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CAPÍTULO II – A noção de património paleontológico: definição e legislação

II. 4.1 – Legislação Nacional

Em 1998, o então ministro da Ciência e da Tecnologia, Mariano Gago, nomeia uma comissão de especialistas para fazer um relatório sobre a promoção da paleontologia e a proteção do património paleontológico português: o Grupo de Trabalho para a Paleontologia em Portugal (GTPP, 1999).

Os dez especialistas que constituíram esse Grupo de Trabalho eram provenientes de diversas entidades ligadas à paleontologia: Miguel Telles Antunes, da Academia das Ciências de Lisboa e Universidade Nova de Lisboa, que presidia aos trabalhos, Ausenda Balbino, da Universidade de Évora, Ferreira Soares, da Universidade de Coimbra, Galopim de Carvalho, do Museu Nacional de História Natural de Lisboa, João Pais, da Universidade Nova de Lisboa, Lemos de Sousa, da Universidade do Porto, Mário Cachão, da Universidade de Lisboa, Miguel Magalhães Ramalho, do Instituto Geológico e Mineiro, Rosa Arenga, do Instituto da Conservação da Natureza, e Wolfgang Eder, representante da UNESCO.

O Grupo de Trabalho para a Paleontologia em Portugal acaba por produzir um relatório final que revela discordâncias quanto ao que entende ser o âmbito da protecção ao património paleontológico. Uma das principais críticas que alguns membros fizeram à criação de uma lei de protecção do PPP foi o «não parecer justificável proceder à promulgação de legislação

específica para o património paleontológico deixando de fora outros valores de natureza geológica»30. Essa crítica, não unânime, não leva em conta a diferente pressão na procura a que o património paleontológico está sujeito, a qual se faz sentir de modo muito menos intenso sobre o património geológico não fossilífero. A procura, recolha e comércio “ilegal” de fósseis tem uma expressão maior do que a de outro tipo de rochas, salvo algumas raras excepções,

como as “pedras parideiras”31. De qualquer forma é deste relatório que vão emanar algumas

ideias para a Lei de Bases do Património 107/2001.

Como já vimos quando abordamos a questão das definições de património, após a referência conjunta da paleontologia e do património arqueológico na Lei de Bases do Património, a menção à paleontologia desaparece do resto do corpo da Lei, não aparecendo regulamentada nem definidas as metodologias de trabalho na eventualidade da descoberta de fósseis. De uma forma objectiva, se um fóssil importante é encontrado durante uma construção pública, não existe qualquer obrigação legal de comunicar a descoberta, de ter um/a paleontólogo/a a acompanhar o resto da obra, ou qualquer outra forma de proteção da descoberta fóssil. Por outras palavras, se um fóssil importante é encontrado durante uma construção pública, mesmo que um cidadão anónimo, ou um paleontólogo, queira denunciar a existência do achado, não existe um mecanismo na lei que obrigue o construtor, ou o próprio Estado (entidades públicas), a preservá-lo. Legalmente, a paleontologia é mencionada no conceito e âmbito de património, mas esquecida na regulamentação que podia impor uma proteção efetiva ao fóssil, como se pode perceber pela redação da lei:

«O património arqueológico integra (...) [nº2 artº 74]; Os bens provenientes da realização de trabalhos arqueológicos constituem (...) [nº3 artº 74]; Entende-se por parque arqueológico (...) [nº4 artº 74]; Aos bens arqueológicos será (...) [nº1 artº

75]; Em qualquer lugar onde se presuma a existência de vestígios, bens ou outros

indícios arqueológicos (...) [nº2 artº 75]; Sempre que o interesse de um parque arqueológico o justifique (...) [nº3 artº 75]»

Parece que o legislador tomou a paleontologia como arqueologia, com as mesmas necessidades e métodos de trabalho que a arqueologia, não reconhecendo que as duas ciências têm características e necessidades distintas e deixando a paleontologia num vazio legal referindo especifica e unicamente a arqueologia.

Através da Tabela 1 pode-se comparar os conteúdos na lei relativa às duas ciências e as suas referências.

31 Pedras parideiras são fenómenos geológicos raros que ocorrem em rocha granítica e onde nódulos, compostos

por um camada externa de biotite, se desincrustam dando um aspeto de que a "rocha-mãe pariu um ovo de granito".

Tabela 1: Lei 107/2001 - Paleontologia vs. Arqueologia

Paleontologia Arqueologia Conceito e ambito de Património Cultural

Inclusão no conceito de património nº3 artº 2 nº3 artº 2

Conceito e ambito de Património Arque e Paleo

Inclusão no conceito de património nº1 artº 74 nº1 artº 74

Formas e regime de protecção

Conservação por registo científico sem menção nº1 artº 75

Criação de reserva arqueológica de protecção sem menção nº2 artº 75

Criação de zona especial de protecção sem menção nº3 artº 75

Limitação à remoção de solos e edificação sem menção nº4 artº 75

Limitação equipamento detecção sem menção nº6 artº 75

É dever do estado (entidades públicas)

Criar e articular o inventário nacional sem menção a) nº1 artº76

Disciplinar e fiscalizar a actividade do arqueo/paleontólogo sem menção c) nº1 artº76

Aprovar planos anuais de trabalho sem menção nº2 artº76

Licenciamento e autorização de urbanismo sem menção nº3 artº 76

Dotar de meios humanos sem menção b) nº3 artº76

Escavações

Definição de escavações sem menção artº 77

Direção de trabalhos de escavação sem menção nº4 artº77

Descoberta

Obrigatoriedade de dar conhecimento de descoberta sem menção nº1 artº78

Ordenamento do território e obras

Criação de carta de património sem menção nº1 artº79

Acompanhamento de obras sem menção nº2 artº79

Orçamentação para salvaguarda em obras sem menção nº3 artº79

No mesmo ano da publicação da Lei de Bases do Património, o conselho de ministros faz sair uma resolução para a “estratégia nacional de conservação da Natureza e da biodiversidade” onde se refere os elementos notáveis da paleontologia. A Resolução do Conselho de Ministros nº 152/2001 assume como objectivos a «conservação da Natureza e

diversidade biológica, incluindo os elementos notáveis da geologia, geomorfologia e paleontologia». No entanto, a própria resolução do conselho de ministros tinha a sua existência

limitada temporalmente até 201032. Por outro lado, este documento era mais orientador para as políticas de conservação da natureza e salvaguarda dos referidos elementos “notáveis” do que um elemento legislador e protetor para a paleontologia em geral.

Passados sete anos sobre a publicação da Lei de Bases do Património, um novo decreto lei vem tentar colmatar a lacuna regulamentar que a Lei 107/2001 tinha deixado. É o decreto-

32 «A ENCNB, para vigorar até ao ano 2010, (...)» no início do 4º parágrafo Diário da República 1 Série – B,

lei 142/2008 que é frequentemente usado como argumento demonstrativo da existência de lei relativa à proteção do património geológico, incluindo descobertas paleontológicas.

Mas a lei 142/2008 só é aplicável na circunscrição de “áreas protegidas”.A referência à paleontologia está expressa nas “definições” do artigo 3º:

«m) «Património geológico» o conjunto de geossítios que ocorrem numa determinada área e que inclui o património geomorfológico, paleontológico, mineralógico, petrológico, estratigráfico, tectónico, hidrogeológico e pedológico, entre outros;»33

A protecção aos fósseis está expressa no sétimo capítulo, artigo 43º, “Contra-ordenações em áreas protegidas”; ponto 4: “contra-ordenação ambiental leve”, e referente a áreas protegidas, alínea h):

«A colheita, a detenção e o transporte de amostras de recursos geológicos, nomeadamente minerais, rochas e fósseis;»34

Contudo, a validade da lei somente no interior de “áreas protegidas” exclui a maioria do território português e suas áreas fossilíferas.

Para além da legislação nacional, as autarquias também podem tomar outras iniciativas que julguem necessárias e, claramente, mais adequadas às situações concretas que possam existir nos seus municípios