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1.2 O TEXTO COMO UNIDADE DE ENSINO-APRENDIZAGEM

1.2.2 Unidades Básicas de Ensino-Aprendizagem

1.2.2.1 Prática de leitura/escuta

A leitura/escuta, assim como a produção escrita, é uma das grandes preocupações da escola, que se sente constantemente cobrada pelo fato de os alunos, após anos de estudos, não demonstrarem capacidade suficiente para ler e compreender textos orais ou escritos. Se não consegue ler (compreender), dificilmente o aluno terá condições de desenvolver um bom texto e, ainda, refletir a respeito dele e de outros textos. Além disso, há outros fatores que, às vezes, complicam o trabalho desenvolvido pelo professor, como, por exemplo: material indisponível, falta de hábito, ou hábito de leitura, para os alunos, em segundo plano. Mas o problema principal dessa questão parece ser reflexo de práticas de ensino que a escola mobiliza(va) para desenvolver a prática de leitura com os alunos. Essas práticas, como observa Matencio (1998), têm levado à preocupação com aquilo que está explícito no texto, ou seja, quase sempre é feito um trabalho com enfoque prioritário para o conteúdo que o texto veicula. Nessa perspectiva de leitura, associando-a à compreensão ativa de que Bakhtin (2003) fala, não há interlocução, não se efetiva o processo dialógico da linguagem.

Geraldi (1997, p. 166), quando propôs a leitura com uma das unidades básicas do ensino-aprendizagem da disciplina de Língua Portuguesa, concebeu-a integrada à produção textual em dois sentidos: por um lado “[...] ela incide sobre ‘o que se tem a dizer’, pela compreensão responsiva que possibilita, na contrapalavra do leitor à palavra do texto que se lê; de outro lado, ela incide sobre ‘as estratégias do dizer’ de vez que, em sendo um texto, supõe um locutor/autor [...]”. O que o autor coloca também em questão em sua proposta é a razão pela qual se lê e o que é lido, o que nos leva a uma reflexão sobre como isso pode se efetivar nas práticas escolares de leitura. Conforme as colocações de Geraldi (1997), são necessárias atitudes produtivas para que a leitura assegure sentidos ao leitor. Pode-se ler, por exemplo, com o objetivo de buscar informações, querer saber a respeito das compreensões de outrem, comparando-as com as suas e formando novas compreensões. Há também a possibilidade, continua o autor, de estudar o texto, escutando-o, extraindo dele todas as informações possíveis e tudo o que ele possa fornecer. Nessa situação, ocorre também um confronto entre as palavras do autor do texto com as palavras do leitor: lê-se para saber mais, conhecer o que o outro pensa. Ou, ainda, o leitor pode ir ao texto para explorá-lo, inclusive com objetivos de produzir outros textos. Daí essa atitude de leitura que busca usar o texto como pretexto, como busca de informações, mas não com o objetivo de estudar a gramática, como a sintaxe, por exemplo. Por último, é possível ler o texto sem que se pretenda usá-lo, mas desfrutando-o e atento à história que ele carrega consigo. Ou seja, do ponto de vista dos gêneros, é possível explorar a leitura dos textos enunciados a partir das finalidades discursivas dos diferentes gêneros do discurso.

Podemos complementar a proposta de Geraldi (1997), abordando outra possibilidade na prática de leitura sob o ponto de vista do gênero. Nas aulas de Língua Portuguesa, é possível realizar, também, a leitura das características do gênero com o qual se trabalha (prática de análise do gênero). Para Bakhtin (2003), como já exposto em seção anterior, cada

gênero apresenta certas características que lhe são constitutivas e que variam conforme o seu objetivo discursivo dentro de cada esfera social. Sendo assim, entendemos que a prática de leitura em sala de aula pode ser direcionada para questões relativas às especificidades de cada gênero, tanto em relação ao conteúdo temático como ao estilo e à forma composicional. A leitura/análise do gênero, e aqui já entramos no campo da análise lingüística, que abordaremos adiante, certamente refletirá na produção textual, pois se torna mais difícil para um aluno produzir uma resenha, por exemplo, sem nunca tê-la lido/analisado na perspectiva do gênero em que ela se configura. Nesse aspecto, pode-se ler/analisar o gênero, observando, entre outros aspectos: como se construiu o objeto do discurso, qual a sua função sócio-discursiva, em que esfera está inserido, qual o suporte de circulação, quais as concepções de autor e de destinatário e como elas são determinadas, que recursos estilístico-composicionais foram empregados pelo autor na construção do(s) enunciado(s).

Integrada à leitura/análise do gênero, é possível proceder também a leitura/compreensão do texto-enunciado, levando os alunos a interagir com outros textos- enunciados, posicionando-se diante desses textos, numa ação-responsiva-ativa. Essa é uma prática discursiva que possibilita aos alunos discutirem com a palavra alheia, reconhecerem outras vozes no texto e nele observarem as relações dialógicas, quer dizer, eles se colocam em condições de perceber que no texto há um confronto entre enunciados, um embate interlocutivo, que o texto é uma reação-resposta ao já-dito e busca outras respostas, inclusive do próprio aluno-leitor.

Para Bakhtin (2003), a palavra está sempre avançando em busca de uma compreensão responsiva, a qual pode ser desmembrada em atos distintos, mas que se fundem na compreensão efetiva, real e concreta:

1) A percepção psicofisiológica do signo físico (palavra, cor, forma espacial). 2) Seu reconhecimento (como conhecido ou desconhecido). A compreensão de seu

significado reprodutível (geral) na língua. 3) A compreensão de seu significado em

(discussão-concordância). A inserção no contexto dialógico. O elemento valorativo na compreensão e seu grau de profundidade e de universalidade (BAKHTIN, 2003, p. 398, grifo do autor).

Em resumo, o papel do leitor interlocutor, na soma desses quatro atos diante do texto – decodificação, apreensão dos sentidos dos termos dentro do texto, compreensão passiva e reação-resposta ativa – é fundamental para que o processo de comunicação discursiva se realize plenamente.

Encerrando esta subseção, vale destacar que para o ensino-aprendizagem,

[...] no campo da compreensão e da leitura – decorrentemente, da formação do leitor –, trata-se mais de despertar a réplica ativa e a flexibilidade dos sentidos na polissemia dos signos, que de ensinar o aluno a reconhecer, localizar e repetir os significados dos textos [...] (ROJO, 2002, p. 40).