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Tecendo Redes: mapeando e cruzando as possibilidades de diálogos e articulações entre o poder local e a SEMEC.

OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA GESTÃO POLÍTICO-EDUCATIVA: DESCORTINANDO AS TRAMAS E REDES RELACIONAIS NO CONTEXTO

2.6. Tecendo Redes: mapeando e cruzando as possibilidades de diálogos e articulações entre o poder local e a SEMEC.

Considerando a dinâmica existente na gestão da educação municipal e sua relação como o poder local, bem como a complexidade de ações necessárias aos seus desdobramentos, focalizamos aqui as redes de relações que envolvem diferentes atores sociais em uma imbricada estrutura de poder, implicando tensões, conflitos e alianças que se estabelecem entre os protagonistas, as quais podem se converter em um cruzamento de práticas e condutas solidárias e transformadoras ou em um conjunto vazio, apático e de desencanto carregado de valores corporativistas e clientelistas que engessam o próprio sentido de mobilização dos envolvidos.

Embora o termo rede não seja tão recente, este adquiriu o status de conceito-chave a partir da primeira metade do século XIX, porém, foi somente no século passado que houve uma difusão da noção de rede, resultando uma multiplicidade de usos e sentido. Desse modo, o termo “rede”, segundo aponta Dias (2005), pode guardar em si diversas significações, evocando desde a noção de sistema de comunicações e sua relação com a circulação de crédito, de tecnologias, de capitais e mercadorias; até a preocupação com a integração e

planejamento do espaço territorial; com o sistema de fluxos de informações e de poder, ou em suas palavras,

Os fluxos, de todo tipo – das mercadorias às informações pressupõem a existência de redes. A primeira propriedade das redes é a conexidade – qualidade de conexo –, que tem ou em que há conexão, ligação. Os nós das redes são assim lugares de conexões, lugares de poder e de referência, [...]. É antes de tudo pela conexidade que a rede solidariza os elementos. Mas ao mesmo tempo em que tem o potencial de solidarizar, de conectar, também de exclui. (Ibid., p. 148).

Ao tratar sobre rede, Santos (1996) destaca a polissemia desse vocábulo, sendo esta decorrente da idéia que a tudo invade e a tudo adere, gerando imprecisões e ambigüidades. Por conta da multiplicidade de conceituação acerca do temo, esse autor considera a existência de duas grandes matrizes: uma que enfatiza a realidade material, e outra, o aspecto social. Sobre isso, se posiciona da seguinte forma: “Mas a rede é também social e política, pelas pessoas, mensagens, valores que a freqüentam. Sem isso, e a despeito da materialidade com que se impõe aos nossos sentidos, a rede é, na verdade, uma mera abstração” (Ibid. p. 209).

No plano das redes sociais, Santos (op. cit) aponta que pelo fato de estas expressarem um movimento dialético, os fluxos entre os pontos que as formam, é perpassado pela questão do poder, dando-lhes um caráter de não uniformidade, visto que:

Num mesmo subespaço, há uma superposição de redes, que inclui redes principais e redes afluentes ou tributárias, constelações de pontos e traçados de linhas. Levando-se em conta seu aproveitamento social, registram-se desigualdades no uso e é diverso o papel dos agentes no processo de controle, de regulação do seu funcionamento (Id. p. 214).

Para Villasante (2002), a análise de redes apresenta a dialeticidade a partir dos diferentes tipos possíveis de conjuntos, sobre os quais os indivíduos se baseiam, onde observa os vínculos de comunicação, as relações internas e suas dinâmicas, ou seja, centra suas atenções no tipo de relações que se produzem ou que estão se produzindo nas estruturas das redes, ou com bem salienta:

A análise das redes de comunicação, de vínculos internos e de conjuntos de ação preocupa-se mais com as relações dinâmicas do sistema, do “nós”; e também do ecossistema externo, do “eles”. E, sobretudo, quais podem ser as suas dialéticas para, a partir daí, enfocar as diversas problemáticas (VILLASANTE, 2002, p. 87).

Para esse autor, a preocupação da análise das redes precisa ser a apreensão em construir a realidade social com os elementos dos quais partimos, ou seja, conhecer as disponibilidades, os vínculos externos aos grupos, nos sentido de entender como este foram se estabelecendo ao longo de suas vivências locais. Nessa direção, aponta que:

Por isso não interessa tanto o que dizem os nossos entrevistados, mas antes “como” o dizem, o que “contradizem” e o que “não dizem”, pois nessas manifestações estão ocultos esses conjuntos de “nós” e “eles”, de relações e vínculos, não só racionais como também afetivos, que foram se forjando em uma comunidade com a sua própria história. (Ibid. p.87).

É inegável que o estudo das redes coloca em evidência os elos informais, o instituído e o instituinte de uma dada realidade social, isto é, elas dão visibilidade à questão da alteridade, das relações sociais e de poder. Assim, podemos dizer que as redes necessitam de negociações, de debates, de processos interativos que permitam abrir novas possibilidades de dinamizar as relações e as ações entre os atores que dela fazem parte, bem como fortalecer ou fragilizar os vínculos com outras redes ou setores de base.

Para efeito de ampliar o debate, lembramos que o emprego da análise de redes em nossa pesquisa, permitiu que se discutissem os efeitos da complexa interdependência presente nos desdobramentos da política educacional e suas implicações sobre as ações e práticas dos atores sociais envolvidos em nossas investigações, considerando não apenas as ligações em torno desses protagonistas, mas também a estrutura dos vínculos e os tipos de relações que se estabelecem entre os mesmos.

Por se tratar de analisar um contexto em se institucionalizou uma política educacional por decisão da esfera do executivo municipal, a análise das redes nos possibilitou ainda abrir novos horizontes para o estudo do poder no Estado local, no sentido de desvelar como a existência de um dado contexto sócio-político pode determinar a existência de tensões,

influências e constrangimentos nas relações que vão se construindo entre os atores, ou seja, como os padrões de vínculo e as posições nas redes, ao propiciarem acesso diferenciado a informações e recursos, acaba tornando mais ou menos (im)prováveis alianças e coalizões estratégicas entre esse os grupos e redes que compõem o tecido social de uma localidade.

Destacamos isso, pois com a consagração dos municípios como entes federativos na CF de 1988, estes passaram a ocupar um papel estratégico e determinante nos processos decisórios e diretivos da gestão das políticas públicas desenvolvidas em âmbito local, podendo esta orientar-se tanto pela busca do aumento da participação direta da sociedade nas ações administrativas quanto regular e controlar a inserção e a intervenção dos atores sociais na cena política. Em outras palavras, dada sua relativa autonomia de governo, o dirigente municipal e seu secretariado podem “alargar ou mesmo restringir as condições de exercício efetivo dos direitos de cidadania, apesar do rol de direitos civis, sociais e políticos fundamentais ser definido pelo sistema legal em âmbito nacional” (SILVA JUNIOR, 2004, p. 16)

Tomando como exemplo a área da educação municipal, reconhecemos que no nível macro, há toda uma legislação que estabelece dispositivos legais e legítimos que direcionam e orientam os assuntos referentes às políticas educacionais. Porém, a materialização de tais diretrizes na esfera local é passível de alterações que podem ser decorrentes das interpretações dos responsáveis por essa área, da pressão de setores sociais, do tipo de relação e dialogicidade existente entre os gestores do município, dos sistemas e de seus respectivos setores que integram o poder local.

É a partir desses condicionantes que serão delimitados os conteúdos das políticas, o estilo de sua gestão e, ainda, o grau de envolvimento e participação da população.

Não querendo ser simplista nessa análise, o fato é que, em se tratando de programas educacionais e de sua gestão, não há como desconsiderar as relações e as estruturas de poder que se encontram presentes nas intenções, finalidades e que se evidenciam no processo de organização e operacionalização dos mesmos, podendo tanto configurar-se em práticas institucionais autoritárias, como em práticas democráticas e participativas.

Outrossim, importa salientar igualmente que, a despeito das diretrizes gerais e das estruturas rígidas e todo um aparato burocrático elaborado para dar forma e legitimidade às ações gestionárias, existe uma margem de temporidade entre o legal e o real, entre o que está prescrito e o que é executado.

Como já foi comentado, o envolvimento da comunidade escolar foi praticamente inexistente no período de implantação e nos desdobramentos das ações gestionárias do

programa educacional em Altamira e poucos foram os estímulos e espaços propiciados para que a participação se tornasse um elemento concreto na gestão da educação local.

Esta configurou-se em uma perspectiva denominada por Lima (2001) de formalista e passiva dos atores sociais devido à escassez de informações veiculadas pela SEMEC à sociedade. Pode-se dizer que esse distanciamento entre Secretaria e comunidade decorreu basicamente do fato de as decisões concentrarem-se mais no espaço desse órgão, por este apresentar um formato institucional centralizante e burocrático, o que indubitavelmente dificultou o engajamento daqueles sujeitos envolvidos mais diretamente no processo educativo.

Desse modo, na procura para identificar as estratégias e os vínculos institucionais criados pela SEMEC para oportunizar a participação da comunidade altamirense e possibilitar a democratização da educação local por meio do fortalecimento do diálogo com a sociedade, procuramos, na medida do possível, desvelar primeiramente como as dirigentes desse órgão têm procurado se articular com a sociedade local e como as relações entre os atores e lideranças sociais que participaram de nossas investigações (pais, alunos, professores, diretores, SINTEPP) foram se construindo no contexto educacional.

Com bases nessas prerrogativas, o envolvimento da comunidade local na gestão educacional foi mínimo, à medida que esta permaneceu à margem das decisões. O espaço proporcionado para oportunizar essa participação restringiu-se ao âmbito das escolas, porém, na esfera da Secretaria a abertura foi extremamente formal, limitada a conversas pontuais em torno de reivindicações com relação à ausência de professores, materiais pedagógicos, problemas pessoais, profissionais. Não que tais questões não tenham o seu valor e por isso devam ser secundarizadas, mas, quanto ao sentido de atuação política, de diálogos e debates coletivos e propositivo em busca de alternativas e melhorias qualitativas do processo educativo, esta pouco ocorreu, representando, portanto, ponto nevrálgico e contraditório nos próprios depoimentos.

Com base nessa proposição, passamos a mapear as relações que foram se construindo no campo da gestão da educação municipal ao longo do recorte temporal investigado no contexto de Altamira, ou seja, de 2001 a 2005, período que demarca duas gestões: em seu primeiro momento, a implantação do Programa Escola Campeã (2001-2004), e no segundo momento, a continuidade dessa política educacional, agora denominado de Programa Rede Vencer (a partir de 2005).

Diante disso, é importante ressaltar que a configuração das redes de relações que se apresentaram no período investigado, representa apenas um fragmento de uma totalidade

maior, posto que pelo alto grau de mutabilidade e dinamicidade que as redes possuem, estas continuam a se mobilizar, a estabelecer novos contatos com outras redes existentes nesse contexto, de modo a manter e estreitar os elos, ou a criar novos laços.

Assim, respeitando os limites deste estudo, mas buscando também uma compreensão das relações e dos campos de poder construídas no período que marca nossas investigações e no sentido de propiciar uma visualização, ainda que parcial, das condutas e estratégias dos sujeitos/atores que se fizeram presentes no cenário educacional, elaboramos os quadros que se seguem, como forma de tentar fazer esse mapeamento e apresentar nosso entendimento em relação a essa situação observada.

A primeira situação analisada, diz respeito ao momento de definição e implantação da política educacional em Altamira, aspecto considerando como marco para situar os papéis dos grupos no plano das decisões, por entendermos que nesse esquema, podemos perceber tanto a centralidade que um ou mais atores desempenharam, como a própria mobilidade de informações e contatos circularam pelo ambiente da rede. Aspectos esses, muitas determinantes para o próprio fortalecimento ou enfraquecimento dos elos que a compõe.

Com base nesse entendimento, podemos inferir que no momento de definição sobre a implantação da política educacional no município em 2001, conforme analisado no início deste capítulo, a decisão em firmar a parceria com o IAS partiu do prefeito da época se estendendo à Secretaria de Educação, fato que concorreu para que toda a sociedade local ficasse à margem dessa decisão. Estratégia essa que se repetiu novamente no ano de 2005, período que marcou sua continuidade no município.

Desse modo, é possível observar que os processos decisórios, bem como as informações ficaram centradas na figura do gestor municipal e das dirigentes da SEMEC, o que, sem dúvida alguma, contribui para a existência de uma rede com pouca articulação entre os grupos considerados na pesquisa, que para efeito de melhor compreensão, apresentamos da seguinte forma, nos respaldando em Villasante (2002): os representantes da imagem do poder, que correspondem aos atores (governo municipal e a SEMEC) que, de certa forma, estão com contatos em maior grau com o poder e com as informações e com os setores intermediários e de base, em menor grau; o grupo intermediário (SINTEPP e os diretores), segmentos que podem se relacionar com o grupo para cima com o poder (os dirigentes) e para baixo com a base, atuando como comunicadores e articuladores; e o grupo de setores de base (professores, pais e alunos), sujeitos esses que possuem distintas relações entre eles e para com os demais grupos, podendo retratar relações densas ou vazias.

Quadro 4 – Rede de Relações que marca a implantação da política educacional em Altamira

Nesse esquema proposto, observamos uma rede pouco dinâmica e com escasso fluxo de informações, fragilizando a ligação da rede em sua totalidade. Esse distanciamento dos demais atores e segmentos com relação à figura do governo municipal reflete a forma como a distribuição de poder, o privilégio das informações e o próprio papel que os grupos e seus respectivos sujeitos ocuparam e ocupam no campo da gestão educacional. Em outras palavras, o grupo de poder representado principalmente, pelo gestor municipal e em menor grau pela SEMEC, demonstra a centralidade que ocupam na definição, decisão e execução das ações educacionais, daí manterem uma relação densa, ou seja, de reciprocidade mútua,

SEMEC

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