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2.5 A PROPOSTA DE PRODUÇÃO TEXTUAL DO GÊNERO ARTIGO

2.5.1 A Prática de Produção Textual Mediada pela Análise Lingüística

2.5.1.1 A primeira estratégia: análise lingüística em duplas

Na leitura analítica em duplas os alunos se debruçaram sobre os textos, para troca de sugestões e comentários. Nessa atividade, trabalhamos com a primeira versão de sete textos (Anexo B), ficando um texto para cada dupla.

Orientamos oralmente as duplas com relação a alguns aspectos a serem observados na análise: não existe “modelo de artigo” a ser seguido; reescrever não significa apenas corrigir “erros” e passar a limpo; quem escreve assume posicionamentos que tendem a influenciar o leitor, reforçando ou mudando opiniões; o autor escreve a partir de fatos que “incomodam” a sociedade. Além disso, pedimos que observassem: o colega autor se posiciona como um adolescente estudante, qual a sua finalidade discursiva ao escrever, há “outras vozes” no texto, para quem o artigo se dirige, quem é o interlocutor, como poderá reagir o leitor previsto, qual a sua reação-resposta, como o autor tenta persuadir o leitor e influenciá-lo, que argumentos ele usa para isso, contra o que o autor se posiciona ou contra quem, está a favor de alguém ou de algum posicionamento de outrem? A partir dessas colocações, resumimos quatro questões centrais para serem discutidas e respondidas por escrito pelos alunos. Com as orientações e o roteiro que segue, as duplas realizaram a leitura analítica do texto produzido pelos colegas:

Oficina de Texto: análise lingüística realizada em duplas

1) Com relação ao autor, quem escreveu e por que razões? 2) Com relação ao leitor, para quem se dirige o autor? 3) Com relação aos posicionamentos do autor, que fatos o sustentam, como o autor tenta persuadir, convencer o leitor? 4) Que mudanças, a título de sugestão, poderiam ser feitas no artigo após essa primeira leitura?

Dessa leitura da primeira versão dos sete textos, transcrevemos algumas respostas escritas dadas pelos alunos com base no questionário e também em nossas explicações. Darci, por exemplo, observou que o artigo de Eva (Anexo B) deixou dúvidas com relação à autoria. Para Darci, a colega não se posicionou como uma adolescente estudante, ou seja, falou em nome dos adultos:

Darci: [...] Quem escreveu fez que estava em 2 tempos, como se fosse 1 pessoa de mais idade comentando sobre os jovens, e em outra parte como se fosse o jovem comentando sobre todos os jovens [...] esta falando como um jovem, e critica o celular do mesmo jeito [...]

Segundo ela, isso gerou confusão e dúvidas para o leitor. Os argumentos da autora, continua, também são pouco convincentes e exagerados nos pontos negativos. Darci, por essa razão, numa reação-resposta-ativa diante do texto, não concorda com a autora do artigo com relação à influência do celular na personalidade do adolescente. Na nossa análise, Eva se posicionou contra o uso celular pelos adolescentes, e isso levou Darci a pensar que apenas a voz de um adulto falava no texto.

Geruza, ao analisar a primeira versão do artigo de Mara (Anexo B), ressaltou que a colega não se posicionou como uma adolescente falando de seu lugar social, pois escreveu como uma “observadora”, isto é, deixou dúvidas para o leitor com relação à autoria do texto:

Geruza: [...] Na minha opinião ela se colocou como observadora. Em momento algum ela se colocou no seu lugar ou seja, adolescente, e ela na verdade eu acho que falava para qualquer tipo de leitor, tanto os pais, adultos, adolescentes e outros, até mesmo para os que tem acesso ao celular [...]

Geruza sugeriu ainda que não se pode analisar apenas o lado ruim do uso do celular, por isso o texto ficaria melhor se a autora colocasse mais dados, isto é, melhorasse a argumentação. Patrícia, referindo-se ao mesmo texto, disse que Mara se posicionou como uma pessoa adulta, excluiu-se como autora adolescente, dificultando que se percebesse para quem a autora se dirigiu. Oralmente, Patrícia disse que Mara deveria usar a primeira pessoa

no texto. Essa colocação de Patrícia tem fundamento, pois Mara escreveu o artigo em terceira pessoa, o que levou Patrícia a concluir que Mara não se posicionou como uma adolescente. No tocante ao já-dito gerador do artigo, Patrícia destacou:

Patrícia: [...] Ela se Baseou em experiência pessoal para criar Seus argumentos [...]

Outra análise feita foi a de Ester, com relação ao artigo de Kely (Anexo B). Ester percebeu que houve uma mistura de autoria:

Ester: [...] Em minha opinião foi um adulto que escreveu. E em outras partes é um adolescente consciente de que o uso do celular está se tornando um vício [...] Por essa razão, sugeriu:

Ester: [...] Acho que ela deveria usar o “nós”, afinal ela também é uma adolescente. Como por exemplo no segundo parágrafo: - Na maioria das vezes, nós temos sempre um celular na mão ou no bolso... [...]

Achamos essa sugestão procedente, pois mostrou que a autora (Kely) deveria posicionar-se de seu lugar social, como uma adolescente estudante, daí a sugestão do uso da primeira pessoa. Para Ester, o texto fez um alerta aos adolescentes (incluindo ela, como leitora adolescente) que não notam que estão viciados e não sabem os limites do uso do celular. Ao responder para quem o autor se dirige (uma das perguntas do questionário), Ester concordou com Kely:

Ester: [...] Está escrevendo para os próprios adolescentes. Mostrando a nós mesmos, de que estamos “sem notar” passando dos limites com o celular [...] Temos simplismente diz a autora a “estúpida” idéia de achar “legal” [...]

Esse é um caso em que o autor engaja o leitor – movimento dialógico de engajamento (orientação para o leitor) –, alia-o ao seu discurso (do autor), no intuito de incorporar um ponto de vista. Ester sugeriu, ainda, que Kely colocasse mais fatos para convencer mais os

leitores, apesar de achar que seus argumentos são fortes. Para isso, Kely poderia mostrar o lado positivo do uso do celular, esclarece Ester. Nesse caso, não seria um problema identificado no texto de Kely, mas apenas uma sugestão da colega leitora.

Roberta analisou o texto de Nick (Anexo B) e fez as seguintes observações:

Roberta: [...] No texto dela todas as partes “parece” que é [...] o autor quem está falando. Pois ela usou bastante ‘nós’ ou seja ela se colocou no lugar de um desses jovens [...]

Roberta, apesar da dúvida ao dizer que “parece que é o autor quem está falando”, percebeu que Nick se posicionou como uma adolescente que, ao escrever, falou de seu lugar social. Para Roberta, Nick quis mostrar ao leitor como ele estava reagindo à evolução do celular (intenção discursiva) e que o assunto interessava dos jovens, portanto, o artigo dirigiu- se a eles (leitores previstos).

Nick analisou o texto de Tainá (Anexo B) e disse que a autora se posicionou como uma adolescente que usa o celular. Além disso, identificou o uso da primeira pessoa do plural para comprovar isso:

Nick: [...] Ela usou a palavra: “Temos”, e isso me diz que ela se referiu a ela e a todos os outros adolescentes [...]

Essa característica anotada, e destacada por aspas por Nick, nada mais é do que o movimento dialógico de engajamento do leitor. Segundo Rodrigues (2001a), nesse movimento o eu do articulista + o tu do leitor, através do qual o discurso do leitor se incorpora ao do autor, como se comprova a seguir no trecho transcrito do início do texto de Uiná:

Tainá: A onda do celular vem influenciando a nossa cabeça e, que, talvez por sermos tão jovens, acabamos inventando uma necessidade por eles, para que possamos comprá-los. Temos que ter um celular de qualquer jeito [...] (grifo nosso).

Lana analisou o texto de Ester (Anexo B) e relatou:

Lana: [...] Bom, nesse texto a autora fala sendo uma adulta [...] Este texto está mais referido aos pais [...] Escrito por um adolescente para mostrar que o celular não tem muita importancia [...]

Se antes Lana percebeu que Ester não se posicionou como uma adolescente, em contrapartida, diferenciou o autor (entidade não empírica), aquele que se representa como responsável pelo texto, daquele que escreveu o texto (entidade empírica), que se fez representar como autor. A intenção discursiva, “mostrar que o celular não tem muita importancia”, também foi destacada por Lana.

Eva fez suas abordagens relativas ao texto de Edu (Anexo B). Para ela, o colega analisou a influência exagerada do uso do celular na situação atual. Segundo Eva, o autor do texto se dirigiu aos adolescentes estudantes a fim de conscientizá-los (leitor previsto e intenção discursiva). Para isso, Edu se baseou em notícias, reportagens (enunciados já-ditos), quer dizer, ele reagiu responsivamente diante de fatos lidos em outros enunciados. Eva achou que algumas idéias não estavam muito claras no texto e alertou que Edu não “concluiu” o que quis dizer. Por isso, Eva sugeriu ao colega que tentasse melhorar o texto nesses aspectos citados por ela.

Essa primeira experiência de prática de análise lingüística a partir do texto do aluno nos leva a concluir que houve um retorno ao conhecimento construído sobre o gênero artigo, com a observação de algumas de suas características, e uma leitura do texto-enunciado, com os alunos se posicionando diante do texto lido, numa compreensão responsiva ativa (BAKHTIN, 2003). Houve, por parte dos alunos, além das observações sobre o gênero e o enunciado, um olhar sobre algumas questões textuais, com sugestões para acrescentar mais dados no texto, deixar frases mais claras e “concluir” melhor. Eles observaram também alguns aspectos gramaticais, como rever concordância, pontuação e acentuação gráfica.

Nessa primeira estratégia, as interferências feitas nos textos foram mínimas, pois objetivamos observar o que, em termos de gênero, os alunos identificaram durante a leitura analítica em duplas. Como as produções textuais estavam em andamento, sugerimos, então, que os alunos continuassem lendo os demais textos dos colegas para reflexões e troca de sugestões. A reflexão sobre o texto do outro leva o aluno a refletir também sobre o próprio texto. Assim, a leitura/análise em duplas foi um momento também de reflexão para os alunos que ainda não haviam produzido ou estavam em processo de produção dos artigos. Nessa leitura da palavra do outro, segundo Geraldi (1997), o aluno pode descobrir outras formas de pensar que, em contraposição às dele, podem levá-lo à construção de novas formas, sucessivamente.

Podemos dizer ainda que, nesse primeiro momento de prática de análise lingüística a partir de textos produzidos pelos alunos, a prática de leitura/compreensão do texto-enunciado integrou-se à de leitura/análise do gênero e também do texto-texto. Esse processo seguiu com mais profundidade, como veremos nas análises subseqüentes.

Na seção seguinte, relatamos a segunda estratégia de análise lingüística.