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1.3 O GÊNERO ARTIGO

1.3.1 Características da Dimensão Social

Para Bakhtin (2003, p 262), como já visto, os gêneros do discurso se organizam a partir de diferentes esferas ou campos sociais e “[...] em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo.”. Pela sua heterogeneidade e pelas infinitas possibilidades de interação, torna-se complicado classificá-los. Uma tentativa de agrupamento por esferas sociais é esboçada por Rodrigues (2001a, p. 73-74, grifo da autora). Trata-se de um critério de agrupamento que leva em conta alguns aspectos comuns entre gêneros da mesma esfera, mas que descarta a intenção de classificá-los prototipicamente:

a) gêneros da esfera da produção: ordem de serviço, instrução de operação de máquina, aviso, pauta jornalística etc.;

b) gêneros da esfera dos negócios e da administração: contrato, ofício, memorando etc.;

c) gêneros da esfera cotidiana: conversa familiar, conversa pública, diário íntimo, saudação etc.;

d) gêneros da esfera artística: conto, romance, novela etc.; e) gêneros da esfera jurídica: petição, decreto etc.;

f) gêneros da esfera científica: tese, artigo, ensaio, palestra etc.; g) gêneros da esfera da publicidade: anúncio, panfleto, folder etc.; h) gêneros da esfera escolar: resumo, seminário, “texto didático” etc.; i) gêneros da esfera religiosa: sermão, encíclica, parábola etc.;

j) gêneros da esfera jornalística: entrevista, reportagem, notícia, editorial, artigo etc. Falar em esfera jornalística e seus gêneros não significa ter como referência apenas o jornalismo impresso, pois há outras modalidades de jornalismo, como o radiofônico, o televisivo e o on-line, quer dizer, abrange outros suportes, além do jornal. O objeto da esfera jornalística se constrói no horizonte dos acontecimentos, dos fatos sociais, das opiniões. Cabe a ela a função sócio-ideológica de, periodicamente, disponibilizar o que é de interesse público, colocando a sociedade ou determinados grupos sociais a par dos acontecimentos mais relevantes.

O artigo, gênero característico do jornalismo impresso25, segundo Melo (1994 apud RODRIGUES, 2001a), enquadra-se na modalidade ou categoria do jornalismo opinativo que, junto com a modalidade do jornalismo informativo, têm predominância histórica no meio jornalístico. Fazem parte da primeira modalidade, por exemplo, gêneros como o editorial, o comentário, o artigo, a resenha, a coluna, a crônica e a carta. Compõem a segunda modalidade a nota, a notícia, a reportagem, a entrevista, entre outros gêneros. A divisão das produções jornalísticas por modalidades, conforme o autor, é de cunho profissional e sócio-político, não significando uma limitação conceitual, tendo referência, inclusive, nos manuais de redação e estilo que regulamentam a comunicação jornalística.

Destacamos que, de acordo com Rodrigues (2001a), esse agrupamento dos gêneros jornalísticos em torno das duas modalidades de jornalismo pode levar a contestações. Mesmo assim, para a autora, essa classificação de Melo tem mais afinidade com a noção de gêneros teorizada por Bakhtin, pois leva menos em conta os aspectos formais do texto e mais os aspectos históricos e enunciativos de sua formação. Em resumo, “[...] pode-se falar dos gêneros do discurso e das esferas sociais como lugares ideológicos de produção e circulação de sentidos, como forças sociais. É nessa orientação da comunicação jornalística e dos gêneros do discurso, que se analisa o gênero artigo.” (RODRIGUES, 2001a, p. 119-120).

O artigo mantém com outros gêneros da sua esfera algumas características em comum: a interação entre autor e leitor ocorre em espaço e tempo distintos, além de o período e o tempo necessários para a circulação terem certa regularidade. Mesmo assim, o artigo tem características próprias, sendo a autoria um desses traços. O articulista, pessoa geralmente convidada pelo grupo jornalístico a escrever, representa determinados grupos sociais e tem sua identificação após o título do texto, em letras maiúsculas e em negrito. No pé biográfico, podem constar a idade, a profissão e a função exercida, com letra minúscula e sem negrito. Há

25 Atualmente, artigos têm sido também divulgados virtualmente através do jornalismo on-line. Como exemplo, o site www.novatrento.com, que abre espaço (link) para publicação de textos não noticiosos, entre eles, artigos de colaboradores.

situações, mais raras, em que são publicados artigos enviados por leitores/autores comuns, cabendo ao jornal decidir pela sua publicação. Normalmente, os articulistas são pessoas públicas, de projeção social, autoridades que, via de regra, têm poder de decisão em sua área de atuação profissional, o que lhes dá prestígio para publicarem seus pontos de vista e se constituírem em autores do artigo. Dentre eles, estão políticos, industriais, economistas, cientistas, professores, historiadores, sociólogos, religiosos e artistas.

Esse ethos de competência social e profissional se manifesta ideologicamente no gênero: ele legitima o ponto de vista do autor, funcionando como garantia para o seu discurso. O articulista é visto como sujeito competente também para aquilo que diz. Ele incorpora a aura da competência sócio-discursiva, inclusive para a abordagem de temas fora do seu domínio de sua atuação [...] (RODRIGUES, 2001a, p. 144, grifo da autora).

Tanto o ethos do articulista como o da instituição que ele representa garantem a credibilidade ao discurso de quem escreve, revestem de autoridade aquilo que é dito. Trata-se de um duplo argumento de autoridade: do articulista e do jornal. Do articulista, por estar legitimado pela sua esfera de atuação; do jornal, por colocar-se como um autor interposto.

A respeito dos critérios para a publicação do artigo, estes são determinados pela empresa jornalística, com base em instruções normativas que constam nos manuais de redação e estilo. Alguns critérios expostos nos manuais para a publicação de artigos levam em conta se o articulista tem domínio sobre o assunto abordado, se o texto é bem redigido, se o assunto é atual e gerador de polêmica.

Sob a ótica da esfera jornalística, o artigo “[...] é considerado como um gênero onde se constrói a defesa de um ponto de vista particular a respeito de um tema da atualidade que, segundo os manuais, não precisa coincidir com a opinião do jornal.” (RODRIGUES, 2001a, p. 126). Além disso, os manuais aconselham o uso da primeira pessoa e fazem ressalvas com relação ao recurso da ironia. Dizem ainda que adjetivos fortes devem ser evitados para não causarem desagrado aos leitores. No que se refere ao título, o gerúndio não é aconselhado.

No tocante ao espaço discursivo (cronotopo) do artigo, este se encontra, em sua maioria, na seção de opinião do jornal, disputando espaço com gêneros afins, como o editorial e a carta do leitor. Já a periodicidade é diária e o número de artigos publicados varia de 1 a 3 em cada edição, dependendo do jornal. Os artigos provêm de articulistas diferentes, sendo que alguns escrevem com regularidade e em dias específicos. A possibilidade de abertura a articulistas sem vínculo com a empresa jornalística cria uma sensação de que o jornal é imparcial em suas opiniões e possibilita, também, que o leitor se confronte com várias tomadas de posição ideológica. Em suma,

[...] a própria seção Opinião é um elemento constitutivo do gênero artigo, pois ela é o lugar da sua ancoragem ideológica, delimitando a que parte do universo temático do jornalismo ele se refere, qual o seu horizonte temático, sua finalidade da interação. Ou seja, a situação social da interação é parte constitutiva do gênero: não se pode interpretar o sentido do enunciado, compreender o gênero sem a sua consideração. (RODRIGUES, 2001a, p. 132).

Outra característica constitutiva do artigo podemos observar a partir da noção de interlocutores. Para Bakhtin (2003), um dos traços constitutivos de todo enunciado é o seu direcionamento. No caso do artigo, não há contato físico entre autor e destinatário, tendo em vista as condições de produção e de circulação, já comentadas, o que não permite esse tipo de interação imediata, face a face, mas apenas a distância.

Ao construir o artigo, o autor procura antecipar possíveis respostas, objeções do leitor, mesmo que a reação-resposta não seja imediata. “Ao falar, sempre levo em conta o fundo

aperceptível da percepção do meu discurso pelo destinatário [...]”, é o que Bakhtin (2003, p. 302) ressalta com relação à construção de um enunciado. Quer dizer, a possível reação- resposta do interlocutor provoca influências no enunciado do autor, nesse caso, do autor do artigo. Para Rodrigues (2001a), inclui-se na noção de interlocutores do artigo a própria instituição jornalística, pois ela assume o papel de um leitor em vantagem com relação aos

demais, visto que se antecipa à leitura do artigo, a fim de aprová-lo ou refutá-lo para a publicação.

Em síntese, os aspectos que mais caracterizam o artigo, à luz de sua dimensão social, tomam como enfoques as seguintes categorias: “[...] a topografia do artigo no jornalismo impresso, sua circulação social, sua finalidade ideológico-discursiva na comunicação jornalística e sua concepção de autor e destinatário (leitor).” (RODRIGUES, 2001a, p. 68).

1.3.2 Características da Dimensão Verbal

Feitas as considerações acerca de aspectos mais relevantes da dimensão social do artigo, a abordagem que segue relaciona-se aos seus aspectos verbais, a começar pelos seus elementos geradores, isto é, qual é o objeto do seu discurso. De acordo com Rodrigues (2001a), os artigos abordam assuntos ligados à área de atuação do seu autor, mas, de alguma forma, vinculados a acontecimentos sócio-históricos atuais, já discursivizados, e que são objetos de interesse da esfera jornalística, como, por exemplo, acontecimentos políticos, científicos, econômicos e até cotidianos. A preferência dos articulistas, ou dos jornais, é por assuntos da atualidade e geralmente ligados às políticas dos governos e suas conseqüências.

Para leitores que tenham desconhecimento dos fatos sócio-históricos e geográficos atuais abordados diariamente pelos jornais, torna-se mais complicada a compreensão dos artigos. Além disso, a dificuldade aumenta em virtude do espaço reduzido na seção em que é publicado, o que obriga o articulista a trabalhar com uma estratégia de informações implícitas. No entanto, o autor do artigo constrói seu ponto de vista, faz a sua apreciação sobre um ou mais acontecimentos sociais, considerando que o que escreve é de domínio do leitor. A compreensão ativa de qualquer enunciado sempre provoca um jogo discursivo e, nas palavras de Bakhtin (1998, p. 90-91), “[...] determina uma série de inter-relações complexas, de