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A desintegração da promessa integradora

No documento A crise da escola (páginas 94-97)

Pablo Gentili (1998) é autor que também se interessa pela dis- cussão aqui levantada. Sua tese é de que as reviravoltas do “mundo produtivo”, a nova etapa da acumulação capitalista atinge em cheio a função da escola, no sentido de que agora ela não mais formaria para o emprego, mas para o desemprego. Para Gentili,

[...] na atual conjuntura do desenvolvimento capitalista tem se produzido um deslocamento da ênfase na função da escola como âmbito de formação para o emprego (promessa que justiicou, em parte, a expansão dos sistemas educacionais durante o século XX) para uma nem sempre declarada ênfase no papel que a mesma deve desempenhar na formação para o desemprego (GENTILI, 1998, p. 78).

Gentili é mais um autor para quem o problema atual da educação refere-se a uma transição entre dois momentos distintos: um, em que havia uma situação de expansão capitalista, à qual correspondia uma condição igualmente favorável na esfera da educação; e outro, o período de crise, em que há uma profunda inversão dos indicadores econômicos e se atinge a “prosperidade” da educação. Esses dois momentos cor- respondem, em Gentili, respectivamente, ao momento de airmação da promessa integradora, digamos assim, e ao momento da desintegração da promessa integradora.

O caráter integrador da escola se apresenta em quatro sentidos: o da esfera civil, da política, da integração social e das relações eco- nômicas sendo que, no entendimento de Gentili, de um ponto de vista cronológico, “a natureza integradora da escola na dimensão econômica foi a última a ser destacada” (GENTILI, 1998, p. 79). A tal promessa

integradora, segundo Gentili, é parte do imaginário do liberalismo e conheceu seu apogeu no Pós-Segunda Guerra entre 1950 e 1973.

Foi então a crise que se abateu sobre a economia capitalista em nível mundial que realizou a desintegração da promessa integradora. A ruptura com as condições econômicas outrora existentes de altas taxas de crescimento, de planejamento econômico, de quase pleno emprego – muito embora isto tenha composto um quadro de realidade circunscrito aos países desenvolvidos – foi essa ruptura que operou a desintegração daquela promessa.

Para Gentili, foi naquele período de expansão que se estabeleceu com força o caráter integrador da escolaridade do ponto de vista eco- nômico. Por um lado, a realidade do pleno emprego apoiava-se em três condições: a forte presença do Estado de bem-estar no planejamento, ad- ministração e modernização econômica; no fabuloso desenvolvimento tecnológico; e no aumento dos índices de escolaridade da população.

Por outro lado, a educação era necessária tanto para o mercado de trabalho, na medida da qualiicação de mão de obra, quanto para o Estado, como gerenciador do desenvolvimento; para as empresas, que precisavam da mão de obra qualiicada; consequentemente, para as próprias instituições escolares, sindicatos e indivíduos em geral, na medida em que a educação signiicava melhorar as condições de vida e trabalho.

Foi neste período, de 1950 a 1973, que se deu, real e efetiva- mente, a prosperidade da educação. “Nesse contexto, a desconiança sobre o caráter integrador da escola pareceria, no mínimo, uma excen- tricidade intelectual” (GENTILI, 1998, p. 85).

A partir de 1973, terá início uma nova fase do desenvolvimento capitalista, marcado por altas taxas de inlação, acompanhadas por queda dos índices de crescimento (estaglação), e crescimento do de- semprego, como elemento constituidor dessa nova fase de desenvolvi- mento. Consequentemente, para Gentili:

A desintegração da promessa integradora da escolaridade no campo econômico deve ser entendida, em parte, como produto

dessa dinâmica que começou a regular o desenvolvimento da economia-mundo capitalista nas décadas que antecederam a vi- rada do Breve Século XX (GENTILI, 1998, p. 89).

Desse modo, a educação, que se desenvolvia em função de uma conjuntura econômica e social bastante ampla, cujos interesses situ- avam-se na esfera do público, sofria sua guinada na direção do privado: “Nesse marco neoliberal produziu-se a citada privatização da função econômica atribuída à escola, uma das dimensões centrais que deinem a própria desintegração do direito à educação” (GENTILI, 1998, p. 89).

O aspecto central da reviravolta ocorrida na educação, no enten- dimento de Gentili, foi a “privatização da promessa integradora”, que consiste na passagem da

Lógica da integração em função de necessidades e demandas de caráter coletivo (a economia nacional, a competitividade das em- presas, a riqueza social etc.), a uma lógica econômica estritamente privada e guiada pela ênfase nas capacidades e competências que cada pessoa deve adquirir no mercado educacional para atingir uma melhor posição no mercado de trabalho (GENTILI, 1998, p. 81). Desta feita, a educação se organizará em face de um novo con- ceito, o da “empregabilidade”, num contexto em que o mercado de trabalho afunilado se apresenta como uma esfera que se autorregula, ou simplesmente se desregula, em oposição ao período em que plane- jamento e regulação eram tarefas do Estado; e, portanto, não há mais qualquer preocupação com demandas ou interesses públicos. Está, pois, na esfera privada o desenvolvimento das capacidades e competências e a aptidão para a competitividade, para a disputa de um posto de tra- balho: formação lexível para uma produção lexível e volátil.

No artigo que publicara em Pedagogia da exclusão, Gentili ana- lisa o mesmo processo destacando outros elementos, como a ofensiva neoliberal nos planos ideológico e cultural.

Vamos sustentar que a ofensiva neoliberal contra a escola pú- blica se veicula através de um conjunto medianamente regular e

estável de medidas políticas de caráter dualizante e, ao mesmo tempo, através de uma série de estratégias culturais dirigidas a quebrar a lógica do sentido sobre o qual esta escola (ou projeto de escola) adquire legibilidade para as maiorias. Nossa hipótese é a de que os regimes neoliberais atribuem a esta última di- mensão mais ênfase do que – em geral – se reconhece nas aná- lises críticas. Isto é, o neoliberalismo só consegue impor suas políticas antidemocráticas na medida em que consegue desinte-

grar culturalmente a possibilidade mesma de existência do di-

reito à educação (como direito social) e de um aparato institu- cional que tenda a garantir a concretização de tal direito: a

escola pública (GENTILI, 1995, p. 229-230).

A tentativa de Gentili é justamente de chamar a atenção para o fato de que o neoliberalismo não é um processo apenas econômico e político, mas, acima de tudo, uma ofensiva de caráter abrangente que, para lograr êxito na imposição das medidas austeras e antissociais, pre- cisa, antes de mais nada, de uma forte atuação nos campos ideológico e cultural. No entender do autor,

[...] o neoliberalismo expressa uma saída política, econômica, jurídica, e cultural especíica para crise hegemônica que começa a atravessar a economia do mundo capitalista como produto do esgotamento do regime de acumulação fordista iniciado a partir do im dos anos 60 e começo dos 70 (GENTILI, 1995, p. 230).

No documento A crise da escola (páginas 94-97)