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CAPÍTULO I – Bases conceptuais

I. 1.2 – Fósseis

Como muitas outras definições, a de fóssil não tem uma forma única e consensual. A definição de fóssil usada no currículo escolar e que vulgarmente se encontra nos manuais do 7º e 10º ano, onde a maioria da população jovem a aprendeu, é próxima da seguinte: o fóssil é

o resto de um organismo, ou vestígio da sua atividade, que ficou preservado na rocha. Esta

definição é composta por partes que analizaremos com maior detalhe. Comecemos por atender ao tópico da morte e decomposição de um organismo. Um organismo, seja ele qual for, tem um período de vida, mais ou menos longo, durante o qual o seu corpo se vai regenerando e mantendo sistemas bioquímicos em funcionamento que permitem às suas moléculas orgânicas manterem-se estáveis e em equilíbrio, evitando a sua degradação generalizada. Quando se dá a morte de um organismo uma série de novas reações bioquímicas começam a degradar as moléculas orgânicas, levando à decomposição desse mesmo organismo. Regra geral, estas reações bioquímicas produzem-se na presença de oxigénio circundante, seja ele atmosférico, seja ele dissolvido na água. Tudo isto quer dizer que, quando morrem, o processo natural dos

organismos, se não forem predados, é a degradação total. É isso que constatamos nos cemitérios, onde os corpos, ao fim de uns anos desaparecem quase completamente, deixando uns ossos que levam mais tempo a degradar-se, mas é só mais uns tempos. Dito de outra forma, pode dizer-se que o que é anormal é a preservação de um organismo por muitos anos. Por isso quando temos um fóssil parcial e o público se pergunta: porque é que não temos tudo? Porque

é que não temos todo o corpo? Dever-se-ia perguntar: porque é que ainda temos uma parte?

Assim começa a definição de fóssil: é o resto, porque a completude de um fóssil é a exceção dentro da exceção que é a fossilização.

Falamos do fóssil como o resto de um organismo porque existem fósseis de animais, mas também de plantas e de colónias de bactérias, sendo que todos são organismos biológicos passíveis de fossilizar. O resto do organismo em questão, seja um tronco de uma árvore, o esporo de um feto, um osso de um dinossauro, a escama de um peixe, a concha de um bivalve, ou um dente de mamute, fizeram parte do tecido orgânico desse mesmo organismo e, por isso, são também designados como eufóssil ou somatofóssil.

A segunda parte da definição refere que o fóssil pode ser o vestígio da atividade de um

organismo. Nesse caso não estamos na presença de um resto de tecido orgânico desse

organismo, mas sim uma marca da atividade desse mesmo organismo, uma impressão fóssil, ou um icnofóssil. São exemplos deste processo de fossilização: os estromatólitos – marcas de atividade bioquímica de colónias de bactérias; as folhas de plantas, onde muitas vezes o que vemos são os decalques dessas folhas, e não as folhas em si; pegadas de animais2; pele, onde mais uma vez o que observamos não é a pele, mas a textura que esta provocou na lama, como a marca da sola de uma bota, e não a sola em si; ou ainda os coprólitos, que são os excrementos dos animais que também petrificaram; entre outros exemplos.

A terceira parte da definição especifica do fóssil é preservado na rocha, mas aqui podem ocorrer excepções. De facto, a maioria dos fósseis, daqueles com mais de umas dezenas de milhões de anos, ficou preservado na rocha, ou seja, em matéria inorgânica. Mas alguns organismos ficaram aprisionados dentro de matéria orgânica, como resinas vegetais, sendo os seus fósseis conhecidos por preservado "em âmbar" (Figura 2.13). Outros organismos foram

2 No ponto I.1.6 com abordaremos mais pormenor os icnótipos

3 Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%82mbar#/media/File:Baltic_amber_Coleoptera_Anobiidae.JPG

criopreservados naturalmente, ou seja, deu-se a fossilização por congelamento, e o corpo não entrou em degradação total por desidratação dos seus tecidos (Figura 2.24). Esta ideia pode ser um pouco estranha quando pensamos que a preservação ocorreu por congelamento, mas muitos destes fósseis congelaram no solo, e não no meio de um iceberg, tendo acontecido fisicamente que a água deixou de estar disponível sobre a forma líquida, essencial à maioria dos processos de degradação. A desidratação leva-nos ainda a outra forma de fossilização, que é a mumificação natural, como as múmias encontradas nos desertos secos da América do Sul. Estas duas últimas formas de fossilização, por congelamento e mumificação, são as que duram menos tempo, só uns quantos milhares de anos nas melhores preservações. Quando se dá um aumento da temperatura ou

humidade, o processo de degradação reinicia-se e a múmia começa a desaparecer.

Quanto à preservação em rocha, o processo ocorre do seguinte modo: quando um corpo, que deveria estar a entrar em degradação, é rapidamente coberto por sedimentos, tipo lama, fica privado de oxigénio e das trocas gasosas habituais resultantes da bioquímica da degradação, fazendo com que esta seja interrompida e seja substituída por novos processos que levam à mineralização dos seus tecidos, ou seja, à sua petrificação. Isto ocorre essencialmente em rochas sedimentares, nomeadamente onde haja fluxo de depósito positivo, ou seja, onde o aporte de sedimentos seja superior à erosão dos sedimentos. Essa rocha sedimentar pode manter-se enquanto rocha sedimentar por milhões de anos, mas alguma pode começar a alterar- se, transformando-se em rocha metamórfica, como os xistos fossilíferos. Por isso se diz que os fósseis só aparecem em rochas sedimentares ou metamórficas a partir de sedimentares. Regra geral, as rochas ígneas ou magmáticas não possuem fósseis. Rochas ígneas intrusivas, ou plutónicas, são formadas no interior da terra, onde ocorre a cristalização em profundidade e onde não existe vida para fossilizar, motivo pelo qual não há fósseis em rocha tipo granitos.

4 Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Woolly_mammoth#/media/File:Lyuba_the_mummified_baby_mam

moth.jpg acedido a 02/05/2019.

Figura 2: Em cima (1) Insecto em âmbar do Báltico, 50 Ma; Em baixo (2): Fóssil de bebé mamute

Rochas magmáticas extrusivas provém de atividade vulcânica à superfície, como a expulsão de lava ou de fluxos piroclásticos, como as cinzas. A temperatura que envolve estes fenómenos naturais, regra geral, implica a destruição de toda a matéria viva, mas são conhecidas diversas excepções. As mais famosas são os moldes humanos de Pompeia, mas existem também exemplos portugueses como a impressão das folhas de plantas na ilha de São Miguel, nos Açores, presentes no Museu Geológico de Lisboa (Ramalho, 2009).

Assim, uma outra forma de definir fóssil é vê-lo como a representação de um organismo singular que conseguiu escapar, parcial ou integralmente e, de uma forma excepcional, ao ciclo natural de decomposição da matéria orgânica e que, submetido a processos geológicos, se manteve preservado ao longo de milhares ou milhões de anos (Kunzler et al, 2014).

Implícito na definição de fóssil, mas não explícito, é que a preservação tenha ocorrido por métodos naturais, por oposição a métodos artificiais induzidos por humanos, como a congelação, a mumificação (sendo a das múmias egípcias um exemplo), a moldagem (impressão em cimento), entre outros. Assim, considerando todas as dimensões referidas podemos propor outra definição:

O fóssil é o resto de um organismo, ou vestígio da sua atividade, que ficou preservado de uma forma natural, além do tempo expectável para a sua decomposição.

Por esta via, a fossilização pode ser proveniente de um processo relativamente recente, com poucas centenas de anos, embora o mais comum seja ser proveniente de organismos com milhões de anos. Por esse motivo a escala temporal que se usa em paleontologia é a geológica, sendo a unidade de medida os milhões de anos (Ma), utilizando as tabelas cronoestratigráficas.