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A descentralização da educação como marco da Reforma do Aparelho do Estado Brasileiro

CAPÍTULO 1 DESCENTRALIZAÇÃO E MUNICIPALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

1.2 A descentralização da educação como marco da Reforma do Aparelho do Estado Brasileiro

Na discussão sobre a Reforma de Estado, a descentralização ganhou espaço, com significados diferenciados, nas diferentes perspectivas de reforma. Dentre as reformas política, fiscal e administrativa, Luiz Carlos Bresser Pereira, idealizador da Reforma, se ateve a esta última. Para ele, a reforma administrativa refere-se à mudança de uma administração burocrática para uma administração pública gerencial, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, dentro de uma sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que por sua vez se torna cliente privilegiado dos serviços prestados pelo Estado (MARE, 1995).

Oliveira (1999) ressalta que, em 1995, foi criado o Ministério de Administração e Reforma do Estado (Mare) que elaborou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), o qual previa reformas de várias ordens e instituía o setor “público não-estatal”:

[...] Propõe-se que o papel do estado seja alterado, descentralizando para o setor público não-estatal a “execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de estado, mas devem ser subsidiados pelo estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica.” (MARE, 1995, p. 3).

A reforma do aparelho do Estado foi orientada pelos valores de eficiência e qualidade gerencial na prestação de serviços públicos e pela disseminação de uma cultura gerencial nas organizações, como modelo de uma forma moderna de gestão pública (PERONI, 2003).

Na mudança do papel do Estado para com as políticas sociais, Vera Maria Vidal Peroni (2006) evidencia duas prescrições: racionalizar recursos e esvaziar o poder das instituições, já que a reforma considerava as instituições democráticas muito permeáveis às pressões e demandas da população, além de improdutivas pela lógica do mercado. “Assim, a responsabilidade pela execução das políticas sociais deve ser repassada para a sociedade: para os neoliberais, através da privatização (mercado), e para a Terceira Via, pelo público não-estatal (sem fins lucrativos).” (PERONI, 2006, p. 14).

Nessa nova configuração do Estado, está reduzido o seu papel de executor ou prestador direto de serviços e mantém-se o papel regulador; porém, como provedor ou promotor de tais serviços, o Estado continuou a subsidiá-los, mas buscando, ao mesmo tempo, o controle social direto e a participação da sociedade (MARE, 1995).

No Plano de Reforma do Estado do Brasil (1995) são distinguidos quatro setores no aparelho do Estado:

1. Núcleo estratégico – corresponde ao governo, setor que define as leis e as políticas públicas. 2. Atividades exclusivas – setor que efetiva os serviços que só o Estado pode emanar: poder de regulamentar, fiscalizar e fomentar.

3. Serviços não exclusivos – setor onde o Estado exerce a sua atuação, conjuntamente com outras organizações públicas não-estatais e privadas, os serviços também envolvem direitos humanos fundamentais como educação e saúde.

Nos serviços não exclusivos aparece a adoção do regime público não-estatal, onde o conceito de público implica em servir ao interesse público, não visando lucro; também é não- estatal, porque não integra o aparelho do Estado. Estes serviços “podem ficar sob o controle do Estado, podem ser privatizados e podem ser financiados ou subsidiados pelo Estado, mas controlados pela sociedade, isto é, ser convertidos em organizações públicas não-estatais.” (PEREIRA, 1998, p. 35).

4. Produção de bens e serviços para o mercado – setor de atuação das empresas, no qual as atividades econômicas são voltadas para o lucro, que ainda permanece no aparelho do Estado, como o caso do setor de infra-estrutura.

Quanto às formas de propriedade, considera-se a propriedade estatal, a propriedade privada, e, intermediária às duas, a propriedade pública não estatal esta: “constituída pelas organizações sem fins lucrativos, que não são propriedade de nenhum indivíduo ou grupo e estão orientadas diretamente para o atendimento do interesse público” (MARE, 1995, p. 3). No núcleo estratégico, a propriedade tem que ser necessariamente a estatal, nas atividades exclusivas, também, mas no setor não exclusivo a propriedade considerada ideal é a pública não-estatal.

O rearranjo da oferta da educação pública, iniciado nos anos 1990, continua em curso. Para Adrião (ADRIÃO, 2006a; ADRIÃO; BORGHI, 2007), houve uma “pulverização” da educação básica, uma vez que a transferência de responsabilidade e gestão da educação para as pontas das esferas governamentais, sem que se alterassem as condições objetivas de funcionamento das esferas municipais, implicou diversos arranjos localmente criados com o objetivo de responder às demandas educacionais por acesso e qualidade. Tais arranjos locais vinculam-se ao fato de os municípios, em sua maioria, não disporem de recursos técnicos e tampouco financeiros.

Assim como em Barretto (1995), Adrião e Borghi (2007) afirmam que, a maioria dos municípios brasileiros ainda carece de condições objetivas para a sua auto-regulação; ou seja, é questionável a real capacidade de os municípios arcarem com as demandas educativas provindas da ampliação de suas responsabilidades para com parte do ensino fundamental, sem que haja apoio das outras esferas governamentais.

Vale ressaltar que, para Maria Sylvia Simões Bueno (2004), a idéia de municipalização do ensino é uma constante na história da educação brasileira e que, atualmente, assume uma dimensão de modernização gerencial na educação básica, nos seus órgãos de gestão.

A municipalização, para Bueno (2004), independente de ser vista como promotora da democratização educativa, da melhor estruturação administrativa e da redistribuição financeira, conforme reza o discurso político, é um processo que tem potencial para conduzir um ensino de melhor qualidade, em específico, no que tange ao ensino fundamental. Todavia, o desafio está em traduzir esse ideal em ação, pois, muitas vezes o obstáculo está na sobrecarga atribuída aos municípios:

[...] Traduzir esse ideal em ação parece constituir mais que um desafio: é muitas vezes sobrecarregar as municipalidades - principalmente as de menor porte - com transformações e responsabilidades que transcendem sua compreensão, sua gramática política e sua possibilidade de concretizar projetos muitas vezes delineados muito além do seu espaço decisório. (BUENO, 2004, p. 181-182).

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