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Rio Tietê Bacias Hidrográficas

II 2.2.1 O ecossistema do Tietê à época da colonização

II. 2.2.2 A degradação ambiental

O lançamento de substâncias tóxicas nos rios de São Paulo não é uma prática recente. Os próprios índios já contaminavam as águas destes rios com o objetivo da pesca. Ainda que não fosse tão freqüente a ponto de poluir e contaminar as águas dos rios, a colocação de timbó ou tingui na água matava os peixes por envenenamento. “(...) o envenenamento das águas com os timbós ou tinguis, cascas da “erva maravilhosa” a que se referiu Fernão Cardim, tão forte que nos rios onde se botava não ficava peixe vivo76. As águas chegavam a ficar escuras77”.

A grande presença de pinheiros araucárias e seus frutos, os pinhões, também é descrita pelos cronistas quinhentistas e seiscentistas. Tais frutos foram a base alimentar de povos coletores do sudeste. Cardim, no final do século XVI, já anotava que “é tanta a abundância [das araucárias] que grande parte dos índios do sertão se sustentam com pinhões78”. “Desde o início da ocupação portuguesa do planalto, estas árvores foram alvos de ação predatória, tanto que os camaristas de São Paulo decidiram ‘que ninguen corte pinheiros sen lica da camará com pena de quinhentos reis pa. o conselho’79”.

74 Segundo Prezia, os principais grupos indígenas que habitavam o planalto paulista à época da

colonização eram os Guaianá (marrecão), do tronco macro-Jê, e descendentes dos Kaingang; os Maromomi, ou tapuias, também do tronvo marco-jê; os Tupis e os Guaranis. Ao longo do Tietê, destacavam-se do Tupi, principalmente no planalto e no Médio Tietê. Mais próximo do Baixo Tietê estavam os Carijó do Anhembi. Na bacia do Paranapanema estavam os Guarani. E na região do Paraíba, os Tamoios/Tupinambá. Cf. PREZIA, Benedito A. Os indígenas do planalto paulista: nas crônicas quinhentistas e seiscentistas. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2000. p. 171-195. A descrição sobre os grupos que habitavam esta região ainda é controversa. Porém, aptamos por seguir, neste estudos as atuais colocações etnolingüísticas de Prezia. Para John Monteiro, devido à escravização, no século XVII havia em São Paulo: para 194 homens Guarani/Carijó, 66 Guaianã/Guaianá e 17 Maromomi/Guarulho. E para 242 mulheres Guarani/Cario, 59 Guaianã/Guaianá e 21 Maromomi/Guarulho. John MONTEIRO, Negros da Terra, p. 84.

75 Benedito A. PREZIA, op. cit., p. 138.

76 Fernão CARDIM,. Tratados da terra e gente do Brasil, p. 68 IN: Ernani Silva BRUNO, História e

tradições da cidade de São Paulo, p. 258.

77 Robert SOUTHEY, História do Brasil, I, pág. 455. IN: Ernani Silva BRUNO, História e tradições da

cidade de São Paulo, p. 258.

78 Benedito A. PREZIA, op. cit., p. 131. 79 Ibid., p. 131.

Com relação à vegetação, esta cobria 80% de todo o atual Estado de São Paulo80, numa extensão de 190.000 km2. As várzeas dos rios também sofreram o mesmo impacto ambiental, devido à comercialização da área pública e a construção de ruas e avenidas. Atualmente, estão quase todas destruídas, restando poucos trechos originais e poucos animais. A importância da conservação das várzeas passou a ser conhecida mais recentemente: são tanques de acomodação das águas pluviais; retêm carbono, reduzindo a produção de gás carbônico; são vitais para a reprodução de peixes; constituem residência privilegiada das aves; “e absorvem e filtram poluentes que, liberados, degradam lagos, rios e reservatórios81”.

As extensas várzeas do vale do Tietê apresentavam grande diversidade biológica. Como são áreas que ficam periodicamente alagadas, as espécies que nelas viviam precisavam estar entre aquelas que se locomovem adequadamente tanto dentro como fora da água. Entre elas havia animais carnívoros, como o mão-pelada e o gato-mourisco, que se alimentavam basicamente de anfíbios, peixes, insetos e aves aquáticas; animais como a capivara e o cervo-do-pantanal, que se alimentavam de folhas, frutos e vegetais aquáticos; e répteis, como a sucuri, a surucudo-pantanal e a jararacuçu-do-brejo. 82

Enquanto isso, nas regiões do médio e baixo Tietê, a principal degradação do ecossistema do rio foi provocada pela (1) invasão das matas ciliares pelas culturas de cana e café; (2) a crescente ocupação do solo e (3) a destruição, ou substituição, das formações vegetais primitivas por pastagens e agricultura. Com relação à fauna e à vegetação silvestre, houve uma grande redução nas espécies de animais que habitavam a região.A vegetação original da bacia do Tietê era bastante variada: “o rio nasce no meio da flora vigorosa da Mata Atlântica e, no seu trajeto original, cruzava florestas latifoliadas tropicais semidecíduas, matas ciliares e várzeas, além de trechos de cerrados e cerradões83”.

80 “A descrição feita por Mamede da Rocha do Baixo Tietê, trecho final do rio, depois de sua participação

na expedição organizada pela Comissão Geográfica e Geológica de 1905, é um relato precioso sobre a vegetação exuberante que podia ser então encontrada”.Para uma descrição pormenorizada das espécies encontradas, ver: O Livro do Rio Tietê, pp. 54-60.

81 ADORNO, Vicente. Tietê: uma promessa de futuro para as águas do passado, p. 13. 82 ________ O Livro do Rio Tietê, p. 60.

Pela necessidade de energia elétrica, diversas barragens foram construídas ao longo do Tietê, e o mesmo se tornou uma “sucessão de reservatórios84”. Estas construções também alteraram grandemente o ecossistema, não só pelo alagamento de matas e campos, mas pela transformação de um ambiente de águas correntes e encachoeiradas em águas semi-paradas. “(...) a ocupação das margens ainda é feita de maneira imprevidente, com o lançamento de dejetos orgânicos e químicos nas águas, consumindo o oxigênio nelas dissolvido, aumentando a poluição e provocando riscos de envenenamento85”.

A devastação ecológica na região do Tietê ficou crítica a partir do século XX, mas no XVIII, com a exploração da agricultura canavieira e o desmatamento das margens do rio, o ecossistema do rio já se mostrava ameaçado. Embora o nível de poluição tenha ultrapassado o limite de oxigênio zero por volta de 1960, já no começo do século XIX realizava-se esta prática que deixava o ar infestado e a água contaminada. As várzeas dos rios paulistanos já serviam de depositário do lixo e de animais mortos: “(...) alguns pontos da várzea do Tamanduateí – sobretudo a zona do Carmo, freqüentemente encharcada – continuaram servindo para os despejos de uma grande parte do lixo da cidade86”.Também era depositário de lixo o sulco profundo do Anhangabaú, nas proximidades do córrego e da ponte do Açu87.

Na época da fundação de São Paulo diversos rios e córregos cruzavam o planalto. Destes, muitos foram canalizados, retificados, desviados ou extintos88.

No início do século XX, a população de São Paulo apresentou uma “explosão” demográfica, com índice de crescimento anual da ordem de 14%89. Em 1900 eram 239.820 habitantes; em 1940, 1.326.261; em 1970, 5.924.615; e em 1996, 9.839.436. Logicamente, a cidade cresceu junto com a degradação ambiental do Tietê, depositário do esgoto e os resíduos industriais. Infelizmente, a construção de infra-estrutura para coleta e tratamento de tanto esgoto produzido não acompanhou o ritmo de crescimento populacional e industrial. Em 2001, a contaminação das águas somada à falta de chuva e

84 Ibid., p. 150. 85 Ibid., p. 150.

86 Ernani Silva BRUNO, História e tradições da cidade de São Paulo, p. 166. 87 Ernani Silva BRUNO, História e tradições da cidade de São Paulo, p. 198. 88 Ver mapa da ver. VEJA SÃO PAULO n.45.

à demanda de energia elétrica resultou na primeira grande crise moderna de energia do país – o famoso “apagão”.

Já no final de 1990, apenas 24% dos habitantes da RMSP tinham seu esgoto tratado e a represa Billings era progressivamente contaminada. Esse estado limita o aproveitamento da água, tanto para ingestão, como para a geração de energia elétrica.

Capítulo II.3