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O im do New Deal e as reformas educacionais nos EUA

No documento A crise da escola (páginas 66-72)

A transição conservadora da escola de uma fase expansionista e inclinada a uma estruturação mais democrática para uma escola que motiva e é motivada pela competição e pela concorrência, em suma, que se adéqua a um entorno em que prevalecem os imperativos do mer- cado é também analisada por CARNOY e LEVIN (1987), observando o caso norte-americano.

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que a abordagem desses autores é colocada aqui por se referir a um movimento que se realizou na principal economia do mundo, por ser bastante representativa e pela contundência, apesar da época em que foi feita.

Estes autores vão buscar na análise dos processos econômico- -políticos da crise da década de 1970 os elementos para compreender aquela transição referida no parágrafo anterior.

Esta crise representa basicamente a ruptura com o New Deal, es- pécie particular (versão norte-americana) de pacto social entre o Estado, os trabalhadores e os capitalistas, que se fez possível num momento de altos índices de crescimento e de polarização entre os blocos capitalista e socialista da “guerra fria”. O New Deal foi possível, no im das contas,

porque “os lucros dos patrões permaneciam altos e permitiam que o in- vestimento de capital, que elevava a produtividade do trabalhador, com- pensasse os salários reais crescentes.” (CARNOY; LEVIN, 1987, p. 92). O Pós-Segunda Guerra, então, por uma série de fatores, deu um impulso maior ao desenvolvimento da educação norte-americana, que crescera junto com a industrialização daquele país. Para Carnoy; Levin

[...] a expansão educacional do pós-guerra13 fez parte da bem-

-sucedida luta da classe trabalhadora pelo aumento dos gastos com bem-estar social e por maiores salários. Ao mesmo tempo pelo próprio êxito dos acordos do New Deal, iniciou-se nos EUA um período de crescimento econômico muito irme e de grande consumo de massa. Os salários reais do trabalhador médio au- mentaram 60% entre 1948 e 1973. O maior nível educacional da força de trabalho foi considerado um fator importante para con- seguir maior produtividade e, em consequência, aqueles salários mais altos (CARNOY; LEVIN, 1987, p. 124).

Assim, como enfatizam os autores, a educação tomou parte na- quele processo expansionista do capital de diferentes formas: como elemento importante para o incremento da produção, como elemento da ideologia do crescimento e da “justiça social” e como fator de mobi- lidade social. Carnoy; Levin colocam que

[...] o papel da escola era mais do que apenas o de um meio de mobilidade individual; ela era elemento essencial na solução keynesiana para o desenvolvimento capitalista e fazia parte da participação da classe média e da classe trabalhadora no pro- cesso de crescimento. A educação secundária e a pós-secun- dária tornaram-se cada vez mais um bem de consumo, tanto quanto um investimento. A ideologia do crescimento e do maior consumo acabou por incluir a educação (CARNOY; LEVIN, 1987, p. 124).

13 “Entre 1950 e 1970, o gasto efeivo por aluno nas escolas primárias e secundárias, segundo a frequência média diária, subiu mais de 130%” (CARNOY; LEVIN, 1987, p. 120).

É justamente quando a economia começa a dar sinais de satu- ração, ou seja, quando o crescimento econômico entra em declínio que aquele pacto começa a ser rompido. O Estado endividado se vê sem forças para arcar com os custos sociais da forma como vinha fazendo, por sua vez, os salários se mantêm em elevados patamares. A ruptura deste pacto começa por força da iniciativa do capital que corre em busca de seus lucros corroídos pelo “paternalismo” do New Deal. “Ao con- trário do pós-guerra, quando os lucros cresciam mesmo com aumentos reais de salário, na década de 1970, vimos os patrões abandonarem o antigo acordo em sua essência em favor de uma redução dos salários reais” (CARNOY; LEVIN, 1987, p. 93).

Quando a crise atinge o coração do sistema, ou seja, os lucros, imediatamente os setores socialmente dominantes a quem cabem estes lucros reúnem forças a im de dar novos rumos à política econômica e repensar o papel do Estado.

A ascensão de Reagan signiicou exatamente a tomada nas mãos das rédeas do país pelos setores mais diretamente preocupados com a “salvação” da economia norte-americana, ou seja, os setores ligados aos interesses do grande capital.

As reformas advindas com esse processo são bem conhecidas: ataque aos salários e à organização sindical, corte de gastos públicos, aumento de impostos e desemprego. A economia não contava mais com as mesmas possibilidades, as quais permitiam ao Estado ampla margem de manobras. A expansão econômica do Pós-Segunda Guerra permitia ao Estado, não só no nível ideológico mas, principalmente, no nível material, cumprir, antes de mais nada, com a função de disfarçar as contradições sociais.

Um dos modos de cumprir esta função era por meio do Estado em- pregador. O Estado tentava atender as aspirações crescentes das classes trabalhadoras em busca de mobilidade social, de educação e emprego.

O crescimento do sistema escolar foi um fator especialmente importante do aumento do emprego público. A partir da Segunda Grande Guerra, o governo tem-se preocupado em empregar par-

cela crescente de graduados em escolas superiores, homens de grupos minoritários e mulheres – particularmente membros de minorias e mulheres, com educação superior – e, para casos se- melhantes, paga melhor a negros e mulheres do que o setor pri- vado (CARNOY; LEVIN, 1987).

Em linhas gerais, este movimento não é exclusivo da sociedade norte-americana: crise econômica, políticas conservadoras, austeri- dade, liquidação de direitos sociais que oneram o Estado, perseguição às organizações de trabalhadores e, no meio de tudo isso, reformas para a educação. Assim, não era difícil prever que:

Os interesses empresariais (iriam procurar), simultaneamente, reformar a educação no sentido de reduzir as expectativas dos estudantes ao graduar-se no secundário ou na faculdade e am- pliar o caráter ‘proissional’ da educação superior, para preparar os estudantes para os novos cargos rotinizados que irão ocupar (CARNOY; LEVIN, 1987, p. 91).

Os argumentos usados mais frequentemente pelas correntes conhecidas como neoliberais são os que apontam que o Estado faliu porque gastava acima de suas possibilidades; que os serviços perdiam qualidade porque o Estado era ineiciente; e que era preciso pagar mais impostos para recuperar a economia. Assim, para as classes médias, pegava bem o discurso da liberdade de escolha, já que elas não se dis- punham a pagar mais impostos para sustentar um sistema público de ensino cheio de minorias e sustentar pensões para pobres, negros e “inválidos”. Curiosamente, “no momento em que a geração do pós- -guerra começava a deixar as escolas, a classe média mostrava-se cada vez menos disposta a pagar por mais educação através dos impostos” (CARNOY; LEVIN, 1987, p. 93).

Para os autores, a expansão da escola nos EUA deveu-se à com- binação de dois fatores que, aliás, são os mesmos que, segundo os au- tores, compõem a dualidade da dinâmica da escola: de um lado, a escola se expandiu por obra da necessidade dos processos de produção, ou seja, como meio de formação de mão de obra para a indústria em cons-

tante mutação; e, de outro lado, a expansão da escola foi também resul- tado da pressão dos movimentos sociais dos trabalhadores em busca, imediatamente, de ascensão social.

A expansão da escola se realiza sob uma tensão entre duas fun- ções inerentes a esta instituição, isto é, ela tanto é fonte de democracia social como é reprodutora da produção capitalista. A expansão da es- cola no pós-guerra, portanto, assim como os diversos tipos de pactos sociais, o Estado de bem-estar, o New Deal etc., não pode ser vista unilateralmente, ou seja:

[...] a expansão da escola foi impulsionada tanto pelas reivindica- ções feitas ao Estado pela classe média e pela classe trabalhadora de maior participação nos frutos do desenvolvimento econômico, quanto pelo interesse dos empregadores em uma mão-de-obra socializada e treinável. Essa tensão entre a educação como fonte da democracia social e como reprodutora da produção capitalista é que encaramos como a dinâmica básica da expansão e da re- forma da escola (CARNOY; LEVIN, 1987, p. 102).

Os autores partem do pressuposto de que a dinâmica da escola comporta duas tendências que se alternam ao longo do seu desenvol- vimento, de acordo com a conjuntura político-econômica em que se encontra, quais sejam: uma tendência cuja função principal é a repro- dução das relações capitalistas e outra que se propõe a democratizar o saber e as oportunidades sociais.

Segundo esses autores, a escola se expandiu como parte de uma dinâmica histórica centrada na produção, em que a escola se encontrava entrelaçada ao mesmo tempo ao mundo do trabalho em mutação e às demandas por mobilidade social; é esta tensão que marca o desenvolvi- mento da escola. Com efeito:

Os conlitos a respeito da educação emergem dos conlitos sobre a direção do desenvolvimento capitalista, especialmente da dis- tribuição de seus benefícios. Tensões nas relações no local de trabalho e alterações na divisão do trabalho propõem novas exi- gências às escolas, como o fazem novos movimentos sociais que

se concentram cada vez mais nas escolas para oferecer mais amplo acesso a recursos e a direitos democráticos (CARNOY; LEVIN, 1987, p. 96).

A transição que estamos discutindo aqui é exemplar para ilustrar a airmação acima, pois se trata de dois momentos distintos em que, de um lado, encontramos um período de crescimento econômico, bai- xíssimo índice de desemprego, estabilidade social etc. e, de outro, um período em que se dá justamente o contrário, crise econômica, altas taxas de desemprego (agora com uma nova categoria de desemprego, de característica estrutural) etc. No primeiro momento, as pressões dos trabalhadores por direitos sociais e pela democratização da escola eram razoavelmente assimiladas pelo Estado; no segundo, a fúria do capital se volta contra tudo o que se coloca como empecilho à acumulação e submete a tudo e a todos os imperativos do mercado. É assim que os autores percebem que

Parte dessa investida, com a assistência direta de uma classe tra- balhadora frustrada, deu-se contra o sistema educacional. Na medida em que se cortaram os recursos para a educação, os grupos que contavam com uma melhora de acesso a melhores empregos foram cada vez mais sendo afastados desses em- pregos. Ao mesmo tempo, reduziu-se a disponibilidade de qual- quer espécie de trabalho membros de minorias, por meio de uma tradicional estratégia econômica conservadora de disciplinar a força de trabalho por meio de altas taxas de desemprego e de uma política anti-sindical. O efeito sobre as escolas das reduções nos gastos educacionais, do crescente desemprego e da queda do salário real foi o de reduzir o seu lado ‘democrático’ e torná-las, cada vez mais, orientadas no sentido de reproduzir as relações de produção capitalista e da divisão do trabalho (CARNOY; LEVIN, 1987, p. 95).

Numa palavra: a investida neoconservadora representou, dentre outras coisas, uma tentativa de restringir os aspectos democráticos da educação e ampliar a produção de habilidades pela escola dentro de uma estrutura mais estritamente reprodutiva da sociedade de classes. Nesta

situação, aqueles que puderem participar da “liberdade de escolha”, pa- garão por melhor educação, ao passo que aos demais sobrará a escola pública, com gastos por aluno correspondentemente mais baixos.

Assim, poderíamos concluir, a partir de Carnoy e Levin, que, no primeiro momento, na dinâmica da escola, prevaleceu seu papel mais voltado para a democratização das oportunidades, enquanto que, no se- gundo, ela está mais voltada para a tarefa de reprodução capitalista.

É preciso, todavia, perguntar: em que medida a escola do pri- meiro momento era tão mais democrática que reprodutivista, e em que medida a segunda é mais reprodutivista que democrática? Em verdade, trata-se de dois momentos bem distintos do desenvolvimento social e, consequentemente, de estados bem diferentes da educação.

As relexões de Carnoy e Levin, embora sejam da década de 1980, esboçam bem a transição da escola estadunidense e, mesmo sem aprofundar nas reformas implementadas, até porque o processo de re- formas ainda não estava suicientemente completado, nos ajudam a compreender a crise da escola em face da crise mais ampla da sociedade nos planos econômico e político.

No documento A crise da escola (páginas 66-72)