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1.2 O TEXTO COMO UNIDADE DE ENSINO-APRENDIZAGEM

1.2.2 Unidades Básicas de Ensino-Aprendizagem

1.2.2.3 Prática de análise lingüística

A proposta de Geraldi (1997) com relação à prática de análise lingüística parte do princípio de que ela ocorre a partir e no interior das práticas de produção textual e leitura. Não se trata de uma gramática aplicada ao texto, mas de um outro viés para a reflexão gramatical, já que as teorias gramaticais, de um modo geral, não dão conta do processo dinâmico de que se constitui a linguagem e das inúmeras reflexões que a partir dela podem ser feitas. O que o autor propõe, como já exposto, é que se promova, no processo de ensino-aprendizagem, uma reflexão – prática de análise lingüística – sobre a linguagem a partir de seu uso (práticas de leitura e produção textual oral e escrita).

Os documentos oficiais, como os PCNs (BRASIL, 1998) e a PC/SC (SANTA CATARINA, 1998), por influência também das discussões de Geraldi (1997) e dos pressupostos bakhtinianos acerca da linguagem, sugerem que os conteúdos das aulas de Língua Portuguesa sejam concebidos num conjunto de práticas sociais integradas de uso da linguagem. A proposta é que os conteúdos, entendidos como práticas de linguagem e pautados na própria língua, sejam distribuídos de modo articulado pelo eixo do uso e pelo eixo da reflexão sobre a linguagem. Rojo (2002, p. 34-35), no tocante às práticas de linguagem, esclarece que elas

[...] são uma noção da ordem do social, que implica a inserção dos interlocutores em determinados contextos ou situações de produção, a partir dos quais, tendo a linguagem como mediadora, os agentes sociais estabelecem diferentes tipos de interação e de interlocução comunicativa, visando diferentes finalidades

comunicativas e a partir de diversificados lugares enunciativos [...]. Envolvem capacidades de ação, discursivas e lingüístico-discursivas.

Com relação à prática de análise lingüística, Geraldi (1997) a concebe como um conjunto de atividades que tomam como seu objeto uma das características da linguagem: por meio da linguagem, tanto podemos falar sobre o mundo como também refletir a respeito de como falamos. Essa prática da linguagem, para o autor, é a linha condutora do processo de ensino-aprendizagem e nela estão incluídas as atividades epilingüísticas. “Estas, por seu turno, são uma ponte para a sistematização metalingüística. Integram-se, pois, no ensino atividades lingüísticas, epilingüísticas e metalingüísticas [...]” (GERALDI, 1997, p. 192).

As atividades lingüísticas são aquelas que, praticadas nos processos de interação, “[...] referem ao assunto em pauta, ‘vão de si’, permitindo a progressão do assunto.” (GERALDI, 1997, p. 20). Já as atividades que analisam a linguagem para a obtenção de conceitos e classificações são as metalingüísticas – que têm a língua como objeto de estudo – e devem ser posteriores às epilingüísticas. As atividades epilingüísticas podem ser, por exemplo,

provenientes de questionamentos dos alunos sobre questões gramaticais, textuais ou discursivas. São operações que podem se manifestar em momentos diversos da atividade verbal: negociação de sentido, hesitação, autocorreção, reelaboração, entre outros. Outros exemplos dessas ações podem ocorrer quando “[...] duas pessoas discutem a respeito do que uma delas ‘quis dizer’ quando usou determinada palavra; alguém pergunta como se diz ou como se escreve isto ou aquilo; imita certas características da fala de outrem, comentando-as [...]” (SANTA CATARINA, 1998, p. 77). Quer dizer, as atividades de reflexão sobre a própria língua fazem parte do cotidiano das pessoas e também acontecem quando, por exemplo, alguém compara modos de falar, revisa o próprio texto ou o texto de outrem. Relacionando a atividade epilingüística a uma das abordagens de Bakhtin (1992) sobre o discurso, podemos dizer que a atenção de quem fala (ou escreve) passa do objeto do discurso

para a construção do discurso em si ou parte dele, o próprio ou o de outro, quer dizer, ocorre uma reflexão sobre o próprio discurso.

A proposta de Geraldi (1997) prevê uma série de atividades para a análise lingüística que podem ter como objeto de reflexão problemas que emergem dos textos produzidos pelos alunos. As reflexões aqui tecidas retomam as considerações feitas por ele, na década de 80 (1984), na obra O texto na sala de aula: leitura e produção, e destacam os seguintes aspectos a serem analisados na prática de análise lingüística: problemas de ordem estrutural, sintática, morfológica e fonológica. Na obra Portos de Passagem (1991), são acrescentadas a esses aspectos uma série de operações discursivas, por meio das quais um texto é construído. No entanto, Geraldi (1997) ressalta que é impossível prever todas as atividades que podem ocorrer na prática de análise lingüística, levando-se em conta que cada texto tem suas peculiaridades e provém de autores diferentes.

Em se tratando de gêneros do discurso, a análise lingüística, na concepção delineada nesta pesquisa, pode ou deve ser instigada conforme o gênero com o qual se trabalha em sala de aula. Pode ser feita a partir da leitura/análise de textos de gêneros diversos e de textos produzidos pelos alunos. A intenção, nesse caso, seria analisar as características genéricas dos textos selecionados para as atividades de leitura em sala e analisar as produções dos alunos sob o ponto de vista do gênero, integrando, ainda, a análise sob o ponto de vista da textualidade, da língua e das convenções da escrita (no caso dos textos escritos) – leitura do texto-texto. Nesse processo, estaria envolvida também a leitura do texto-enunciado, podendo ser realizada antes, durante ou após a leitura do gênero. Em resumo, a análise lingüística, nessa perspectiva, envolve aspectos (verbais e extraverbais) dos gêneros do discurso, da textualidade (coesão e coerência, progressão temática etc.), da língua e das convenções da escrita (problemas de ordem fonológica, morfológica e sintática, pontuação etc).

No caso da produção textual, a análise lingüística se estende para o momento da revisão/correção e da reescritura do texto. Durante a revisão/correção, o professor pode valer- se de algumas estratégias que orientem o aluno na reescritura, permitindo, assim, que esse processo se torne um momento de aprendizagem, e não de cobrança. Podemos tomar como exemplo, resumidamente, uma pesquisa realizada por Ruiz (2001) para identificar como um grupo de professores procedeu no momento da revisão/correção20. Baseada em Serafini (2004)21, ela comenta a correção indicativa, a mais usada pelos professores, através da qual são feitos alguns sinais que indicam o erro cometido, na margem ou no corpo do texto. Outra forma de correção é a chamada resolutiva, menos freqüente, feita geralmente no corpo do texto, por meio da qual o professor resolve todos os problemas encontrados, destacando os erros e escrevendo a forma correta. Também observa que os professores adotam a correção

classificatória, em que o erro é destacado e, ao lado deste, o professor coloca uma observação em forma de código metalingüístico (siglas, abreviaturas, sinais), previamente combinado com os alunos. Segundo Ruiz (2001), a intervenção que se mostrou mais eficiente foi a que ela denominou correção textual-interativa, por meio da qual são escritos pequenos bilhetes ao final da produção textual22. “Trata-se de comentários mais longos do que os que se fazem na margem, razão pela qual são geralmente escritos em seqüência ao texto do aluno [...]”, destaca Ruiz (2001, p. 63).

A autora entende que essa atitude de interagir via bilhetes deixa de lado a simples correção mecânica – corrigir para o aluno passar a limpo sem refletir sobre o texto – por parte do professor, além de possibilitar uma interação entre professor e aluno em virtude da mediação promovida. Esse tipo de intervenção se volta também para aspectos do discurso,

20 A pesquisa centrou-se na revisão/correção dos textos produzidos pelos alunos, ou seja, tratou de uma das etapas que podem envolver a análise lingüística.

21 A autora cita em sua obra a edição de 1989. Em nossa referência, colocaremos a edição de 2004. A primeira edição da obra, em italiano, é de 1985.

22 Uma alternativa viável, e que foi uma estratégia utilizada nesta pesquisa, é a orientação individual, feita oralmente, através da qual professor e aluno lêem, discutem e revisam o texto, possibilitando uma atitude responsiva imediata no esclarecimento de dúvidas.

além de tratar o aluno como interlocutor envolvido no processo de revisão/correção. Num trabalho com os gêneros do discurso, a correção textual-interativa não deixa de ser uma estratégia interessante, pois permite ao professor fazer anotações (ou comentar oralmente) a respeito das características do gênero lido/analisado, além dos aspectos textuais e gramaticais.

Falando ainda especificamente de gênero, Rojo (2002; 2005) destaca que quanto mais o aluno se aprofundar acerca dos gêneros discursivos, correlacionando-os às esferas sociais em que circulam, às situações de interação, aos participantes das relações sociais, ao conteúdo temático, à intenção discursiva, às prováveis reações-resposta e à modalidade do discurso (oral ou escrito), mais facilmente o aluno o terá dominado, discursiva e lingüisticamente. Para isso, a concepção de linguagem do professor e do aluno é fundamental nesse processo e pode determinar o sentido da revisão/correção e da reescritura dos textos, como realizá-las e com

que objetivos. Numa concepção dialógica da linguagem, pressupõe-se que o aluno, ao escrever, reler, revisar, corrigir e reescrever seu texto, tome um posicionamento, conteste, questione, interaja com o texto que escreveu, com outros textos e vozes neles presentes e, por que não dizer, com o professor que o orienta.

Retomando Geraldi (1997), as ações didático-pedagógicas do professor no que tange às atividades desenvolvidas durante o processo de produção textual são fundamentais para que se promova a articulação das práticas propostas pelo autor: ler, escrever e refletir, posicionar-se diante do que se leu e escreveu.

Feitas essas considerações, é sobre o gênero do discurso trabalhado nesta pesquisa que se desenvolverá a próxima seção.