIEBER, Judy. Power, Patronage, and Political Violence: State Building on a Brazilian Frontier, 1822-1889. Lincoln: Univ. of Nebraska, 1999.

36 década de 1840 não havia mobilização partidária na região, o que se modificou com a maior influência do gabinete Liberal em nível local a partir desse período. Desde então, os grupos personalistas passaram a se identificar com a ideologia proposta por Liberais e Conservadores. Também em Pernambuco 59 é possível reconhecer as disputas políticas locais desta quadra, marcadas por conflitos de interesses pessoais e configuradas a partir de oligarquias que demonstravam rivalidades estritamente pessoais. A investigação sobre o Piauí60 também destaca o aspecto personalista dos partidos durante este período e sinaliza o caráter instável dos partidos naquela região, o que se modifica também com maior intervenção do gabinete liberal. A província do Espírito Santo, no entanto, mesmo equiparando-se as práticas políticas das demais regiões citadas neste período em relação à prevalência de grupos personalistas até o período do quinquênio liberal, apresenta ainda outras características que podem ser destacadas. A primeira delas seria o prolongamento de uma cultura política marcada pela ausência de mobilização entre liberais e conservadores até a década de 1860.

A ausência de posicionamento político na região foi destaque nos relatórios governamentais, que atestaram frequentemente o caráter ordeiro da província. Tais relatórios eram muito utilizados pelos presidentes de província para assinalar o clima de tranquilidade pública, fazendo com que o item segurança pública ganhasse destaque. Até mesmo em regiões onde havia agitações políticas, a tranqüilidade geral foi ponto de discussão frequente. Nestes locais, como indicou Dimas Batista em estudo sobre relatórios governamentais de Minas Gerais, diferentemente do caso do Espírito Santo, a segurança pública era a preocupação dos governantes, fazendo com que tais documentos fossem marcados pela linguagem da desordem e pelas demandas que poderiam refazer a ordem provincial.61 Na província do Espírito Santo, porém, a linguagem da ordem, para os presidentes de província, estava atrelada à inexistência de partidos e de disputas políticas.

Em 1848, enquanto os construtores da ordem no Império enfrentavam em Pernambuco uma das maiores revoltas liberais, a Praieira, o presidente de província, Antônio Pereira Pinto, escrevia

59 Correspondência de H.H. Carneiro Leão ao Exmo. Amo. e Snr. Queiroz, Recife, 30 de julho de 1849. IHGB, Coleção Leão Teixeira, lata 748, pasta 28. Apud NEEDEL, op. cit. p.18.

60 Correspondência de Ignacio Francisco Silveira da Mota ao Illmo. Exmo. Senr., Oeiras, 29 de janeiro 1850, marcado “particular”. AN, AP07, caixa 4, pacote único. Apud NEEDEL, op. cit. p.18.

61 BATISTA, Dimas J. O discurso oficial: a tranquilidade pública, princípio de governabilidade. In: XXIII Simpósio Nacional de História - História: guerra e paz, 2005, Londrina. XXIII Simpósio Nacional de História - História: Guerra e Paz, 2005.

à Corte sobre a calmaria que pairava sobre o Espírito Santo. O governante denominou a província a “atalaia da tranquilidade” e ainda indicou uma das causas do louvável sossego: “[...] Uma grande causa parece que concorre para a realização deste fato é a não existência de partidos políticos na província [...]”62 Por volta de 1859 outro presidente, Pedro Leão Veloso, reiterou a inexistência de discussões políticas acirradas na localidade: “[...] Não temos que lastimar nesta província a existência de facções violentas, que noutras, tem sulcado profundas cisões [...] Podemos ainda asseverar, sem medo de errar, que não há aqui partidos políticos.”63

Alguns pontos devem ser discutidos para a compreensão destas práticas políticas distintas. É necessário, sobretudo, relativizar a prerrogativa dos partidos políticos como condição para debate no período. Assim como em outras províncias, os conflitos políticos existiam, embora não houvesse posicionamento entre os partidos da Corte, que, nesse momento, já haviam se consolidado. Como alertou Julio Bentivoglio64 em investigação sobre as agremiações políticas e a formação do Estado Imperial na primeira metade do XIX, a historiografia tende a avaliar a política do Império pautando- se somente nos partidos em detrimento de outras forças políticas, dando pouca atenção, por exemplo, à atuação do grupo áulico. Segundo as indicações do autor, é necessário que, buscando compreender melhor o jogo político do Império brasileiro, também se coloque em análise os não-partidos. Desta forma, a não adesão dos grupos personalistas locais às bandeiras liberal e conservadora da Corte na década de 1840, o que divergia do ocorrido em outras províncias do Império, merece destaque na composição das diversas forças políticas que entraram em conflito na segunda metade do século, elemento ainda pouco discutido pela historiografia. É imprescindível, neste sentido, investigar o momento de adesão partidária dos grupos locais e a forma pela qual ocorre a definição de posicionamento político.

Os estudos de Marco Morel65 sobre as sociabilidades políticas na primeira metade do século fornecem informações importantes sobre o processo de construção de identidades políticas. Segundo o autor, algumas práticas políticas foram indispensáveis para a definição dos partidos naquele período, como, por exemplo, a utilização dos espaços associativos e de sociabilidade para discussão política; o agrupamento em torno de um líder devido aos interesses pessoais; afinidades intelectuais,

62 APEES. Relatório do Presidente da Província do Espírito Santo, Presidência de Antônio Pereira Pinto em 1848. p. 8.

63 APEES. Relatório do Presidente da Província do Espírito Santo Pedro leão Veloso em 1859. p. 5 (grifos

nossos).

64 BENTIVOGLIO, J. C. Cultura política e consciência histórica no Brasil: uma contribuição ao debate