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2.3 A OFICINA DE TEXTO: A CONSTRUÇÃO DE UM ESPAÇO DISCURSIVO DE

2.3.1 A Dialogização da Proposta de Elaboração Didática

Superando as nossas expectativas, 14 alunos compareceram ao primeiro encontro agendado. Esse foi um ponto positivo, pois permitiu que alunos de séries e turmas diferentes se “conhecessem” melhor, considerando que os adolescentes evitam se misturar no ambiente escolar. Presumimos ser um número considerável de alunos, dados os problemas já discutidos anteriormente e levando-se em conta que a participação na Oficina não era obrigatória e que se tratava de uma atividade extracurricular. Nesse primeiro dia, houve as apresentações de praxe e uma exposição mais detalhada, da nossa parte, a respeito da Oficina de Texto. Reforçamos com mais detalhes que se tratava de uma pesquisa de pós-graduação, expusemos nossos objetivos e ressaltamos que eles estariam contribuindo muito para o desenvolvimento do nosso trabalho.

Salientamos, também, que, por se tratar de uma pesquisa, estávamos envolvidos no projeto como professor da escola (embora temporariamente em virtude da pesquisa) e como pesquisador. Por essa razão, o ritmo de trabalho seria um pouco diferente daquele seguido nas aulas do horário tradicional. Em outros termos, esclarecemos que, durante a Oficina de Texto, as atividades desenvolvidas abririam a possibilidade de um maior aprofundamento, uma discussão mais abrangente, comparando com o ritmo normal das aulas. Quanto à duração da Oficina, estaria condicionada justamente ao ritmo das discussões e também aos possíveis imprevistos que houvesse nas quintas-feiras vindouras, como feriados ou reuniões. Dissemos aos alunos que a projeção inicial seria a de realizar em torno de 20 encontros, estendendo-se a Oficina até o final de agosto, devido ao recesso escolar em julho e a outros imprevistos. No entanto, como relatamos, a Oficina se estendeu até o início de setembro.

Apesar de ser uma pesquisa previamente planejada em seus aspectos mais gerais, por se tratar de uma pesquisa-ação, deixamos caminho aberto para as sugestões dos participantes, em todos os momentos das atividades. Para enriquecer o nosso “bate-papo” inicial, solicitamos aos alunos que respondessem a algumas questões, no intuito de averiguar que textos eles produziam, o que estavam lendo ou já leram, o porquê da participação deles na Oficina e que textos eles sugeririam que fossem trabalhados. Esta última questão foi retomada oralmente no encontro seguinte, pois daria o impulso para traçarmos um percurso didático- metodológico, partindo do gênero com o qual trabalharíamos com os alunos.

Com relação à leitura, explicamos que fosse esclarecido se eles liam jornais, revistas ou livros (na escola ou fora dela) e o que era preferencialmente lido nesses materiais, caso os citassem. Queríamos observar, através desses questionamentos, se os alunos iriam se referir aos gêneros e a que gêneros. As respostas poderiam ser feitas oralmente também, mas ninguém queria se pronunciar, talvez por estarem na presença de colegas de outras salas ou pela situação de estarem participando do primeiro encontro. Além disso, desse grupo que

participava da Oficina, apenas duas adolescentes foram nossas alunas antes do afastamento para formação, e apenas pelo período de um bimestre. Havia, de certa forma, pouca intimidade entre nós e o grupo.

Nas respostas escritas, os alunos citaram a produção textual de poemas, histórias, resumos de livros e opiniões a respeito de assuntos que os professores pediam, referindo-se, nesse caso, a respostas (breves comentários) sobre questões diversas que os professores fazem durante as atividades em sala. A referência aos gêneros foi bem restrita, o que é provavelmente decorrência da não especificação por parte do professor em definir que texto o aluno produz, levando-o a produzir um texto que, às vezes, ele não sabe identificar como gênero.

Com relação à leitura, citaram lendas, romances, novelas, poesias, crônicas e contos, principalmente. Essa é uma revelação, pelo menos um indício, de que os alunos se referem, em alguns casos, ao gênero com que se deparam em livros sugeridos pela escola. No entanto, a predominância nas respostas dos alunos foi uma menção mais generalizante: leitura de livros, revistas e gibis. Ao dizer que lê gibis, por exemplo, não relata que está lendo quadrinhos, cruzadas, caça-palavras, adivinhas, jogo dos sete erros, entre outros gêneros que geralmente circulam nos gibis.

Como dissemos, fazemos parte do quadro de professores da EEBFM e sempre estimulamos a leitura de livros, revistas e gibis durante o ano letivo, o que pode ter influenciado em algumas respostas. Há também a questão da lista de material fornecida aos alunos no início do ano, que prevê, a nosso pedido e já há alguns anos, além do material tradicional, a compra de livros infanto-juvenis e gibis. Além disso, nas respostas, provavelmente há a influência do projeto do Ministério da Educação (MEC), Literatura em minha casa, que distribuiu, em 2004, a todos os alunos das oitavas séries da rede pública, um kit contendo 4 livros com textos de autores diversos, com poesias, crônicas, contos, novelas e

peças teatrais. Entretanto, pelas respostas e pela experiência que temos como professor nessa escola, percebemos que a leitura é muito restrita às orientações da escola, tanto que somente depois da sugestão da compra de livros e gibis, através da lista de material, é que o comércio local (papelarias, postos de gasolina e supermercados) passou a vendê-los.

A outra questão, o porquê da participação na Oficina, teve reações-resposta variadas, que revelaram as seguintes justificativas, em ordem de incidência: gostavam de ler e escrever (talvez quisessem responder – enunciado pré-figurado – o que julgavam que o professor queria ouvir), queriam aprender coisas novas, pretendiam adquirir mais conhecimentos, queriam aproveitar o tempo e se preparar melhor para o futuro. Ainda, desejavam complementar os estudos, pensavam em aprofundar os conhecimentos, achavam a leitura e a escrita importantes para o aprendizado. Essas respostas demonstram uma certa maturidade de alguns alunos com relação aos estudos. É claro que nas falas dos alunos percebemos a fala dos pais e da própria escola.

No tocante às sugestões de textos e leituras com que poderíamos trabalhar na Oficina, as respostas foram bastante diversificadas. Para essa pergunta, fizemos uma breve explanação no sentido de que eles sugerissem, assim como na primeira questão, que textos gostariam de ler, analisar e produzir. Como exemplo, explicamos, em outras palavras, que uma revista pode servir de suporte para vários textos de gêneros do discurso, como: reportagem, notícia, horóscopo, entrevista. Como sugestões deles, foi lembrada a leitura de livros, revistas, jornais e gibis. Como textos a serem trabalhados na produção textual, já influenciados pela nossa fala, citaram poesias, romances, entrevistas, horóscopos, contos, biografias, novelas, crônicas e textos de auto-ajuda, em ordem de incidência. Como esses enunciados-resposta dos alunos nos influenciariam na escolha do gênero com o qual iríamos trabalhar na Oficina, retomamos a sua discussão no encontro seguinte.

As sugestões de trabalho dos alunos eram muito dispersas e davam a impressão de que não foram bem refletidas por eles. Na discussão durante o segundo encontro, a fala dos alunos denunciava que eles não sabiam exatamente com o que trabalhar, colocando, aleatoriamente, sugestões, ou se esquivando pelo mais agradável, já que colocaram a poesia como um gênero com o qual poderíamos trabalhar. Trabalhar com poesia seria interessante, mas achamos que esse gênero já é bastante explorado pela escola, embora sob outros enfoques.

Trabalhar com contos também seria uma boa opção, no entanto, as oitavas séries já estavam desenvolvendo um projeto28 envolvendo esse gênero nas aulas de Língua Portuguesa. Diante da incerteza da turma em sugerir, uma aluna, Ester29, pediu a palavra30 e propôs que trabalhássemos com textos que possibilitassem a eles exporem suas opiniões sobre assuntos da atualidade, ou seja, que discutíssemos assuntos polêmicos e interessantes. Nesse momento, alguns alunos se manifestaram e deram suas contribuições, sendo que duas alunas, Nick e Geruza, haviam inclusive proposto por escrito discutir “temas atuais” ou “debater sobre assuntos” diversos. Esse foi o início do debate, quer dizer, a nossa tarefa seria trilhar esse caminho: trabalhar com textos de um gênero31 que se enquadrasse na discussão iniciada. Sendo assim, as palavras-chave opinião, atualidades, debate e polêmica, presentes nos

28 O projeto desenvolveu-se durante todo o primeiro semestre do ano letivo de 2004 e procurou resgatar contos orais de moradores antigos de Nova Trento. Tivemos a oportunidade de colaborar na organização desse trabalho que, inicialmente, envolveria todas as escolas da 16.ª Gerência Regional de Educação e Inovação (GEREI), sediada em Brusque. Por problemas políticos, nesse ínterim, a direção da GEREI foi substituída e o projeto “abandonado”. Mesmo assim, a escola continuou a desenvolvê-lo, limitando-o ao âmbito da EEBFM.

29 Identificaremos os alunos por nomes fictícios.

30 No início da Oficina de Texto, tentamos gravar alguns depoimentos dos alunos. Percebemos, porém, que a presença do gravador de áudio os emudecia, dificultando exposições mais espontâneas. A pedido deles, decidimos não realizar gravações. No entanto, além de depoimentos orais e escritos, conseguimos a reação- resposta dos alunos através dos e-mails deles, conforme relataremos adiante, que também servirão como dados para a análise e avaliação da nossa elaboração didática.

31 Antes da decisão de trabalhar com o artigo, tivemos o cuidado de discutir com o professor dos alunos participantes (era um professor das quatro turmas), a fim de que não fossem feitas atividades semelhantes em termos de leitura e produção textual.

enunciados dos alunos, deram-nos uma luz acerca do gênero com o qual iríamos trabalhar: o artigo32.

Partindo das sugestões dos alunos, procuramos, nos encontros seguintes, fazer com que os participantes da Oficina percebessem a importância de se refletir, questionar, posicionar-se diante dos acontecimentos sociais. Contudo, era necessário também fazê-los compreender que nem todos os textos, orais ou escritos, tinham essa característica de persuasão. Discutiríamos, então, com eles, que gênero (texto) teria esses objetivos: o de discutir questões da atualidade e o de tentar influenciar os leitores com seus pontos de vista.