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A desregulação da escola

No documento A crise da escola (páginas 55-61)

Outra visão da crise da escola é a que analisa esse processo como a “desregulação da educação”, quando o sistema formal de educação dá mostras de que passa por profundas transformações. Esta perspectiva observa a crise da escola considerando-a como uma profunda incompa- tibilidade entre a escola e a atual forma societal, bem como entre aquela e o novo padrão de desenvolvimento tecnológico. Para Vásquez (1994), o sistema de escola tal como se construiu historicamente até hoje está em desacordo com os avanços tecnológicos, com as novas formas de organização do trabalho e com o próprio estágio da vida social em geral.

La escuela está afectada en el tiempo presente por una inadap- tación a las variaciones que se producen en su entorno, razón por la que se encuentra abocada a dos riesgos a cual más grave: la amenaza a su supervivencia o su progresiva rigidez y la incapacidad para atender a las nuevas demandas sociales y a la evolución tecnológico, laboral y cultural (VÁZQUEZ, 1994, p. 142).

O autor parte da constatação de que a escola se encontra em des- compasso com a realidade social da época postindustrial. Do ponto de vista especíico da relação entre a base tecnológica dos novos processos produtivos e o modo como se estrutura o ensino escolar, o autor aponta uma profunda distância, sendo que a escola seria o ponto em defasagem da relação. A hipótese do autor é que “el tipo de ‘inteligencia escolar’ no es el adecuado a las exigencias de nuestro tiempo. Que existe una clara disonancia entre esta inteligencia escolar y la inteligencia exigible en la sociedad actual” (VÁZQUEZ, 1994, p. 142).

Segundo observa Vázquez, é tal a velocidade das mudanças nos setores de ponta da produção que a própria educação formal é posta em questão. Segundo ele, são principalmente dois os fatos que põem em questão a existência e a qualidade da educação formal, isto é, precisa- mente a existência da sociedade da informação e do conhecimento e o desenvolvimento da educação não formal e “aberta”.

Vázquez levanta outro problema, ou recoloca o mesmo problema noutra dimensão, aliás, bem mais interessante, posto que numa forma mais radical:

[…] estamos dentro de un cambio cualitativo – expresado como crisis global, de ciclo largo y de inal incerto – de carácter mul- tidimensional (económico, laboral, social y político). Cabe pre- guntarse si, también, esta crisis, sin precedentes equivalentes, requiere que cambiemos la Escuela e, incluso, nuestra concep- ción acerca de la educación? (VÁZQUEZ, 1994, p. 143). Para o autor,

[…] la escuela – tal como la entendemos ahora – exponente de un sistema educativo que caracteriza la entidad y la acción del Estado en la prestación de un servicio público –, no ha cam- biado en lo substancial en el último siglo, de tal modo que cabe decir que seguimos con el mismo tipo de institución escolar, de esa escuela que ha acompañado a la primera o a las dos pri- meras revoluciones industriales (VÁZQUEZ, 1994, p. 143). Segundo aponta Vázquez, a grande diferença entre o momento presente e outras épocas passadas, em que se deram também impor- tantes transformações, como nas duas primeiras revoluções indus- triais, consiste no fato de que agora a informação se coloca como a grande força que move a sociedade. No passado, o que havia, basi- camente, eram inovações tecnológicas que impulsionavam o mundo produtivo, já no caso das mudanças em curso, segundo a visão do autor, processam-se mudanças profundas e estruturais em toda a es- fera da sociedade. “La información, por otra parte, no sólo mueve “máquinas”, sistemas físicos, sino que también mueve la mente hu- mana.” (VÁZQUEZ, 1994, p. 143). Exatamente aqui, se coloca o grave problema da educação, pois a informação, como uma força ab- solutamente onipresente e onipotente invade o terreno que antes era exclusivo da escola. A informação passa a exercer socialmente “la tarea de mover, de promover formalmente el conocimiento y la mente

era, así lo parecía al menos, privativo de la Escuela, del sistema edu- cativo” (VÁZQUEZ, 1994, p. 143).

Vázquez entende que o espaço da educação não formal cresceu enormemente, segundo ele, graças às mudanças operadas nos processos de trabalho e ao advento da sociedade da informação e das comuni- cações. Para o autor, o princípio de educação permanente é um dos motivos do desenvolvimento e da articulação conceitual da educação não formal, um desenvolvimento que atende às novas exigências cons- truídas por esta realidade cambiante.

O desenvolvimento da educação não formal tem trazido bene- fícios para a concepção sistêmica de educação; um deles é justamente a interação positiva entre setores da educação formal e da não formal:

Sin embargo, si examinamos la cuestión desde el punto de vista de las respectivas concepciones de inteligencia implícitas en una y otra, ya no resulta tan fácil asegurar que tal interacción sea consistente y, sobre todo de signo positivo (VÁZQUEZ, 1994, p. 145).

Vázquez destaca três aspectos para ele característicos da socie- dade pós-industrial. O primeiro é a substituição do emprego – marcado pela ajeneidad, rigidez, dependência, estruturação, direitos trabalhistas, heterocontrole etc., pelo trabalho mais autônomo, independente, menos estruturado, não ixo etc. Para o autor, esse fenômeno afeta a educação, pois há uma transformação no nível da demanda. São exigidos dos trabalhadores: a) elevação do “nível” instrutivo; b) nova coniguração das qualiicações exigidas para o trabalho; c) novo tipo de exigências especíicas: multivalência e polivalência, capacidade de resolução de problemas, responsabilidade pessoal, trabalho em equipe, capacidade de comunicação (oral, escrita, domínio “dos meios”), atitude positiva frente às inovações tecnológicas, atitude de busca de qualidade total.

O autor demonstra uma atitude bastante otimista frente ao signi- icado dos desenvolvimentos tecnológicos, tal como estão ocorrendo, assim como em relação à forma como incidem sobre a educação. Ele aponta que as novas exigências genéricas e especíicas, citadas acima,

se condensam e se projetam em duas direções. A primeira, uma di- mensão mais técnica, é a do incremento do nível formativo, algo como um “capital formativo disponible para hacer frente a las continuas in- novaciones tecnológicas”. A segunda, uma dimensão mais “humana”, seria um desenvolvimento da competência pessoal, algo “como base para el logro de la mejora de la condición humana y de la competi- tividad empresarial y social.” Por aqui se vê que o próprio desenvol- vimento humano pode ser favorecido com a substituição do emprego pelo trabalho que, por sua vez, substitui o conjunto de demandas de qualiicação e competências, favorecendo a condição humana. Não im- porta para ele, pelo visto, o fato de que a “desregulação do emprego”, na verdade, acontece no quadro de uma realidade que lança milhares de pessoas no desemprego, nos empregos precários, temporários, nos subempregos etc. Voltaremos a esta questão posteriormente.

O segundo ponto destacado é o que corresponde à diminuição contínua da oferta de empregos, à diminuição dos postos de trabalho. Este ponto não é devidamente analisado pelo autor, em toda sua com- plexa relação com a crise do sistema capitalista, seu caráter estrutural e suas profundas implicações para a educação e para a escola. Embora seja um dos principais problemas da contemporaneidade, este ponto não é suicientemente examinado, sobretudo na estreita relação que guarda com o que o autor chama de inteligência postindustrial.

O terceiro ponto é o do surgimento das novas formas de trabalho, especialmente tratado aqui o caso do trabalho a distância. Esta forma de trabalho corresponde a uma etapa avançada de reorganização das em- presas e é mediada pela alta tecnologia. O autor destaca os aspectos que considera positivos, como o fato de esta forma de trabalho poder em- pregar indivíduos portadores de deiciências, mulheres em licença ma- ternidade, indivíduos de terceira idade; ele coloca ainda que o trabalho a distância cria trabalho em regiões afastadas, incrementa a motivação e a rentabilidade. Por outro lado, há os riscos, como a perda da condição de socialização do trabalho e a precarização dos direitos trabalhistas. Citando Gary S. Becker, ganhador do prêmio Nobel de economia de 1992, Vázquez airma que

En el sentido de que los trabajos propios de la economía sumer- gida son los que menor formación consumen – al depender de formarse del propio trabajador habrá que concluir un nuevo riesgo destructivo de ciertas formas del teletrabajo para la me- jora de la competencia personal (BECKER apud VÁZQUEZ, 1994, p. 150).

Voltando-se mais diretamente ao problema da educação, Vázquez coloca as categorias de tempo e de espaço como variáveis chaves para se pensar o papel da escola na atualidade. O autor estabelece uma com- paração entre os sistemas formal e informal (se é que no caso do se- gundo se pode falar em sistema) para concluir que na educação formal o tempo é rígido, enquanto que na educação não formal o tempo parte do suposto de que o próprio aluno é quem faz sua adaptação. Quanto ao problema do espaço, da mesma forma, a escola se mostra rígida e, por- tanto, incompatível com a era da teleaprendizagem, da autoformação e do trabalho a distância. O autor lembra que

[…] no se trata solo de estos dos tipos fundamentales de recursos (recursos materiales, económicos y aun los mismos de carácter personal, como los profesores, por no entrar a considerar los estilos de gestión). Además contamos con la poco explicable supervi- vencia del enfoque psicométrico y de los tipos de exámenes al uso como mecanismos supuestamente servidores de la orientación y de la acción educativas... la Escuela es la última fábrica superviviente de la primera revolución industrial (VÁZQUEZ, 1994, p. 151). O autor enumera alguns dos principais problemas que ele consi- dera que a escola deve enfrentar na sociedade da informação: a) desen- volver capacidades de discernimento, compreensão, elaboração e sín- tese; b) preservar as ideias e as habilidades importantes; c) decidir o que se deve entender por “educación de calidad”, em relação aos conceitos de identidade singular, identidade comunitária e pessoal-comunitária, equidade, excelência e desenvolvimento para todos; d) assegurar que se consegue uma adequada relação entre qualidade de educação e quali- dade de vida (dentro do marco da relação tecnologia e cultura).

Quando discute a questão do que é mais importante ensinar na era da sociedade pós-industrial, o autor cai numa profunda contradição. Ele airma:

Por otra parte, la ciencia, la ciencia y su hija postmoderna, la tecnología, imponen, frecuentemente como valores el saber ins- trumental, el conocimiento exacto y el conocimiento disponible (y más aún, el conocimiento posible). La solución para este pro- blema gnoseológico, epistemológico y curricular ha de buscarse, quizá, dentro del espacio de lo plural, como diversas son las pre- tensiones de validez apuntadas por Habermas (inteligibilidad, verdad, veracidad y rectitud) (VÁZQUEZ, 1994, p. 153). Ora, no nosso entender, a contradição em que cai o autor re- side justamente em apresentar aqui uma referência crítica ao fato de a tecnologia impor um “saber instrumental”, quando demonstra ser um apologista tanto da inteligência industrial quanto da inteligência pós- -industrial, ambas ilhas da racionalidade instrumental. Mas este não é o momento de nos determos nessas apreciações; voltaremos à carga no momento devido.

Sobre o futuro da escola, o autor acredita que

El desarrollo de la sociedad de la información y la expansión de la educación no formal constituyen sendas promesas para el fu- turo de la humanidad, pero también sendos riesgos de que es- temos a punto de hacer de la escuela una institución, o bien inútil y inerte, o bien una organización que está dimitiendo de ese saber moral para hacer una comunidad más justa entre todos y para todos (VÁZQUEZ, 1994, p. 153,4).

Por último, ele demonstra um perigoso otimismo a respeito da “desregulação da educação” e da concorrência e coloca-se de maneira absolutamente polêmica, abrindo mais uma janela para nosso debate:

La liberalización del conocimiento, la libre concurrencia pro- ducida por la desregulación educativa es, potencialmente, po- sitiva, pero encierra graves riesgos si no acertamos a distin-

guir los papeles que el legislador y los distintos operadores han de jugar en este campo de la articulación y de la presta- ción del servicio de la transmisión del conocimiento educativo (VÁZQUEZ, 1994, p. 154).

Ou seja, a “desregulação da educação”, a “liberalização do co- nhecimento” e a “livre concorrência” só não realizarão seu potencial de positividade se não forem bem deinidos os papéis dos agentes envol- vidos no processo de educação. Na formulação do autor, acima exposta, está colocada, basicamente, a relação entre o “legislador” e os “dis- tintos operadores”, possivelmente numa referência à articulação entre o Estado e os agentes privados. Restaria saber exatamente quais seriam os devidos papéis competentes a cada um dos agentes envolvidos e como se estabeleceria o jogo de forças entre eles – pois, ainal, há, ainda, inte- resses conlitantes e contraditórios em questão. Outro problema é saber se a livre iniciativa, como um princípio de mercado, seria compatível com a democratização da educação.

No documento A crise da escola (páginas 55-61)