• Nenhum resultado encontrado

A CRISE DA ESCOLA UMA VISÃO PANORÂMICA

No documento A crise da escola (páginas 44-48)

Introdução

E

ste primeiro capítulo pretende fazer um panorama amplo e geral da crise da escola. Ao referirmo-nos à escola, estamos tratando de um determinado sistema de educação nacional, os chamados sis- temas nacionais de educação formal, criados a partir das iniciativas dos Estados nacionais e regulados por eles. Nesses sistemas nacionais de educação destaca-se, ao lado de iniciativas privadas, um setor pú- blico como espinha dorsal dos mesmos, inanciado e administrado pelo Estado. Esses sistemas nacionais de educação foram criados a partir da inspiração nos ideais liberal-democráticos da sociedade burguesa como sistemas laicos, públicos, gratuitos e universais.

Chamamos de crise da escola exatamente o processo histórico que vem pôr em questão esses sistemas nacionais de educação e os valores a eles correspondentes, que se construíram sob os ideais de- mocráticos da instrução obrigatória, pública, gratuita e laica. As am- plas e profundas transformações por que passa a sociedade contempo- rânea, desde a crise capitalista iniciada no inal dos anos 1960, início de 1970, passando pela consumação da mundialização econômica, pela ascensão política de setores conservadores em diferentes regiões do

globo, constituindo uma poderosa hegemonia conservadora (conhecida como neoliberal), a crise dos regimes regulacionistas, a crise do tra- balho assalariado, até o desenvolvimento vertiginoso das tecnologias de informação, comunicação, transportes etc., todo esse quadro vem co- locar em questão aqueles sistemas e, especialmente, as suas promessas integradoras liberal-democráticas.

Nesta seção, portanto, faremos um levantamento amplo das di- versas visões desse processo de crise da escola. Este panorama será o chão sobre o qual nos locomoveremos para tentar compreender o movi- mento tendencial atual da escola.

As diferentes visões da crise da escola levantadas aqui serão sempre interpretações que procuram explicar a situação da escola dentro desse processo histórico, não importando o recorte que façam, o ponto de vista de que partam, os possíveis interesses ideológicos e/ou políticos que tenham, desde que abordem a atualidade da escola frente às novas tecnologias, ou frente às políticas conservadoras e neoliberais, frente à mundialização do capital, ou frente ao desemprego estrutural, à crise do fordismo-taylorismo, do Estado de bem-estar etc.

As últimas décadas têm revelado um verdadeiro divisor de águas do desenvolvimento social. O primeiro período é conhecido como a “Era do Ouro” do capitalismo e corresponde ao momento em que os países centrais do sistema capitalista atingiram um estágio econômico e social de razoável estabilidade e prosperidade.

A expansão econômica atingida neste período permitia ao ca- pital a obtenção de altos lucros, ao mesmo tempo em que permitia, em contrapartida, a existência de uma realidade promissora de empregos formais, níveis salariais e políticas sociais. Predominava um modelo econômico baseado na produção e no consumo em larga escala, favo- recendo à maior parte dos cidadãos dos países centrais participar, de algum modo, do banquete do capital.

Para os trabalhadores, nos países avançados, sobravam salários indiretos e estabilidade; para os países do “Terceiro Mundo”, inves- timentos produtivos que signiicavam, evidentemente, exploração de mão de obra barata, mas que foram importantes para a industrialização

dos países periféricos. Nos países centrais, as taxas de desemprego eram baixas a ponto de se falar em “pleno emprego” e mesmo os desempre- gados viviam sob a perspectiva de ocupar um posto de trabalho mais cedo ou mais tarde. A euforia do Pós-Segunda Guerra se reletia nos pa- íses da periferia do sistema sob a forma do “desenvolvimentismo”, que signiicou para muitos países a oportunidade efetiva da industrialização.

O Pós-Segunda Guerra foi o período em que se mostraram mais fortalecidos os principais pilares de sustentação do processo de avanços da escola, isto é, o trabalho assalariado, amparado nos padrões do for- dismo-taylorismo, e o Estado Nacional, sob a forma do Estado de bem- -estar social.

O segundo período, em cuja calda nos encontramos ainda hoje, corresponde a um desenvolvimento que se inicia no inal dos anos 1960, começo de 1970. Essa fase pode ser denominada de diversas formas, como a fase de consolidação da globalização ou mundialização do capital, das políticas neoliberais etc. Sem dúvida, ela corresponde a um período de crise do sistema, caracterizado, acima de tudo, como um momento de “desconstrução” do que se estabeleceu no período anterior.

Esse momento corresponde, portanto, ao enfraquecimento dos pilares de sustentação dos avanços da escola. A mundialização e inan- ceirização da economia, os avanços cientíicos e tecnológicos, a crise do fordismo-taylorismo e do Estado de bem-estar, enim, a dinâmica mundializada do capital atingiu em cheio as relações de trabalho assa- lariado e a relativa capacidade soberana dos Estados nacionais de de- inirem, independentes daquela dinâmica mundializada, suas políticas sociais e econômicas.

É neste segundo período que se consagram expressões como “exclusão social”, para se referir ao processo pelo qual indivíduos são deixados à margem do núcleo formal da cadeia sistêmica da produção de mercadorias, e icam distantes da perspectiva de tomarem parte neste núcleo formal seja como produtores, seja como consumidores. Estes indivíduos passam a se fazer presentes nas estatísticas dos organismos internacionais engrossando os números daqueles que vivem na pobreza ou na miséria.

Outra dessas expressões é o “desemprego estrutural”, que se re- fere precisamente ao desaparecimento deinitivo de postos de trabalho e à situação em que os indivíduos tornam-se desempregados não mais circunstancialmente, mas deinitivamente. É também neste momento que a economia completa uma trajetória de desenvolvimento que se desenhava há muito tempo, realizando o mercado mundial e a eco- nomia mundializada, dentro da qual, os circuitos de desenvolvimento se mostram cada vez mais cristalizados e a condição de país pobre, ou dependente, ou explorado9 se mostra cada vez mais como uma amarga

e inelutável condição do destino da periferia do sistema – pelo menos enquanto não se romper a atual forma histórica de integração/desinte- gração das economias.

Da mesma forma que se dá no plano do desenvolvimento social como um todo, este divisor de águas se veriica também no campo da educação e no movimento histórico da escola, mais especiicamente. Também esta passou por um período de expansão, quando realizou, pelo menos nos países do centro do sistema, a universalização da ins- trução, mesmo que jamais de forma radicalmente democrática. A escola vive agora também um período crítico. Sua crise não é um mero relexo da crise que se dá no plano macrossocial, mas tem nela seus elementos fundamentais. A crise da escola tem sua própria dinâmica e formas dife- rentes de manifestação, mas é na relação com a grave crise econômica, com a crise do trabalho assalariado e a crise dos Estados nacionais que ela pode ser compreendida em toda sua profundidade.

A grande questão que se coloca para o enfrentamento dessa crise é saber se a escola tal como a conhecemos, inspirada nos ideais da

9 Serão adotadas aqui as expressões “países centrais” e “países periféricos”, sem que isto impli- que adesão à “Teoria Centro-Periferia” ou à concepção dependenista, e apesar de carregarem uma conotação mais geográica que econômica. Essas expressões parecem mais adequadas que as outras alternaivas à disposição: “países pobres”, “países em desenvolvimento”, “países subdesenvolvidos”, “países semicoloniais”, “países emergentes” etc. As expressões “centro” e “periferia” se colocam no escopo de uma abordagem que compreende o desenvolvimento capi- talista como um processo atravessado por contradições em que, dentre outras coisas, os países centrais conduzem com punho de ferro as relações com a periferia. Todavia, quando se tratar de formulação de terceiros, obviamente, serão respeitados os conceitos e categorias dos autores.

Revolução Francesa, organizada à imagem e semelhança da sociedade industrial e das relações de trabalho assalariado e sob os auspícios dos Estados nacionais, continuará intacta, se suas promessas integradoras liberal-democráticas serão mantidas. Aliás, intacta ela já não está, pois foi atingida pela onda de mudanças da dinâmica do capital mundiali- zado e do “mundo do trabalho”, pelo alto desenvolvimento tecnológico e pelas políticas conservadoras. Qual seria a nova referência da escola se não o trabalho assalariado? Como se coloca para a discussão da es- cola o problema da crise dos Estados nacionais? Quais seriam as novas perspectivas de organização, administração, gestão e inanciamento da escola? Quais as tendências em curso para o movimento histórico da es- cola e de que modo ela poderia ainda contribuir para a democratização da sociedade?

São questões que inquietam a todos e não serão respondidas tão brevemente e sem um grande esforço coletivo. Por ora, vamos tentar acompanhar e compreender as linhas gerais deste movimento histórico: expansão e crise da escola.

No documento A crise da escola (páginas 44-48)