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2.2 – A deficiência na exposição de paleontologia

CAPÍTULO I – Bases conceptuais

I. 2.2 – A deficiência na exposição de paleontologia

A visão do papel de museu como simples instituição de coleção, preservação, exposição e investigação do seu acervo, dentro dos seus espaços, foi alargada para uma visão mais global e social que envolve os seus públicos e suas necessidades específicas (Dodd & Sandell, 2001). Este é o paradigma da Nova Museologia, não se concentrar tanto na coleção mas na comunidade e, neste caso específico, na comunidade de pessoas com deficiências ou incapacitadas (Hollins, 2013).

A forma da sociedade ocidental e dos seus museus lidarem com as pessoas com necessidades inclusivas tem vindo a evoluir nas últimas décadas. O modelo médico deu lugar ao modelo social e biopsicossocial mais participativo da comunidade e logo, também dos seus museus (Martins, 2014).

Na relação entre a sociedade e a pessoa com deficiência/incapacidade, também o modelo de integração tem dado lugar ao modelo de inclusão e a relação, em Portugal, entre os museus e as pessoas com deficiência/incapacidade tem sido alvo de trabalhos académicos sobre o tema da inclusão (Martins, 2014, Santos, 2011).

No campo da atuação local, os museus podem implementar as suas próprias ações, de forma voluntariosa porque, no contexto legislativo, a Lei-quadro dos Museus Portugueses, Lei nº 47/2004, só aborda políticas inclusivas de forma indireta no contexto de alguns artigos (Santos, 2011).

Nos museus de ciências naturais as deficiências e/ou incapacidades são trabalhadas pelos museus conforme as tipologias: 1) pessoas cegas ou com baixa visão, 2) pessoas surdas ou audição reduzida, 3) pessoas de mobilidade reduzida e, 4) pessoas com dificuldades de nível intelectual, de aprendizagem e no espectro do autismo.

Quanto às pessoas cegas ou com baixa visão, muitas das coleções dos museus de Ciências Naturais têm algumas vantagens na perceção do seu acervo por parte dos visitantes invisuais, ou com visão diminuída, que alguns museus de arte não possuem, principalmente museus de pintura. O acervo é maioritariamente tridimensional, enquanto que as pinturas são maioritariamente bidimensionais e monotexturadas. Algumas das excepções de coleções naturais são as coleções em meio líquido (Figura 6) ou herborizadas, as últimas pela fragilidade ao toque.

Se tomarmos em consideração o acervo em que se quer

focar este trabalho, o património paleontológico e nomeadamente as coleções fósseis de grandes animais tetrápodes, percebemo-nos que muitas vezes lidamos com réplicas, cujo manuseio, a resistência do material e a unicidade da peça não são fatores limitativos ao toque na peça. Mesmo em originais, a larga maioria dos fósseis são mineralizados, i.e., são rocha e alguns com uma resistência bastante “confortável” comparativamente a outras peças museológicas.

Figura 6: Especimes em meio líquido do MHNC-UP

Como curiosidade, acerca do manuseio de fósseis por pessoas invisuais, faz-se referência a dois paleontólogos, Geerat Vermeij, cego desde os três anos, especialista em moluscos (Vermeij, 1998) e Paul Upchurch, com visão reduzida (Figura 7). Ambos fazem a sua pesquisa e descrição de fósseis com recurso ao tato.

Relativamente às pessoas surdas ou audição reduzida, não existe conhecimento de, em Portugal, existirem exposições paleontológicas com aplicações específicas para estes visitantes. Parece que por parte dos museus, e das instituições em geral, não se considerar o som como parte vital da aquisição da informação e parte-se do princípio que, em visitas escolares e guiadas, seja o estabelecimento de ensino a providenciar o intérprete gestual. Também é verdade que as áreas de paleontologia não costumam apresentar sons nas suas exposições, tirando algumas com dinossauros robotizados onde existem interpretações dos animais a rugir. O património paleontológico não parece ter aqui qualquer vantagem, ou desvantagem, em relação às restantes peças de museus de história natural.

De todas as deficiências e/ou incapacidades, a preocupação com as pessoas de mobilidade reduzida, regra geral, que precisam de cadeiras de rodas, é aquela que está mais desenvolvida pelas instituições. Possivelmente por ser a incapacidade que mais probabilidade tem de atingir a população em geral. Temporariamente podemos ficar debilitados com de uma perna partida ou existir na família alguém idoso que já requer deslocação com ajuda de uma cadeira de rodas. As barreiras físicas são um problema arquitectónico da maioria dos edifícios adaptados para museus. Em Portugal não existem museus de paleontologia criados de raiz, tirando o pavilhão principal do Parque dos Dinossauros da Lourinhã. A adoção de sistemas e/ou aparelhos de mitigação de barreiras físicas passa por soluções extremamente onerosas e arquitectonicamente complexas, como a construção de elevadores de poço, até medidas mais

Figura 7: Paul Upchurch a visualizar as réplicas de Supersaurus lourinhanensis com as mão, no Museu da Lourinhã.

modestas mas, nem por isso, menos funcionais, como pequenas rampas movíveis para vencer alguns degraus.

Em paleontologia muitos dos fósseis são pesados e obrigam a que as exposições se efectuem em pisos térreos ou com rampas de acesso a aparelhos de transporte de carga e que os corredores estejam mais ou menos desimpedidos e sejam largos. A procura por parte de público infantil, que costuma correr pelas exposições com a excitação, também leva a que as exposições tenham áreas de circulação suficientemente amplas para a circulação de cadeiras de rodas, o que não quer dizer que não existam barreiras físicas, ou “armadilhas”, como pequenos desníveis, protetores de cabos, etc.

Das deficiências/incapacidades listadas pelos museus, as de nível intelectual são possivelmente as de maior complexidade de capacidade de apoio. Assim como se espera que, em visitas de grupo, seja a instituição visitante a providenciar o técnico especializado para as pessoas surdas ou com audição reduzida, nos caso específico das pessoas com dificuldades de nível intelectual, de aprendizagem e no espectro do autismo, se espera um procedimento semelhante. Nas visitas o conceito de património paleontológico, mais abstrato e complexo, provavelmente será secundado para temas mais imediatos e atrativos.

Percebemos assim que, também para as exposições de paleontologia, as questões da pessoa com deficiência são temas que precisam de trabalho e respostas. Neste aspeto, os museus de paleontologia não parecem muito distantes dos outros museus. A exposição de património paleontológico requer adaptações específicas, algumas até com vantagens pontuais ao nível da tridimensionalidade que os fósseis podem oferecer. Mas, de um modo geral, os museus com paleontologia ainda têm um caminho a percorrer, com muitas pessoas com necessidades especiais a preparem frequentemente a sua visita pesquisando a política de inclusividade publicada nas páginas oficiais de internet da instituição14.

14 Visitamos as páginas oficiais de alguns museus internacionais de referência (na paleontologia) e as páginas

dos museus portugueses com exposições de fósseis e as secções de acessibilidade inclusiva e o apoio que podem oferecer. Pela visita às páginas oficiais de museus internacionais de referência na paleontologia, apercebem-nos que alguns dispõem de informações a pessoas com necessidades especiais (Museu de História Natural de Nova York, AMNH, 2016, Museu de História Natural e da Ciência de Denver, DMNS, 2016, Museu Nacional de História Natural de Paris, MNHN, 2016, Museu de História Natural de Londres, NHM, 2016, Museu de História Natural de Berlim, MfN, 2016, Real Instituto de História Natural de Bruxelas, IRSNB, 2016).

Em Portugal, pela positiva, e continuando a abordar museus com exposição de fósseis de dinossauros, o Museu da Comunidade Concelhia da Batalha mereceu diversas distinções pela política inclusiva que marcaram desde logo o seu arranque, inclusivamente o galardão do Melhor Museu Português de 2012, atribuído pela APOM (MCCB, 2016).