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A democracia participativa: pontos para debates

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1.7. A democracia participativa: pontos para debates

O debate contemporâneo em torno da democracia participativa, mediante ampliação do envolvimento da sociedade civil e do alargamento dos espaços públicos, vem se caracterizando como contraproposta aos modelos excludentes de democracias eleitoreiras e das teorias reducionistas que tendem a interpretar e defendê-la de maneira incondicional aos procedimentos formais da representatividade, tendo como fator essencial a eleição por meio do voto.

A negação por esse modelo de democracia pautada nos princípios liberais tem sido uma constância nos discursos contra-hegemônicos que defendem, cada vez mais, a distribuição do poder nas sociedades contemporâneas. Pressões essas que tiveram origem, principalmente, nos diferentes segmentos sociais que nunca tiveram acesso a políticas públicas. Segundo Santos e Avritez (2005b), essa busca das camadas populares por inclusão nos processos participativos e decisórios fez com que as concepções de democracia que vigoraram ao longo da segunda metade do século XX fossem questionadas por sua inoperância diante das expectativas e necessidades dos novos protagonistas sociais emergentes, contribuindo para que os processos de democratização em curso na América Latina possibilitassem “inserir novos atores na cena política, instaurar uma disputa pelo significado de democracia e pela constituição de uma nova gramática social” (Id. p. 54).

Com isso, cria-se uma tensão entre a democracia representativa e a democracia participativa, entre procedimento e participação social, posto que as reivindicações por parte da sociedade civil passaram a demandar uma redefinição da própria esfera do Estado, colocando-o como um Estado experimental (SANTOS 2000).

É inegável que a própria CF de 1988 possibilitou o aprofundamento da democracia participativa quando estabelece regras de institucionalidade bem definidas para que os mecanismos de participação viessem a se tornar realidade.

Outro aspecto que, sob o ponto de vista legal, abriu caminhos para a construção de experiências administrativas democráticas foi o fato de essa Lei Magna ter proporcionado a autonomia jurídico-política e financeira dos municípios, expressando alterações substanciais na forma de perceber a política no âmbito local, pois de acordo com Costa (1996, p. 116), diferente das anteriores, proporcionou “visibilidade do que antes era percebido como passivo, pelos estudos e imagens do local: a pluralidade de atores sociais e políticos que compõem a vida local”.

O fato é que toda essa reforma no Brasil postulou às municipalidades a denominação de novos protagonistas diante do processo de globalização, passando a configurar como locus estratégico para a promoção do desenvolvimento econômico e social. Nessa perspectiva, as localidades são convocadas a buscar soluções para os diversos problemas que afetam seus contextos, ocasionados tanto pela racionalização por parte do governo federal das políticas sociais, quanto pela ocupação desordenada dos centros urbanos impulsionada pela continuação do processo de urbanização. Ao mesmo tempo, também são responsabilizadas pela articulação entre a administração pública, os agentes econômicos políticos e privados e a sociedade civil, inserindo-se nessa dimensão a questão do empreendedorismo urbano, o planejamento estratégico, a competitividade empresarial, os quais exigem das gestões públicas locais ações mediadoras entre os diversos segmentos presentes no cenário local16.

Dito isso, percebe-se que as reformas institucionais que vêm ocorrendo no Brasil visando o fortalecimento da autonomia municipal têm convergido para a redefinição das práticas gestionárias das políticas públicas no plano local, acirrando o debate sobre o “exercício de um bom governo”, segundo aponta Santos Júnior (2001, p. 54), sinalizando na

16Como esse não é o principal foco de interesse nesse momento, coloco aqui essas questões somente com o intuito de situar as discussões que o próprio tema do poder local projeta. Contudo, é certo atentar para o fato de que as grandes cidades, após a reforma municipal no Brasil, passaram a responder por demandas sociais, políticas e econômicas, funcionando como uma espécie de ponte entre o Estado, a Sociedade Civil e o Mercado, entre o setor público e o setor privado. Daí estarem presentes nas agendas neoliberal, uma vez que ao serem percebidas como protagonistas potencias para o desenvolvimento local, são alvos constantes das empresas internacionais, o que tem gerado um profundo processo de competitividades entre as administrações públicas na busca de capitação dos recursos fiscais. Isso tem contribuído para um triste cenário, haja vista que ao se comprometerem com as políticas predatórias neoliberais, as questões sociais podem ser secundarizadas, comprometendo os direitos sociais de seus cidadãos. Para um aprofundamento maior sobre discussão consultar Santos Junior (2001) e Dowbor (2003).

direção “tanto da normalização institucional requerida pelas reformas institucionais quanto à coordenação dos atores políticos”.

Esse autor considera ainda, que a busca pela boa governança remete ainda a outras demandas “vinculadas às transformações nas instituições do governo local, de modo a captar a emergência de novas formas de governo que articulam diversos processos políticos e administrativos” (Id. 2001, p. 59). Nessa direção, argumenta que o próprio conceito de governança aponta necessariamente ao funcionamento dos regimes democráticos a partir de três processos atrelados a essa temática:

(i) o declínio das instituições políticas de representação de interesses tradicionais; (ii) a emergência de uma nova cultura política ligada à multiplicidade de atores sociais com a presença na cena política; e (iii) a emergência de um novo regime de ação pública, decorrente do novo papel exercido pelo poder público e pelos atores sociais, que exigisse a reconfiguração dos mecanismos e processos de tomadas de decisão (Ibid., p. 59).

A concepção de governança apontada por Santo Júnior (Ibid., p. 61) “interação entre governo e sociedade no contexto das transformações sociais e econômicas das sociedades democráticas” parece apropriada pelo autor para analisar as mudanças nas instituições do poder local atualmente em curso no Brasil. Isso porque essa compreensão possibilita um deslocamento da ação governamental sobre os governados, ou seja, de sua capacidade governativa de gestão para uma relação de cooperação e conflitos entre os diversos segmentos e atores, visando a participação coletiva nos processos decisórios de gestão local, ou nas palavras do autor:

A noção de governança sugere que a capacidade de governar não está unicamente ligada ao aparato institucional formal, mas supõe a construção de coalizões entre os atores sociais, construídas em função de diversos fatores, tais como a interação entre as diversas categorias de atores, as orientações ideológicas e os recursos disponíveis (Id., 2001, p.60, grifos meus).

Compreendemos que não há como negar que a valorização e a ressignificação das municipalidades trouxeram à tona o reconhecimento e o declínio das tradicionais instituições

políticas de representação, ao mesmo tempo em que favorece o redimensionamento do papel do poder público e dos atores sociais, o que exige uma reflexão acerca da questão da institucionalidade democrática, ou seja, dos novos arranjos institucionais que pronunciam a relação entre o governo e sociedade no plano local.

Também acreditamos que os desdobramentos desse jogo político engendrado pelo intermédio das determinações constitucionais impulsionaram uma reelaboração e uma afirmação dos temas da democracia participativa e da inclusão social dos atores sociais até então marginalizados nos processos decisórios, fazendo com que a democracia constitui ter valor estratégico, de “referência básica nos níveis prático e teórico – donde a recorrência das idéias de direito e cidadania” (DANIEL, 1994, p.22).

Neste ponto, recorremos ao trabalho de Guillermo O’Donnell (1999), em que trata da teoria democrática, elaborando uma reflexão bastante instigante sobre as características essenciais de um regime democrático e das conexões entre democracia, alguns aspectos do Estado e o conjunto do contexto social, abordando assim, suas definições atuais no cenário das emergências das novas democracias.

O autor parte da premissa de que as teorias democráticas correntes precisam assentar- se em uma perspectiva analítica-histórica, consensual e legal, o que possibilita a criação de instrumentos conceituais adequados à própria definição do regime democrático. Com isso, supera uma visão minimalista e processual de democracia e propõe uma definição realista e restritiva, onde “o regime democrático consiste de eleições competitivas e institucionalizadas, acompanhadas de algumas liberdades políticas” (Id., 1999, p. 597).

Nessa linha de raciocínio, o autor permite a percepção de que a realização de eleições não é suficiente para tornar democrático um regime político. Para tanto, ressalta que as eleições necessitam ser regulares, limpas, institucionalizadas e competitivas, ou seja, elas devem reunir “as condições de ser livres, isentas, igualitárias, decisivas e includentes” (Ibid., p. 589).

Daí que, a legitimidade de um sistema político constituído por intermédio de setores institucionais, históricos e culturais, e sua credibilidade pela população representam condições essenciais para a constituição de normas e valores de adesão à democracia, ao credenciarem o regime democrático não como um ente monolítico alicerçado em procedimentos formais de processos eleitorais livres, que secundariza a participação efetiva da comunidade, mas como um regime capaz de assegurar os direitos políticos e civis de seus cidadãos.

A existência de confiança não somente cria uma atmosfera de credibilidade e, conseqüentemente, de legitimidade, como ainda fortalece o contrato social. A ausência desses

elementos gera tensão permanente e instabilidade na sociedade, que no máximo pode aspirar um modelo de democracia instável em que mecanismos da arquitetura institucional parecem medidas casuísticas e descontextualizadas (BAQUERO, 2003).

Com a intenção de complementar sua definição, O’Donnell (1999) ressalta ainda a importância da existência de um conjunto de liberdades básicas e dos direitos políticos para assegurar a realização das eleições em um regime democrático ou poliárquico, termos utilizados como sinônimos pelo autor, com o mesmo sentido, embora reconheça que as liberdades políticas apresentem limites externos e internos, por conta de suas dimensões se basearem em juízos de valor indutivo. Por isso, argumenta que ao invés de se ambicionar instituir “artificialmente os limites internos dessas liberdades, um caminho mais proveitoso consiste em estudar teoricamente as razões e implicações desse enigma” (Id. 1999, p. 594).

A partir desse entendimento, evidencia sua preocupação em estabelecer uma definição restritiva e realista de regime democrático por intermédio de critérios teóricos claros e sólidos, os quais favorecem suas análises empíricas, uma vez que não se limita a perceber as eleições competitivas como único elemento específico da democracia, o que suprime seu caráter minimalista. Desse modo, sua proposta de análise configura-se como sendo realista; ao mesmo tempo em que é considerada restritiva porque não admite a inclusão de uma lista extensa e detalhada das liberdades essenciais, o que inevitavelmente acabaria tornando sua definição imprecisa e analiticamente estéril. Nessa perspectiva, nas palavras de O’Donnell (Ibid.587, p.) “uma definição realista e restritiva, ou democracia política ou regime democrático, delimita um espaço empírico e analítico que permite distinguir esse tipo de regime de outros, com conseqüências normativas, práticas e teóricas”.

Para que o regime democrático garanta sua legitimação, precisa-se considerar dois aspectos essenciais: primeiro, trata-se de um regime representativo de governo que tem como único procedimento o acesso pela via das eleições competitivas e institucionalizadas, o que remete ao direito de votar e ser votado; segundo, trata-se de um regime onde o sistema legal deve assegurar algumas liberdades e direitos fundamentais, os quais definem e estabelecem a cidadania política, tendo como base a constituição de agentes, concebidos como alguém “dotado de razão prática, ou seja, que faz uso de sua capacidade cognitiva e motivacional para tomar decisões racionais em termos de sua situação e de seus objetivos, e dos quais, salvo prova conclusiva em contrário, é considerado o melhor juiz” (Id. 1999, p. 603).

Essas mesmas liberdades políticas são partes integrantes também dos direitos subjetivos e civis atribuído pelo sistema legal, cuja base é a percepção de um indivíduo como sujeito jurídico, constituído de direitos. Nesse sentido, a cidadania política é inerente aos

direitos civis e sociais historicamente conquistados bem antes da democracia entrar em cena, o que leva a perceber que a relação entre cidadania política e cidadania civil há uma “conexão histórica, jurídica e conceitual muito mais íntima do que reconhecem muitas teorias de democracia realistas ou não” (Ibid., p. 610).

Todas essas discussões em torno da expansão e atribuição dos direitos subjetivos em um regime democrático, refletem uma ligação ulterior com as desigualdades sociais, pois não é possível separar a cidadania política da cidadania civil e social. Essa indissociabilidade, segundo O’Donnell (Ibid.), remete à questão da existência e a garantia de acesso a esses direitos, sem os quais há o risco de supressão da própria participação, fragilizando assim a dinâmica democrática, posto que a própria dimensão indecidível e os limites internos e externos das liberdades políticas e das disputas convencionais que se estabelecem na esfera pública, onde se verificam múltiplos espaços de disputas em torno da definição de agency, tanto podem fortalecer tais direitos quanto pode enfraquecê-los ou suprimí-los.

Nesse sentido, esse teórico defende a necessidade de análises e avaliações acerca dos diferentes graus e dos tipos de democracias existentes. Isso se faz indispensável, principalmente no contexto das novas democracias, por conta dos problemas que lhes são intrínsecos, isto é, das desigualdades sociais, do problema da miséria e do temor da violência, haja vista que a presença de tais distúrbios “impedem a existência ou o exercício de aspectos básicos da agency, inclusive a disponibilidade de opções e mecanismos compatíveis com ela” (Id. 1999, p. 625). Aspectos muito bem observados por Santos Júnior (2001), quando defende que tais elementos são imprescindíveis para descortinar a causa de muitos problemas na democracia no cenário brasileiro e compreender as atribuições do poder local no contexto das reformas municipais que vêm ocorrendo no país.

Há de se considerar, entretanto, que o regime democrático, na concepção de O’Donnell (op. cit.), não está desvinculado das variáveis legais, econômicas e sociais. Ao contrário, seu próprio entendimento de democracia configura a compreensão de que a dinâmica democrática está inseparada dos contextos históricos, socioculturais e estágio atual de cada região. Isso faz com que não haja uma garantia dos direitos per se nesse tipo de sistema, já que pode haver uma disfunção entre os direitos subjetivos e o tecido social, entre as relações de interesse do estado com a sociedade civil, ou seja, “a cidadania política pode ser implantada em meio a uma cidadania civil fraca ou extremamente injusta, para não falar do problema mais grave dos direitos sociais” (Ibid., p. 616).

Apresentada nesses termos, observa-se que a questão da democracia não é algo tão linear, muito menos a garantia de que um regime dito democrático, amparado nas eleições

diretas, em instituições políticas e sociais representativas do poder não é suficiente para assegurar a participação cidadã, muito menos a horizontalidade do exercício do poder. Na verdade, trata-se de desmistificar a idéia de que a democracia reduz-se apenas ao método processual de eleições periódicas, fazendo com que sua essência, a participação cívica, por meio dos direitos e liberdades políticas seja suprimida e esvaziada de seu teor crítico (BAQUERO, 2003).

Acreditando que a democracia é uma competição pelo exercício do poder e da liderança, por isso não se trata de um campo harmônico, mas de uma arena onde se travam disputas, operam articulações entre os sujeitos portadores de direitos e o governo, reconhecemos a importância da esfera pública como mecanismo basilar para discutir e reivindicar os processos de democratização da sociedade, entendida aqui como

“[...] uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos” (HABERMAS apud SANTOS JÚNIOR, 2001, p. 83).

A esfera pública que tem como base a própria sociedade civil, a qual distingue-se tanto da administração pública quanto do sistema econômico, e constitui palcos em que se configuram representantes dos diferentes atores e interesses sociais materializados sob forma de conselhos, organizações, reuniões, assembléias, fóruns, dentre outros.

Nessa dimensão, entende-se que as decisões para serem consideradas legítimas, necessitam impreterivelmente, partir da sociedade civil e encaminhar para as instituições políticas representativas, o que permite vislumbrar com toda clareza que a democracia demanda “a existência de uma sociedade civil democrática autônoma e de uma esfera pública capaz de gerar a formação democrática da opinião e da vontade” (Ibid. p. 84).

Em outras palavras, a esfera pública consegue alterar as relações de poder e modos de regulação de conflitos, podendo ser capaz ainda de introduzir um novo comportamento político através da articulação de redes sociais, possibilitando o protagonismo e a construção de uma comunidade cívica, caracterizada “por cidadãos atuantes e imbuídos de espírito público, por relações políticas igualitárias, por uma estrutura social firmada na confiança e na colaboração” (PUTNAM, 1996, p. 31).

O aprofundamento da democracia em torno da democracia direta e participativa significa maior intervenção, presença, poder dos grupos populares alternativos buscando, por

meio de ações coletivas e solidárias, contrapor-se à hegemonia das elites dominantes, refletindo assim, um campo de competição pela hegemonia cultural e política com vistas a acumular forças e transformando o estado, alterando sua estrutura e orientação conservadora.

1.8. A Participação como elemento mediador no processo de democratização da gestão

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