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CAPÍTULO 1 DESCENTRALIZAÇÃO E MUNICIPALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

1.1 Descentralização do ensino 21 

1.1.2 Descentralização e municipalização do ensino brasileiro Debate pós 1988 31 

O processo de descentralização, desencadeado no período da transição democrática, ganhou força na Constituição Federal de 1988.

Esta, além de descentralizar recursos, beneficiando os estados, mas também, e sobretudo, os municípios, passa a atribuir a estes últimos um papel mais destacado na manutenção do ensino fundamental, embora mantenha competências concorrentes nas demais instâncias de governo. (BARRETTO, 1992a, p. 54).

Assim, como a esfera central perdera a capacidade de formular e implementar políticas de alcance nacional, estas ficaram a cargo dos Estados, aos quais subordinaram-se os sistemas de ensino. Estavam se desenhando as estratégias de descentralização (BARRETTO, 1992a).

Nesse período, Gilda Cardoso de Araujo (2005) destaca que não só o Brasil, mas, também o conjunto de países em desenvolvimento deveria redimensionar as políticas sociais para tornar o Estado mais ágil e enxuto. Nessa direção, organismos financeiros internacionais recomendaram o repasse de responsabilidades e recursos às instâncias locais, como alternativa para reduzir o

déficit público e assegurar uma gestão eficiente. “No Brasil, essa descentralização foi associada com a municipalização, não só pela tradição do debate de mais de cinqüenta anos, como também pelas condições favoráveis oferecidas pela Constituição de 1988.” (ARAUJO, 2005, p. 61).

Em relatório dos anos 1980, o Instituto de Planejamento Econômico e Social (Ipea – 1988) apontava para a inexistência de definição sobre as funções entre o governo federal, os Estados e os municípios em termos de gestão do ensino de 1.º grau (atual ensino fundamental). Ainda, destacava que o Ministério da Educação e Cultura (Mec) havia definido diretrizes e linhas de ação para o sistema como um todo; pontuava, ainda, que apesar de o Ministério ser parceiro dos Estados e municípios, assim como da iniciativa privada, na manutenção do sistema educacional, as políticas continuavam refletindo apenas a visão de uma instância pública: a federal.

Contudo, a perspectiva de descentralização, via municipalização do ensino, ganhou um aspecto inédito. Na nova Constituição Federal (CF), os municípios passaram a ser entes federativos, aos quais se confeririam recursos e autonomia em proporções maiores do que as constituições anteriores. Os municípios passaram a ter competência própria para elaborar as leis que dizem respeito aos interesses locais, e entre as competências compartilhadas com outras instâncias estava a educação.

[...] Assim, como a União e aos estados, passa igualmente a caber aos municípios a organização de seus respectivos sistemas de ensino, reforçando o princípio do federalismo cooperativo. Os Estados também se beneficiam com a descentralização, recobrando competências, fazendo jus a proporções maiores da receita tributária e adquirindo maior autonomia. (BARRETTO, 1995, p. 74).

Podemos estabelecer um paralelo entre a Constituição Federal de 1891 e a de 1988, retomando a informação anterior. Apontamos que a Constituição de 1891 já se referira à dualidade de sistemas e à tentativa de municipalização; a Constituição de 1988, por sua vez, aborda as competências dos municípios no compartilhamento da educação com outras instâncias e, consequentemente, a municipalização do ensino. A novidade da CF 1988 está no fato de o município aparecer como ente federado.

Para Araujo (2005), a Constituição de 1988 rompeu a lógica do movimento pendular entre centralização e descentralização ao formalizar “[...] uma notória especificidade em relação às demais federações do mundo: a inclusão do município como terceiro ente federativo. Assim, o Brasil é o único país com regime federativo que incluiu um terceiro ente político-territorial no seu pacto.” (ARAUJO, 2005, p. 75-76).

Raquel Fontes Borghi (2000) destaca que a Constituição de 1988, em vigência, tem uma tônica descentralizadora e promoveu uma ampla reforma tributária, na qual os maiores beneficiados foram os municípios. Essa Constituição, ao elevar os municípios à condição de unidades federadas, posição antes restrita aos Estados, aumentou a quase inexistente autonomia financeira dos municípios, estabelecendo o regime de colaboração na organização dos sistemas e dos serviços educacionais públicos e elevando os percentuais dos recursos públicos destinados ao financiamento da educação.

O texto constitucional em vigor, em seu artigo 211, estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios devem organizar em regime de colaboração seus sistemas de ensino. Nesse artigo, no parágrafo 1.º, fica definido que a União organizará o sistema federal de ensino e dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. No parágrafo 2.º fica estabelecido que os municípios devem assumir, prioritariamente, o ensino fundamental e na educação infantil.

No Brasil, pós-Constituição Federal de 1988, houve resistências à municipalização, tanto a partir dos Conselhos Estaduais de Educação, que regem os sistemas de ensino, quanto dos

governos estaduais, que não se mostraram dispostos a abrir mão das áreas de poder e influência, além dos recursos, que a administração direta das escolas lhes possibilitava manter. Outras resistências resultaram da situação de municípios mais pobres, que apresentavam menor condição para manter os padrões de oferta escolar, já obtidos por alguns Estados; também, dos professores contrários à proposta de municipalização, pois a maioria dos municípios não poderia oferecer os salários e os benefícios funcionais assegurados pelas administrações estaduais (BARRETTO, 1995).

Apesar do estímulo contido nas cartas constitucionais, a adesão à municipalização do ensino fundamental no Estado de São Paulo foi insignificante até meados da década de 1990 (BARRETTO, 1995).

Os municípios, via de regra, não se mostraram dispostos a assumir maiores encargos quanto ao primeiro grau. Então, ao se perguntar onde foram gastos os ‘novos’ recursos alocados às administrações locais, já que não houve expressivo aumento das matrículas nas redes municipais de 1.º grau, Barretto afirma que: “a hipótese mais plausível é a de que a descentralização de recursos a favor dos municípios teria possibilitado um incremento nos aparatos educacionais locais.” (BARRETTO, 1995, p. 76).

Nos dados indicados pela autora, quanto à manutenção de pré-escolas, há registro de aumento na participação dos municípios em relação aos Estados, porém pequeno; em 1989, as matrículas representavam 43,34%; em 1991, atingiram 46,61%, portanto, a queda na participação estadual foi de 3,27%. Apesar de a autora mencionar o panorama nacional, como já dito no parágrafo anterior, a não assunção de maiores encargos pelos municípios vinculava-se, em específico, ao Estado de São Paulo.

Necessitamos salientar que tal situação se apresentava num contexto pré Fundef, pois a partir de sua implantação o cenário nacional passou por significativa alteração.

Azanha (1991) propõe a reflexão sobre alguns pontos referentes à municipalização àquela época:

1. O termo municipalização vem fortemente associado aos verbetes descentralização, consenso e outros, indicando maior democratização e maior racionalização, porém, nem sempre a administração local assegura a efetiva democratização.

2. A municipalização do ensino foi instituída nas Constituições federal e estadual, as quais, de maneira genérica e dúbia, instituíram os sistemas municipais de ensino.

3. Conceituar ‘sistema de ensino’ como o conjunto de normas que disciplinam, em seus vários aspectos, o processo educativo, faz com que seja diferenciado do conceito de ‘rede de escolas’; assim, facilita-se o entendimento sobre projetos de municipalização do ensino, pois municipalizar o ensino criando um sistema próprio configurava ação bem diferente de municipalizar assumindo a administração de uma rede de escolas.

4. A idéia de municipalização do ensino não deveria ser um projeto utópico, necessitando defesa se realmente contribuísse para a melhoria do ensino. Assim, seria municipalizar o problema educacional, no qual o anseio coletivo demonstraria que era preciso melhorar o nível educativo das escolas.

5. No início da década de 1990, o panorama da escola paulista de 1.º grau revelava que as demandas da população escolarizável não contavam com pleno atendimento; mesmo aqueles que adentraram ao sistema escolar, em número significativo, acabaram excluídos pela evasão e repetência, e os que permaneceram detinham um questionável conhecimento cultural.

6. A situação precária do ensino de 1.º grau em São Paulo, nos anos 1990, pode ser aceita como consequência de erros governamentais, prevalentes durante anos; também, de interesses corporativos e de uma falta de responsabilidade cívica da sociedade para com a escola pública. Nesse sentido, a municipalização seria fundamentalmente a melhoria do ensino a fim de solucionar o problema educacional de responsabilidade da sociedade como um todo.

7. A municipalização do ensino não poderia ser uma ação exterior à escola, em seu interior ela caberia aos educadores. No entanto, seria necessário garantir às escolas apoio técnico, financeiro e social, a fim de avaliar deficiências e reorganizar ações a fim de superá-las, a municipalização teria dois propósitos: 1) mobilizar a sociedade local, conscientizando-a sobre sua responsabilidade para com a escola pública; 2) cooptar apoio de políticos e governos para que a escola tivesse recursos técnicos, financeiros, e autonomia para desenvolver seus próprios projetos pedagógicos.

Segundo Osmar Fávero, José Silvério Baia Horta e Gaudêncio Frigotto (1992), pós 1988, o Mec insistiu em reforçar a municipalização do ensino fundamental, desconsiderando as condições econômico-financeiras e culturais dos municípios; em manter a privatização do ensino por meio de várias formas de financiamento, inclusive da pesquisa, no caso do ensino superior;

em propor programas de impacto sem uma real análise das condições da população e das condições da implantação.

Oliveira (1999) afirma que, à época, o país firmara compromissos internacionais quanto ao oferecimento educacional, e recebera financiamento de agências externas. Educadores ligados ao governo foram influenciados por esse direcionamento, que resultou na legislação de 1996, a qual trouxe mudanças significativas ao ensino brasileiro.

Para Adrião (2006a), as reformas na administração educacional, nos anos de 1990, surgiram com a finalidade de elaborar novos padrões de gestão para a educação, visando ao aumento da eficácia do ensino público, por meio da introdução de mecanismos gerenciais. Tal perspectiva segue a descentralização da oferta educacional.

1.2 A descentralização da educação como marco da Reforma do Aparelho do Estado

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