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4 A DELAÇÃO PREMIADA COMO MECANISMO DE COMBATE À

4.1 A importância da delação premiada

A delação premiada, desde seu surgimento, já se mostrava necessária e eficaz como forma de auxiliar o Estado no enfrentamento à crimes dificilmente combatidos por ele, como na conhecida “Operação Mãos Limpas”, ocorrida na Itália, quando grandes organizações criminosas foram desbaratadas através de delações de alguns de seus

participantes. A grandiosa e conhecida Máfia Italiana estava lidando com a possibilidade da real punição (ARANHA, 2008, p. 136).

Diante do sucesso do referido caso e da crescente criminalidade organizada, que se torna cada vez mais complexa, o instituto se espalhou pelos diversos países do mundo, sendo incorporado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Previsto de forma modesta e esparsa, necessitava de um lei que dispusesse a respeito de suas características e procedimento para que fosse aplicado da melhor maneira. Sendo assim, passou a ser mais utilizado a partir da Lei nº 12.850 de 2013, embora já o fosse antes, tomando maiores proporções na Operação Lava Jato, ainda em andamento, que investiga o esquema de corrupção envolvendo a maior estatal do país, a Petrobrás.

Desde então, está sendo alvo de críticas de advogados e doutrinadores que discordam dessa “parceria” entre os criminosos e o Estado, além de acreditarem que o instituto desrespeita diversos preceitos e direitos constitucionais garantidos ao acusado no processo penal.

Em entrevista dada à Revista eletrônica Carta Capital, Augusto de Arruda Botelho, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e advogado criminal, afirma que a aplicação da delação premiada põe em risco os direitos do acusado dentro do processo penal, pois “A delação não é voluntária, é uma coação. O réu não tem outra opção senão contar. Tem-se a prisão, a coação e depois um ‘prêmio’”.

Assim, segundo ele, a delação seria a única possibilidade de defesa do acusado, que, combinada com a desistência de todos os recursos através do acordo de colaboração (o que vem ocorrendo na Operação Lava Jato), consistiria em uma grave violação aos direitos de defesa.

Segundo o Procurador Deltan Dallagnol, em entrevista dada ao Jornal O Globo (2015, online), a renúncia ao direito de recorrer é decorrência lógica da concessão do benefício de redução de pena. Com a redução da pena, aumentam-se as chances de prescrição do crime, que ocasionaria o cancelamento do processo penal e, consequentemente, a impunidade do delator/acusado.

De acordo com Oliveira (2014, p. 837), uma das críticas mais pertinentes à colaboração premiada consiste na possibilidade da falsidade das informações prestadas pelo colaborador. Ao se ver diante da oportunidade de receber benefícios e melhorar sua situação perante à Justiça, o delator passa a dar depoimentos inverídicos, conduzindo as investigações para fatos e pessoas menos importantes, ou mesmo inocentes, prejudicando a persecução

penal e o direito de defesa dos delatados. Embora ressalte, também, a constitucionalidade e a validade da delação premiada.

No entanto, o delator estará sob o compromisso de dizer apenas a verdade, podendo responder por denunciação caluniosa caso se valha de depoimentos falsos como medida protelatória da investigação.

Há quem afirme, ainda, que o Ministério Público estaria buscando, ao propor o acordo de colaboração, “mascarar” provas obtidas de maneira ilícita, ou seja, os possíveis delatores dariam informações já obtidas pelo órgão, mas que não podiam ser utilizadas, uma vez que obtidas ilegalmente.

Advogados acreditam, também, que o uso do instituto configuraria uma incoerência por parte do Poder Público, pois alguém que “sabe mais”, ou seja, que realmente esteja envolvido no crime, poderá ser beneficiado com o acordo de colaboração, e quem menos saiba, quem participou de maneira supérflua, ou até é inocente, não dará depoimentos efetivamente contributivos, não sendo premiado, ou terá que “provar sua inocência”.

O instituto é aplicado, principalmente, aos acusados de crimes de “colarinho branco”, ou seja, crimes cometidos por pessoas de elevada respeitabilidade e posição sócio- econômica, no exercício de suas ocupações, consistindo, geralmente, em crimes contra a ordem econômica e financeira. Para tanto, são utilizados métodos sofisticados e complexos que dificultam a percepção e a investigação do crime, tornando necessário o uso da delação (MUSEU DA CORRUPÇÃO, 2015, online).

A corrupção, como se sabe, engloba referidas práticas e, ainda mais, envolve pessoas altamente influentes que dificilmente seriam descobertas como participantes dos esquemas. Ao chegar em membros de menor escalão, que expõem, por qualquer motivo que seja, todos os participantes, a hierarquia, os crimes praticados, o caminho percorrido pelo dinheiro desviado, dentre outros fatos, a investigação se torna mais ágil e eficiente, possibilitando a condenação e punição dos verdadeiros articuladores dos crimes.

Sendo assim, a delação premiada é um importante instrumento de combate a um dos principais problemas do Brasil, a corrupção. Conforme dispõe Nucci (2015, B):

… parece-nos que a delação premiada é um mal necessário, pois o bem maior a ser tutelado é o Estado Democrático de Direito. Não é preciso ressaltar que o crime organizado tem ampla penetração nas entranhas estatais e possui condições de desestabilizar qualquer democracia, sem que se possa combatê-lo, com eficiência, desprezando-se a colaboração dos conhecedores do esquema, dispondo-se a denunciar coautores e partícipes.

E prossegue:

A rejeição à ideia da colaboração premiada constituiria um autêntico prêmio ao crime organizado e aos delinquentes em geral, que, sem a menor ética, ofendem bens jurídicos preciosos, mas o Estado não lhes poderia semear a cizânia ou a desunião, pois não seria moralmente aceitável. Se os criminosos atuam com regras próprias, pouco ligando para a ética, parece-nos viável provocar-lhes a cisão, fomentando a delação premiada (NUCCI, 2015, B).

No entanto, apesar de necessária, a delação premiada e os depoimentos obtidos com ela “... devem ser vistos com muitas reservas, já que se tratam de pessoas acusadas por crimes graves e que buscam benefícios de redução de pena decorrente da colaboração”, conforme afirma o Juiz Federal Sérgio Moro em decisão proferida no dia 10 de novembro de 2015 nos autos do Pedido de Busca e Apreensão Criminal nº 5073475-13.2014.404.7000/PR.

E afirma, em defesa do instituto:

É instrumento de investigação e de prova válido e eficaz, especialmente para crimes complexos, como crimes de colarinho branco ou praticados por grupos criminosos, devendo apenas serem observadas regras para a sua utilização, como a exigência de prova de corroboração. Sem o recurso à colaboração premiada, vários crimes complexos permaneceriam sem elucidação e prova possível.

Inclusive, colaciona comentários de um Juiz dos Estados Unidos, onde a delação surgiu (plea bargaining) e é bastante utilizada, mas com base em um sistema diferente do Brasil, pois lá, com a declaração de culpa do réu (guilty), fica automaticamente derrubada a presunção de inocência:

A respeito de todas as críticas contra o instituto da delação premiada, toma-se a liberdade de transcrever os seguintes comentários do Juiz da Corte Federal de Apelações do Nono Circuito dos Estados Unidos, Stephen S. Trott:

'Apesar disso e a despeito de todos os problemas que acompanham a utilização de criminosos como testemunhas, o fato que importa é que policiais e promotores não podem agir sem eles, periodicamente. Usualmente, eles dizem a pura verdade e ocasionalmente eles devem ser usados na Corte. Se fosse adotada uma política de nunca lidar com criminosos como testemunhas de acusação, muitos processos importantes - especialmente na área de crime organizado ou de conspiração - nunca poderiam ser levados às Cortes. (...) Como estabelecido pela Suprema Corte: 'A sociedade não pode dar-se ao luxo de jogar fora a prova produzida pelos decaídos, ciumentos e dissidentes daqueles que vivem da violação da lei' (On Lee v. United States, 343 U.S. 747, 756 1952).

Nosso sistema de justiça requer que uma pessoa que vai testemunhar na Corte tenha conhecimento do caso. É um fato singelo que, freqüentemente, as únicas pessoas que se qualificam como testemunhas para crimes sérios são os próprios criminosos. Células de terroristas e de clãs são difíceis de penetrar. Líderes da Máfia usam subordinados para fazer seu trabalho sujo. (...) Para dar um fim nisso, para pegar os chefes e arruinar suas organizações, é necessário fazer com que os subordinados virem-se contra os do topo. Sem isso, o grande peixe permanece livre e só o que você consegue são bagrinhos. Há bagrinhos criminosos com certeza, mas uma de

suas funções é assistir os grandes tubarões para evitar processos. Delatores, informantes, conspiradores e cúmplices são, então, armas indispensáveis na batalha do promotor em proteger a comunidade contra criminosos. Para cada fracasso como aqueles acima mencionados, há marcas de trunfos sensacionais em casos nos quais a pior escória foi chamada a depor pela Acusação.

(TROTT, Stephen S. O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 96, vo. 866, dezembro de 2007, p. 413-414.)

O que se teme, no entanto, é um problema a longo prazo. A partir do momento que a delação premiada passa a ser aplicada desmedidamente, à todos que resolvam entregar os parceiros de crime para obtenção de privilégios (que pode ser, inclusive, o perdão judicial), ela estaria contribuindo para a impunidade de criminosos que cometeram delitos graves.

À exemplo do doleiro Alberto Youssef, que celebrou acordo de colaboração no Caso Banestado e continuou a delinquir, sendo novamente beneficiado com a aplicação do instituto na Operação Lava Jato. Neste momento, foi questionada a validade do segundo acordo de colaboração, visto que descumpriu o anterior e não teria credibilidade para celebrar o acordo novamente.

Para o ex-Ministro Gilson Dipp (2015, online), em consulta feita pelo advogado do empresário Erton Medeiros, delatado por Youssef na Operação Lava Jato, um dos requisitos para a celebração do acordo de colaboração é a análise da personalidade do delator. Assim, com a quebra de acordo anterior, Youssef não passaria a confiança necessária para celebração de novo acordo, que seria inválido.

Após descumprir o acordo, que incluía o não cometimento de crimes, o processo do caso Banestado foi reaberto e Youssef acabou sendo condenado à 4 anos de prisão. No entanto, segundo seu advogado, em reportagem publicada pelo Jornal Eletrônico O Globo (NUNES, 2015), o novo acordo feito na Operação Lava Jato poderá incluir o não cumprimento da referida pena imputada.

O pensamento de que “cometerei o crime, se for descoberto, basta delatar que serei premiado com punição mais branda” é perigoso, por isso, os acordos de colaboração devem envolver benefícios que garantam, de certa forma, uma punição severa ao delator também, para que não acabe por contribuir com a impunidade.

Sendo assim, o Procurador Paulo Roberto Galvão de Carvalho, em entrevista dada à DW Brasil (WELLE, 2015), afirma:

... a delação premiada acarreta um custo para a sociedade porque uma pessoa deixa de ser punida ou recebe uma punição menor. Por isso, ela tem que gerar um benefício para a sociedade que seja muito maior do que esse custo. Então exigimos, em primeiro lugar, que a pessoa venha e confesse todos seus crimes. Em segundo, que ela pague um montante grande a título de ressarcimento dos prejuízos que

causou e, o mais importante, que ela seja útil para as investigações, quer dizer, que sua delação amplie as investigações por meio de novas provas sobre pessoas e esquemas. Isso porque a ideia por trás disso é que deixamos de pegar um peixe menor para poder pegar ou um peixe maior ou vários outros peixes.

Ou seja, apesar da delação premiada ensejar na não punição ou na punição mais branda do delator, tem o poder, também, de minimizar a impunidade, vez que atinge criminosos que se valeriam da "lei do silêncio" reinante nas organizações criminosas e do poder que detêm para escapar da aplicação da lei penal.

No mais, a delação premiada não deve ser banalizada ou questionada quanto à sua eficiência. Se aplicada cautelosamente, com observância aos requisitos previstos em lei, e com provas de corroboração, será um instrumento forte e eficaz no combate à crimes graves.