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4 A DELAÇÃO PREMIADA COMO MECANISMO DE COMBATE À

4.2 Casos de aplicação do instituto

4.2.1 Mensalão

O “Mensalão”, como ficou conhecido o escândalo de corrupção que ocorreu entre 2005 e 2006 no primeiro mandato do governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores), consistia na compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional, com pagamento mensal (daí o nome mensalão), em troca de apoio político nas matérias tidas como especialmente relevantes pelos líderes criminosos.

Já havia rumores desta “venda” de votos por parte de deputados, mas nada fora comprovado até o esquema ser escancarado pelo então deputado federal pelo Rio de Janeiro e presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, em entrevista dada ao jornal Folha de São Paulo, no início de junho de 2005.

4.2.1.1 A origem e o funcionamento do Mensalão

Em maio de 2005 iniciou-se o escândalo, ao ser divulgada pela Revista Veja uma filmagem do diretor do Departamento de Contratação e Administração de Material da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Maurício Marinho, cobrando 3 mil reais de propina de empresários interessados em participar de licitação dos Correios para oferecer material de informática para a estatal.

Maurício explicava detalhadamente um esquema de fraude em licitações que tinha como objetivo abastecer o caixa de partidos políticos e que teria como chefe o já citado deputado federal Roberto Jefferson.

Marco Antônio Villa (2012, p. 10) explica melhor o que fora descoberto pela revista:

A denúncia da revista se assemelharia a outros tantos casos de corrupção, não fosse o fato de que, durante a conversa filmada pelos empresários, o funcionário tivesse citado o deputado Roberto Jefferson, do PTB-RJ, como fiador do esquema: ‘Ele me dá cobertura, fala comigo, não manda recado [...] eu não faço nada sem o consultar. Tem vez que ele vem do Rio de Janeiro só para acertar um negócio. Ele é doidão’. As declarações de Marinho detalhando como funcionava a arrecadação de recursos

ilícitos na estatal descortinavam não apenas o funcionamento de um vasto esquema de corrupção, que envolvia vários setores da estatal, como também trazia para o primeiro plano pessoas muito próximas ao presidente Lula e ao PT, como Roberto Jefferson, cujo partido fazia parte da base aliada do governo no Congresso Nacional.

Após a publicação do vídeo, acirraram-se os ânimos no Congresso Nacional a respeito da instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI) para investigar os fatos. Conforme artigo 58, §3º da Constituição Federal, a CPI só será instaurada pelas Casas, conjunta ou separadamente, mediante requerimento de 1/3 de seus membros, no entanto, a base aliada do governo era maioria no Congresso e se mantinha contra. Nesse sentido, Marco Antônio Villa (2012, p. 11):

A oposição estava fazendo o seu papel – o PT, em governos anteriores, a todo momento, pedia a abertura de CPMI ou recorria à Justiça. Do lado do governo, obviamente, todas as declarações apontavam no sentido contrário, tentando desqualificar a necessidade de uma CPMI. O deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara, gestão 2003-2004, chegou a questionar a veracidade da própria história relatada pela revista Veja (...) o ministro da Casa Civil José Dirceu disse que não via necessidade de prestar solidariedade ao deputado Roberto Jefferson, como pediam alguns líderes do PTB, nem concordava com a criação de uma CPMI para investigar as denúncias publicadas na véspera. ‘Não concordo com a CPMI porque todas essas providências já foram tomadas’, disse o ministro na ocasião, ao se referir às medidas tomadas pelo governo, como o afastamento de Maurício Marinho de suas funções e a abertura de inquérito por parte da Polícia Federal – estratégia do governo para se adiantar à movimentação da oposição e mostrar que a CPMI era desnecessária.

A imprensa “interferiu” mais uma vez ao publicar reportagem com a seguinte manchete: “Operação contra CPI envolve R$ 400 milhões em emendas”. Ou seja, segundo o jornal Folha de São Paulo, o governo estaria pagando essa quantia através de emendas ao orçamento para que o Congresso não instaurasse a CPI (MUSEU DA CORRUPÇÃO, 2015, online).

Diante disso, a base aliada ao governo se viu na obrigação de juntar-se à oposição. Roberto Jefferson, sentindo-se sem apoio e pressionado, pois o foco das acusações, além dele próprio, eram dirigentes dos Correios indicados pelo seu partido, resolveu denunciar, através de uma entrevista dada à Folha de São Paulo, em 6 de junho, um sistema ainda maior, o de compra de votos em busca de apoio parlamentar.

Segundo ele, o esquema tratava do pagamento mensal de cerca de 30 mil reais por integrantes do governo federal a parlamentares em troca de votos favoráveis aos Projetos de Lei apresentados ao Congresso Nacional. Roberto afirmou ainda que José Dirceu, então ministro-chefe da Casa Civil, liderava o esquema e quem distribuía os recursos era Delúbio Soares, tesoureiro do PT.

Após o surgimento de novas denúncias e de outros envolvidos no esquema, o Congresso Nacional resolveu instalar, no dia 9 de junho de 2005, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, conhecida como CPI da Compra de Votos, para investigar o pagamento de propinas aos deputados e que culminou na cassação do mandato de alguns envolvidos, como José Dirceu, Roberto Jefferson e Pedro Corrêa. Aqueles que julgaram que poderiam ser cassados optaram pela renúncia, como Valdemar Costa Neto, José Borba e Paulo Rocha.

Segundo o Ministério Público (2015, online), o esquema do mensalão era uma organização criminosa dividida em três núcleos: o político-partidário, publicitário e financeiro.

O primeiro núcleo, político partidário, era composto pelo alto escalão do Partido dos Trabalhadores: José Dirceu, ministro de um dos mais importantes ministérios do governo: a Casa Civil, sendo considerado também como o mentor da quadrilha; Delúbio Soares, Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores; Sílvio Pereira; e o então presidente do Partido dos Trabalhadores, deputado José Genoíno.

Tinha como função a compra de votos e ingresso de parlamentares do Poder Executivo e Legislativo em empresas públicas, bem como pagamentos ilegais aos líderes dos outros partidos, que não o PT, para aprovações de iniciativas e projetos de lei do governo que liderava o momento político.

O segundo núcleo era controlado pelo empresário Marcos Valério, responsável pela fonte de recursos financeiros, advindos de meios ilegais e que eram distribuídos aos partidos e aos políticos.

Este segundo núcleo não era composto apenas por Marcos Valério, mas por sócios e funcionários de suas empresas de publicidade, que desviavam recursos públicos através de contratos superfaturados ou até mesmo fictícios.

O angariamento de recursos se dava, também, através de empréstimos considerados falsos junto aos Bancos BMG e Rural (que figuravam no terceiro núcleo) em troca de benefícios advindos do governo federal, a aplicação de recursos de fundos de pensão nos bancos Rural e BMG (VILLA, 2012, p. 15).

O núcleo financeiro contava com pessoas de alto escalão em diversos bancos, como é o caso de presidente, vice-presidente e diretores do Banco Rural que concediam para o empresário Marcos Valério para futuro enriquecimento pessoal de membros das Casas do Senado e Câmara dos Deputados, bem como para custeio das despesas do PT.

Em março de 2006, foram apresentadas pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, ao Supremo Tribunal Federal 40 denúncias contra os envolvidos no esquema, dentre eles os diretores do banco BMG, os ex-dirigentes do partido José Genoíno e Delúbio Soares; Marcos Valério e sua mulher, Renilda Maria Santiago; além dos ex-sócios de Valério Ramon Hollerbach e Cristiano de Mello Paz e o advogado do publicitário, Rogério Lanza Tolentino.

Acusados de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, evasão ilegal de divisas, corrupção ativa e passiva e peculato, a denúncia foi recebido em 2007 pelo Supremo Tribunal Federal, que deu início a Ação Penal nº 470.

Em 2012, começa o julgamento e 25 pessoas são condenadas à perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, à cassação de aposentadoria, à multas, bem como à prisão.

Dentre os condenados estão José Dirceu, Genoíno e Delúbio por corrupção ativa; no núcleo do Banco Rural, Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane por gestão fraudulenta; Valdemar Costa Neto, José Borba, Bispo Rodrigues, Romeu Queiroz, Pedro Corrêa e Roberto Jefferson por corrupção. Este último, por ter contribuído com as investigações, teve a pena reduzida e fixada em 7 anos e 14 dias em regime semiaberto (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2015, online).

4.2.1.2 A delação premiada no mensalão

Em razão da ausência de uma legislação que dispusesse a respeito do instituto de forma mais completa, a delação premiada foi pouco utilizada nas investigações do caso em questão.

A descoberta do esquema se deu por uma vingança política do deputado federal Roberto Jefferson, que ficou conhecido como “delator do mensalão”. Apesar de ter feito as denúncias informalmente através da imprensa, ao serem deflagradas as investigações, Roberto reiterou e judicializou todas as denúncias, se dispôs a colaborar com a justiça, prestando esclarecimentos, fornecendo informações de que tinha conhecimento e, principalmente, provando o que fora dito.

Conforme trecho do acórdão de julgamento da Ação Penal 470, do voto do Ministro Luiz Fux (p. 4115):

O réu Roberto Jefferson, desde a divulgação do chamado “escândalo dos Correios” na imprensa, sempre demonstrou inabalável disposição de relatar todos os delitos

subjacentes ao pagamento de propina feito a funcionário da EBCT, conforme flagrado em gravação de vídeo. Não fosse a indispensável colaboração do denunciado Roberto Jefferson para a persecução penal, de forma absolutamente voluntária, os demais crimes e seus coautores jamais seriam descobertos pelas autoridades de controle. As informações declinadas pelo aludido acusado foram essenciais para a própria existência do presente julgamento, e, por isso, é de rigor agraciá- lo com o benefício legal da redução de pena, conforme disposto no art. 14 da Lei nº 9.807/99.

(STF, AP 470/MG, Relator: Ministro Joaquim Barbosa, Julgamento: 17/12/12, Publicação DJe: 22/04/13)

Apesar de não querer formalizar um acordo de colaboração com o Ministério Público, por não querer ser visto como delator, Roberto, em seus depoimentos, identificou outros participantes e esclareceu a forma como se dava o esquema, contribuindo de forma eficaz para as investigações. Assim, o Supremo Tribunal Federal entendeu estarem presentes os requisitos para aplicação da delação premiada, reconhecendo sua delação a fim de que lhe seja atribuído um dos prêmios previstos, qual seja, o da redução de pena, sendo condenado à 7 anos e 14 dias de prisão em regime semiaberto.

Além do ex-deputado federal, outros dois acusados foram beneficiados com o instituto em ação criminal aberta como desdobramento do mensalão, Lúcio Bolonha Funaro e José Carlos Batista. Segundo a denúncia feita pelo Ministério Público, Lúcio e José, juntamente com Valdemar Costa Neto e Antônio Lamas, teriam criado um sistema de ocultação, dissimulação e movimentação de recursos oriundos de crimes contra a administração pública.

Os valores advindos de pagamentos realizados por líderes do PT à Costa Neto em troca de apoio político eram repassados por meio de uma conta bancária aberta em nome da empresa de fachada Guaranhuns Empreendimentos, que tinha como donos os dois delatores. Além disso, havia também, segundo a denúncia, transferências bancárias em nome de empresas de Marcos Valério.

Diante disso, Lúcio Bolonha celebrou acordo de colaboração com o Ministério Público, confessando a prática dos crimes de lavagem de dinheiro contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional e fornecendo informações e documentos de transações financeiras da sua empresa que, inclusive, comprovavam a prática de outros delitos e confirmavam a participação de Costa Neto acusado e condenado na Ação Penal 470. José Carlos também colaborou. Em razão disso, o juiz concedeu o perdão judicial para ambos, que foram excluídos da referida ação penal.

O acusado e condenado à 40 anos de prisão, Marcos Valério, também propôs acordo de colaboração premiada à Procuradoria, se dispondo a esclarecer a participação do

ex-Presidente Lula e do ex-ministro Antônio Palocci, bem como delatar mais remessas de dinheiro para o exterior.

No entanto, segundo seu advogado em entrevista dada ao jornal eletrônico O Estadão (GALHARDO, 2015), “A Procuradoria-Geral não aceitou a delação. Se aceitasse, haveria muito mais informação e isso poderia com certeza dar outro rumo ao caso, implicando inclusive pessoas que hoje estão envolvidas no que está acontecendo aí”.

O Procurador-geral à época, Antônio Fernando de Souza confirma que Valério propôs a delação, mas explica que não havia nada que comprovasse o que queria denunciar, não podendo ser aceita delação sem provas de corroboração.

Apesar de não ter sido muito utilizada, a delação ajudou na elucidação do caso Mensalão, que se tornou um marco na história do país ao evidenciar a participação de pessoas do alto escalão da política brasileira que foram verdadeiramente julgadas e punidas. Talvez, se a delação tivesse sido mais utilizada, teria sido possibilitada a recuperação do produto do crime e até a identificação e a comprovação da participação de mais pessoas, mas não foi o caso.

Apesar das discrepâncias nas condenações de políticos, que já estão fora da prisão, e de empresários e operadores, que ainda cumprem pena, o Mensalão fez com que esses criminosos perdessem a certeza da impunidade e, além de tudo, proporcionou novas concepções ao instituto da delação premiada, que não era bem vista, inclusive, pelos próprios acusados, e que passou a ser mais utilizada posteriormente.