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CAPÍTULO 2 O MUNICÍPIO PAULISTA DE IPEÚNA E A ADOÇÃO DO ‘SISTEMA

2.10 A decisão de adotar o ‘sistema de ensino’ apostilado 110 

Retomamos que, para entender a relação entre a administração pública e o setor privado nos apoiamos na clássica definição em que público é tratado como sinônimo de estatal (DOURADO; BUENO, 2001).

Relembramos Adrião (2007), a qual relata que as mudanças no papel do Estado, a partir da década de 1990, propuseram reformas no padrão de organização e gestão do Estado, transferindo responsabilidades sobre a oferta de políticas sociais e de recursos da esfera pública para o setor privado, por meio de “parcerias” entre Estado e sociedade civil. Na área da educação, as parcerias público-privadas contemplaram, sobretudo, a escolarização básica, com o objetivo de minimizar a precariedade da oferta educativa prevalente nos municípios.

Apontamos para a presença de mecanismos legais que contribuíram na articulação de parcerias entre a administração pública e a iniciativa privada: o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, a Emenda Constitucional n.º 19/1998 e a Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei Complementar n.º 101/2000, que definiram um novo entendimento do verbete ‘público’,

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A coordenadora pedagógica possui formação em Magistério de 2º Grau, Curso Normal Superior e Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão Educacional, com tempo de experiência de dezoito anos no ensino privado, sendo os últimos cinco anos na coordenação pedagógica, está há seis meses atuando como coordenadora pedagógica no ensino público no município de Ipeúna, em cargo de confiança. Informações obtidas em entrevista à coordenadora pedagógica da escola municipal de ensino fundamental de Ipeúna, em setembro de 2008.

27A representante da instituição privada possui licenciatura plena em Ciências Biológicas e complementação em

Pedagogia, atua há vinte e três anos na área de educação e há três na função de assessora pedagógica do Sistema Objetivo Municipal de Ensino (Some). Informações obtidas em entrevista com a representante do Sistema Objetivo de Ensino, em outubro de 2008.

desvinculando-o do conceito de ‘estatal’ e procurando fazê-lo ser assimilado como de “interesse de todos”.

Ressaltamos que a tendência, cada vez maior, de municípios paulistas estabelecerem parcerias com o setor privado, em específico, na compra de ‘sistema de ensino’ apostilado, parece-nos decorrer da indução do processo de municipalização do ensino fundamental a partir da política educacional instada no governo Covas e da instalação do Fundef.

Trazemos os depoimentos dos diferentes entrevistados quanto à decisão da adoção do ‘sistema de ensino’ apostilado para o ensino fundamental no município de Ipeúna.

De acordo com o prefeito municipal, seu interesse pela educação no município de Ipeúna veio desde a época em que seu filho adentrou a antiga 1.ª série do ensino fundamental, composta por oito anos de estudos, na Escola Estadual Marcelo de Mesquita. Relatou que o filho fora alfabetizado segundo a concepção construtivista de alfabetização, e, ao término da 1.ª série, lia e escrevia em letra de forma.

Em seguida, cursou a 2.ª série na Escola Municipal de Ensino Fundamental Ulysses Guimarães, onde a professora da classe exigia que os alunos lessem e escrevessem em letra cursiva. Segundo o entrevistado, tal exigência gerou certa dificuldade de aprendizagem em seu filho, pois não houve uma transição no uso da letra de forma para a letra cursiva, “cada professor tinha uma dinâmica na prática docente em sala de aula”.

Segundo o entrevistado, em 2004, ele se candidatou à Prefeitura Municipal de Ipéuna, ao elaborar o programa de governo para a área da educação ouviu depoimentos de professores e pais de alunos, os pais diziam que seus filhos tinham dificuldade em aprender porque cada professor dava aula de um jeito; os professores justificavam que cada um se apoiava em materiais diferentes para elaborar as aulas. O prefeito ressaltou o relato de uma professora com maior experiência e tempo de atuação no ensino fundamental, a qual possuía uma pasta, com uma coletânea de textos e atividades que ela acreditava serem bons e significativos no desenvolvimento dos conhecimentos em sala de aula; entretanto, segundo ele, “as demais professoras emprestavam a pasta desta professora, copiavam os textos, as atividades e aplicavam nos alunos, sem saber o porquê era importante aquele texto ou aquela atividade, qual era o objetivo ou o que se queria alcançar”.

Tendo em vista esses apontamentos o prefeito acreditou ser necessário organizar a educação municipal, de modo que, “as professoras trabalhassem de maneira mais uniforme em

cada série”, visando diminuir as diferenças de conteúdos trabalhados em uma mesma série e tendo sequência na continuidade das demais séries. Então viu como alternativa a adoção do ‘sistema de ensino’. Segundo o prefeito municipal, nesse período de campanha eleitoral, o senhor Luiz Morato (que posteriormente veio a ser seu assessor), informou que o município de Charqueada, vizinho à Ipeúna, havia adquirido o material apostilado do Sistema Objetivo Municipal de Ensino para a sua rede de ensino e estava obtendo bons resultados. Portanto, decidiu que, integraria o seu programa de governo para a área de educação a adoção do ‘sistema de ensino’ apostilado.

Passadas as eleições, já como prefeito eleito, recebeu a visita de três instituições privadas: Sistema Objetivo de Ensino, Sistema Positivo de Ensino e Colégio Oswaldo Cruz (Coc) que apresentaram seus respectivos ‘sistemas de ensino’; os materiais apresentados foram analisados pelos professores e considerados de boa qualidade. O prefeito informou que o critério de escolha foi o menor preço por motivo do processo licitatório; o ‘sistema’ que ganhou a licitação foi o Sistema Objetivo Municipal de Ensino (Some), implantado desde o ano de 2005.

A respeito da opção pelo ‘sistema apostilado’, a secretária municipal de educação informou que a parceria entre a Prefeitura Municipal de Ipeúna e o Sistema Objetivo Municipal de Ensino (Some) existe desde fevereiro de 2005, e que a decisão partiu do prefeito municipal, pois era um desejo da atual administração. Na época, o prefeito consultou a diretora, a coordenadora pedagógica e os professores da escola de ensino fundamental I, que analisaram as apostilas de várias empresas, e ouviu pessoas envolvidas com a educação, que o auxiliaram na decisão. Ressaltou que antes da adoção do ‘sistema de ensino’ com material apostilado não existia uma diretriz pedagógica definida, cada professor decidia o que e como trabalhar; a principal motivação para que o município optasse pela parceria foi estabelecer uma diretriz pedagógica e oferecer melhor qualidade de ensino.

A diretora de escola e a coordenadora pedagógica informaram que desconheciam o processo decisório que culminou com a adoção da parceria, pois quando chegaram para trabalhar na escola o convênio já existia. Porém, pelo que sabem, segundo informações dos professores e da própria Secretaria Municipal de Educação, os motivos que levaram o município a adotar o ‘sistema de ensino’ foram: estabelecer uma diretriz pedagógica única para o ensino fundamental e melhorar a qualidade da educação ipeunense.

A representante da instituição privada relatou que, relativo às parcerias com a administração pública, o departamento de convênios é o responsável em visitar os municípios e fazer novos contatos; Também, pode ocorrer de os municípios procurarem a empresa para fazer parceria. Salientou que as dificuldades encontradas no estabelecimento das parcerias com as redes municipais surgem quando as decisões partem somente do prefeito, “decisão política apenas, sem consultar os educadores e as equipes técnicas pedagógicas, então, a resistência à implantação do ‘sistema de ensino’ é muito maior”.

De acordo com a representante da instituição privada a iniciativa da parceria com o município de Ipeúna não partiu somente da gestão pública; o processo decisório envolveu a administração local, que ouviu os professores (alguns deles, à época, trabalhavam no município de Charqueada, município conveniado ao Some, e já conheciam o material apostilado desse ‘sistema’). Houve contato da administração local com a empresa e a apresentação do material apostilado para o município de Ipeúna foi realizada por pedagogo do departamento de convênios do Sistema Objetivo de Ensino.

A representante da instituição privada informou que a intenção de realizar parceria com o município se deve ao fato de que “a empresa se consolidou em todos os segmentos da educação e seu interesse está focado principalmente na qualidade de ensino”.

Constatamos através dos depoimentos que a decisão pela parceria foi do prefeito municipal de Ipeúna; entretanto, houve consulta à equipe gestora e professores da escola de ensino fundamental, visto através da concordância nas informações tanto por parte da esfera pública quanto do setor privado; e que a argumentação de que o ‘sistema de ensino’ traz uma diretriz pedagógica, organização sequencial dos conteúdos e melhoria da aprendizagem dos alunos é muito enfatizada por parte da administração pública, enquanto a qualidade do ensino é evidenciada pela instituição privada.

A hipótese apresentada no Projeto Institucional de que a nova incumbência colocada para os municípios quanto ao atendimento do ensino fundamental, trouxe para as mãos dos gestores locais a responsabilidade pela manutenção e melhoria do ensino público nesta etapa. Foi o que pudemos ver na fala do prefeito de Ipeúna, sua busca pela iniciativa privada no atendimento do ensino fundamental, através da compra de ‘sistema de ensino’ apostilado, nos parece uma alternativa encontrada para dar conta desta nova responsabilidade assumida, que demanda conhecimentos administrativos, financeiros e pedagógicos. Percebe-se que, a ênfase neste último,

aparece constantemente em sua entrevista: “necessário organizar a educação municipal”, “diminuir as diferenças de conteúdos trabalhados em uma mesma série”, “sequência na continuidade das demais séries”. Aspecto também destacado na entrevista com a secretária municipal de educação: “estabelecer uma diretriz pedagógica e oferecer melhor qualidade de ensino”.

Concordamos com Adrião (2007) quando afirma que as dificuldades encontradas pelos municípios em manter um corpo técnico apto para gerir a educação em nível municipal têm ocasionado uma espécie de dependência político-pedagógica de sistemas mais organizados, atrelando-os ao apoio da SEE ou da iniciativa privada. É justamente o caso do município de Ipeúna que estabeleceu parceria com o Sistema Objetivo Municipal de Ensino (Some) através da adoção de ‘sistema de ensino’ apostilado para sua Rede Municipal de Ensino Fundamental.

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