• Nenhum resultado encontrado

4 A DELAÇÃO PREMIADA COMO MECANISMO DE COMBATE À

4.2 Casos de aplicação do instituto

4.2.2 Petrolão (Lava Jato)

4.2.2.2 A delação premiada na Lava Jato

A delação premiada nunca esteve tão evidente como na Operação Lava Jato. Quanto mais participantes são descobertos, mais acordos de colaboração são firmados em busca de punições mais brandas. Diante disso, a Polícia Federal e o Ministério Público estão conseguindo descobrir e desmantelar todo o sistema de corrupção na estatal.

Se não fosse a utilização do instituto da delação premiada, as investigações jamais teriam alcançado tamanha proporção e aprofundamento e possibilitado a punição de executivos da Petrobrás, de grandes empreiteiras e operadores que praticaram crimes como formação de cartel, de organização criminosa, de corrupção e de lavagem de dinheiro. Conforme Portal de Combate à corrupção do Ministério Público (2015, online):

Se não fossem os acordos de colaboração pactuados entre procuradores da República e os investigados, o caso Lava Jato não teria alcançado evidências de corrupção para além daquela envolvendo Paulo Roberto Costa. Existia prova de propinas inferiores a R$ 100 milhões. Hoje são investigados dezenas de agentes públicos, além de grandes empresas, havendo evidências de crimes de corrupção envolvendo valores muito superiores a R$ 1 bilhão. Apenas em decorrência de acordos de colaboração, já se alcançou a recuperação de cerca de meio bilhão de reais.

O ex-diretor Paulo Roberto Costa, após sua prisão no início das investigações que, como se sabe, envolviam apenas o ex-deputado José Janene e doleiros pelo crime de lavagem

de dinheiro, resolveu auxiliar a apuração dos fatos, com o objetivo de receber alguns benefícios, assinando acordo de colaboração com o Ministério Público em agosto de 2014.

Conforme Ministério Público (2015, online):

No acordo, negociado com procuradores da República da força tarefa, Costa se compromete a devolver a propina que recebeu (incluindo os milhões bloqueados no exterior), a contar todos os crimes cometidos, bem como a indicar quem foram os outros criminosos. Caso ficasse provado que, em algum momento, ele mentiu ou ocultou fatos, todos os benefícios seriam perdidos.

Sendo assim, Costa passou a delatar minuciosamente a existência de um esquema de propinas, em prática desde 2004, elaborado por empreiteiras, políticos de três partidos (PT, PP e PMDB) e diretorias da Petrobrás que movimentava aproximadamente 10 bilhões de reais.

Em seus depoimentos, revelou o nome de cerca de 35 políticos que participavam do esquema, entre senadores, deputados federais, governadores e até um ministro e admitiu que as empreiteiras contratadas pela estatal tinham, obrigatoriamente, que contribuir para um caixa 2 cujo destino final eram partidos e políticos de diferentes partidos da base aliada do governo. (RANGEL, 2014, online)

Disse, ainda, que recebeu 1 milhão e meio de propina para “não atrapalhar” a compra da refinaria de Pasadena. Em troca das informações, comprometeu-se a devolver 25,8 milhões de dólares que mantinha na Suíça e nas Ilhas Cayman e pagar multa de 5 milhões de reais, sendo liberado para cumprir prisão domiciliar (GLOBO, 2015, online).

Após a colaboração do ex-diretor, foi a vez de Alberto Youssef se voluntariar para delatar seus companheiros de crime. O doleiro já se valeu do instituto em 2003, quando delatou 63 doleiros no esquema de evasão de divisas, o Banestado, que envolvia a remessa ilegal de cerca de 24 bilhões de dólares.

Celebrando o acordo de colaboração, o primeiro escrito e dividido em cláusulas, conseguiu a redução de pena e voltou a atuar como operador de câmbio. No caso Banestado foram feitos 17 acordos, que resultaram na transferência de aproximadamente 30 milhões de reais, como indenização, para os cofres públicos.

Mesmo após a quebra do acordo, por voltar a delinquir, Youssef celebrou novo acordo de colaboração na operação Lava Jato por apresentar informações relevantes à elucidação do esquema e que representavam grandes benefícios para a sociedade.

Seus depoimentos, assim como os depoimentos do ex-diretor Paulo Roberto, foram essenciais para alavancar as investigações, pois assumiu a participação no esquema,

delatou grandes empresas e políticos, entregando provas sobre os envolvidos nos desvios, explicou o funcionamento do sistema de pagamento de propinas, afirmando que o tesourerio do PT, João Vaccari Neto, e o lobista Fernando Baiano, eram os responsáveis pela cobrança da propina, e ainda afirmou que arrecadou cerca de 180 milhões de reais em propina (D'AGOSTINO, 2015, online).

O acordo prevê a devolução de bens (imóveis, veículos e participações em empresas) por Youssef ao Poder Público e exige o não cometimento de qualquer crime por um prazo de 10 anos, caso contrário, responderá por todos os processos e cumprirá as penas que lhe forem imputadas. Caso pratique algum delito após esse prazo, responderá pelos crimes que ainda não tenham prescrito.

Esses primeiros acordos de colaboração ocasionaram uma verdadeira reação em cadeia. Diversos nomes citados nas delações se dispuseram a colaborar com o Ministério Público, resultando em mais acordos de colaboração ou de leniência, mais provas e na identificação de mais envolvidos.

Os executivos da empresa Toyo Setal, Júlio Camargo e Augusto Mendonça, foram uns dos colaboradores. O primeiro revelou, segundo reportagem do G1 (D'AGOSTINO, 2015, online):

… as empresas que tinham contratos com a Petrobrás faziam parte de um "clube" de empreiteiras, combinando preços para superfaturar obras e serviços. Disse que essa era a "regra do jogo" e que as propinas chegaram a R$ 154 milhões, representando 3% dos contratos, beneficiando operadores do PT e PMDB. Eram eles: o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, indicado pelo PT para o cargo de alto escalão, e o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, apontado como operador da cota do PMDB no esquema de corrupção que tinha tentáculos na petroleira. Também afirmou ter repassado R$ 4 milhões ao ex-ministro José Dirceu e US$ 5 milhões ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Afirmou ainda ter pago 2 milhões ao presidente da empresa Camargo Corrêa, Eduardo Leite. Já Augusto Mendonça, de acordo com a mesma reportagem:

Relatou aos procuradores da República que, no período de 2008 e 2011, pagou entre R$ 50 milhões e R$ 60 milhões em propina ao ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque, que também foi preso pela PF. Os valores teriam sido pagos em espécie no Brasil e por meio de contas bancárias na Suíça e no Uruguai. O delator disse ao Ministério Público que Renato Duque exigia que o suborno do "clube" fosse pago a ele. Segundo ele, as empresas escolhiam as obras mais adequadas e as demais não atrapalhavam, numa espécie de "campeonato", indícios da existência de um cartel.

Segundo o Procurador Deltan Dallagnol, as colaborações de Augusto Mendonça, de Júlio Camargo e da empresa Setal possibilitaram ao Ministério Público o oferecimento de

várias denúncias. E afirma: “Sem essas colaborações, não conseguiríamos ter alcançado um conjunto de outras empresas que praticaram crimes de elevada gravidade.”

Após Paulo Roberto e Alberto Youssef afirmarem, sem provas, que o ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha conhecimento do sistema de pagamento de propinas que envolvia a estatal, foi Fernando Baiano que o citou novamente em suas delações. O lobista afirma ser o responsável pelo repasse de milhões de reais ao amigo, José Carlos Bumlai, e à uma nora do ex-presidente, que, inclusive, prestou depoimentos a respeito das acusações à pedido da Polícia Federal.

Ademais, Fernando sustentou que a indicação e manutenção de Nestor Cerveró na Diretoria Internacional da Petrobrás era de responsabilidade do ex-ministro José Dirceu e do senador Delcídio Amaral (PT), que foi preso no exercício de seu mandato (algo jamais ocorrido) por tentar obstruir as investigações, ao oferecer 50 mil reais mensais à familiares de Nestor, além de um plano de fuga da prisão, para que este não celebrasse acordou ou não citasse seu nome e de André Esteves, dono do banco BTG, em suas delações. O filho de Cerveró filmou a negociação e entregou às autoridades competentes.

Nestor Cerveró acabou por celebrar acordo de colaboração com os procuradores da Operação Lava Jato, narrando, em seus depoimentos, os crimes cometidos por Delcídio, na aquisição de navios sondas e da refinaria de Pasadena pela Petrobrás, e por André Esteves, com o pagamento de vantagens ao senador Fernando Collor (PTB) em contratos de embandeiramento de 120 postos de combustíveis em São Paulo que pertenciam ao Banco BTG Pactual e ao grupo empresarial Santiago (VEJA, 2015, online).

O presidente do Grupo Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, também resolveu colaborar, apontando os desvios dos quais participou e revelando o nome de dois senadores, dentre outros políticos, para quem pagou propinas. Além de informações relacionadas à Petrobrás, falará sobre irregularidades em obras do setor elétrico, como a construção da Usina de Belo Monte, no Pará, e na construção de estádios para a Copa do Mundo de 2014 (BRANDT, 2015).

Será realizado um acordo de colaboração e um de leniência, em nome da empresa, que pagará uma multa de 1 bilhão de reais, até agora, a maior aplicada a uma empreiteira investigada pela Operação Lava Jato.

Além dos já citados, muitos outros acordos foram e serão celebrados, mas não se sabe ao certo a quantidade e a identidade dos delatores, nem mesmo o conteúdo das delações, visto que os acordos devem ser sigilosos até o oferecimento das denúncias, justamente para não atrapalhar o andamento das investigações, como aconteceu no caso de Delcídio, apesar de

algumas informações sigilosas estarem vazando, colocando em risco os delatores e a própria operação.

Como se vê, foi através da colaboração premiada que os mínimos detalhes do esquema foram descobertos, proporcionando a condenação de operadores financeiros, de grandes empresários, bem como de políticos de variados partidos, e a recuperação de mais de 750 milhões de reais aos cofres públicos, até julho de 2015 (DALLAGNOL, online).

Sendo assim, o instituto da delação premiada deve continuar sendo utilizado como medida de combate ao crime organizado, em especial, à corrupção, pois influencia de maneira evidente o curso das investigações e, consequentemente, o curso do nosso país.

Segundo o Procurador Deltan Dallagnol:

... os acordos não são um ponto de chegada da apuração, pois jamais servem sozinhos para acusar alguém. Entretanto, são um excelente ponto de partida, em especial em investigações difíceis como aquelas sobre corrupção, pois eles apontam o caminho por meio do qual provas independentes poderão ser encontradas. São essas provas que serão usadas, a depender de sua força, para uma acusação ou condenação criminal.

Ressalta-se que para a celebração de um acordo, vários pontos dos depoimentos são levados em consideração, como informações novas sobre crimes e seus autores, provas disponibilizadas, importância dos fatos e das provas prometidas, recuperação dos recursos provenientes dos crimes, enfim, há uma análise do que ocorreria sem as delações e dos benefícios decorrentes delas. Assim, o acordo será feito apenas quando se chegar à conclusão de que os benefícios superarão significativamente os custos para a sociedade (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2015, online).

A operação vem tomando proporções tão grandes que já se divide em 21 fases, conta com 35 acordos de colaboração premiada, 4 acordos de leniência e não tem previsão de quando se encerrará, pois a cada delação são descobertos novos crimes e novos participantes.

Acredita-se que as condenações na Ação Penal 470 foram essenciais para o volume de delações que estão sendo feitas na Lava Jato, pois puniram, pela primeira vez, os criminosos de colarinho branco.

Os investigados são levados a delatar seus companheiros de crime pelo medo de uma punição severa, se acharem que a impunidade prevalecerá, não terão motivos para confessar e imputar crimes aos outros, pois sequer seriam submetidos à uma ação penal eficaz.

Além disso, o medo de ser delatado, e consequentemente punido, faz com que os criminosos ofereçam mais informações e garantam seu benefício logo. Quando um delata, é

aconselhável que os outros também o façam, pois, se mantiverem o silêncio, receberão penas mais severas, às vezes por crimes mais graves, que o delator.

É certo que a delação premiada tem seus malefícios e seus possíveis vícios, mas, como afirmou Nucci (2015, B), “é um mal necessário”. Os acordos de colaboração podem gerar inconstitucionalidades, de um ponto de vista mais restrito, mas o instituto, em si, é plenamente constitucional e previsto no ordenamento jurídico há anos.

O fato dos acordos conterem cláusulas que proíbam a interposição de recursos contra as sentenças, que violaria o direito de ação, e a impetração de habeas corpus ou que obrigam a renúncia ao direito ao silêncio, direitos constitucionalmente garantidos, levam a crer que seriam inconstitucionais.

No entanto, para a colaboração, é óbvia a renúncia ao direito ao silêncio, pois não se teria interesse em celebrar um acordo para obter informações com alguém que “não fala”. Além disso, o acordo é uma negociação, em que as partes devem dispor de alguns direitos e se onerar com alguns deveres, para garantir o interesse de ambos.

Sendo assim, a acusação dispõe de seu poder punitivo, ao garantir benefícios ao criminoso, e o acusado, que poderia se valer da interposição de recurso como medida protelatória que leva à prescrição e à impunidade, deve renunciar alguns direitos para garantir que aquele acordo seja cumprido.

O que tem que ser visado é o melhor interesse da sociedade. A legislação e o sistema judiciário brasileiro possibilitam a utilização, por parte da defesa, de diversas artimanhas que garantam a impunidade do acusado.

Dessa forma, tem que haver uma contemporização das normas e dos institutos para que os órgãos acusatórios, que estão em posição de vulnerabilidade diante do acordo de colaboração, dando benefícios e credibilidade a um criminoso, possam realizar o acordo de forma a não deixar brechas das quais o delator possa se valer, e, assim, extrair da delação mais benefícios que custos à sociedade.

A utilização do instituto pode demonstrar, também, a incapacidade ou a desídia dos órgãos investigativos brasileiros, que não se comprometem verdadeiramente com as investigações e acabam por se utilizar da delação premiada para que “os delatores façam seu trabalho.”

No entanto, é inegável que os crimes de corrupção são praticados meticulosamente, de forma a dificultar sua descoberta, e, se não for através da colaboração de um corrupto ou corruptor envolvido no esquema, certas provas e informações jamais seriam descobertas.

Mesmo que a utilização do instituto constate a incapacidade dos órgãos investigativos, a delação é um instrumento previsto em lei justamente para auxiliar, não devendo ser recusado, visto que verdadeiramente eficaz.

Ademais, os depoimentos dos delatores possuem reduzida credibilidade, pois, podem, de fato, fornecer informações falsas ou apenas aquelas que lhes convêm. Não se crê que alguém que já está em uma posição desfavorável seja capaz de mentir e responder por mais um crime, denunciação caluniosa, mas, se o fizer, ninguém será condenado baseado apenas em suas delações, pois suas declarações deverão ser corroboradas por provas, oferecidas pelo delator ou obtidas nas investigações.

Não obstante o fato de a delação contribuir bastante no combate à corrupção política, não se crê que o instituto, por si só, seja capaz de eliminá-la. Deve haver, além de uma mudança no costume e na educação dos brasileiros, acostumados com o “jeitinho” brasileiro de se resolver tudo, uma reforma estrutural na Administração Pública, pois a burocracia leva à corrupção, e no sistema judiciário, bem como na legislação, para eliminar as brechas que favorecem a impunidade. Portanto, as propostas do Ministério Público, intituladas de “10 medidas”, são bastante pertinentes e necessárias.

No mais, é indiscutivelmente marcante o momento pelo qual o país está passando, revelando a delação premiada como mecanismo verdadeiramente ativo no combate à corrupção.