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A dignidade da pessoa humana como fundamento material e instrumental de

deve valorizar o trabalho humano; e seu objetivo precípuo é assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social.391(grifou-se)

Por tal razão, não é difícil constatar que o capital (ou o poder econômico) é o meio para assegurar e promover a dignidade do ser humano, sendo ilegítimo e inconstitucional qualquer raciocínio que pretenda inverter esta ordem, ou seja, colocar o homem como meio, como um mero fator de produção, para fomentar o capital, sem dele participar ou se beneficiar.

Dessa lógica decorre que a dignidade da pessoa humana, já minudentemente tratada nos dois primeiros capítulos da presente pesquisa, constitui o fundamento material e instrumental para desencadear ações legítimas de resistência392 contra a flexibilização nociva de direitos trabalhistas.

Com efeito, como se terá oportunidade de demonstrar, a afirmação dos direitos trabalhistas, cujo fundamento filosófico está calcado nos princípios juslaborais estudados no capítulo segundo desta investigação, constitui a forma mais adequada e eficaz de distribuição de riquezas e de benefícios, oriundos do capital, para a generalidade dos homens.393

E é justamente a afirmação da dignidade da pessoa humana, que fundamenta os direitos trabalhistas, que proporcionará a tão almejada justiça social em nosso país, diminuindo a absurda e inaceitável desigualdade social e regional que exclui a grande massa dos cidadãos brasileiros do acesso aos meios básicos de vida digna, como o trabalho, a educação e a saúde.

391 O artigo 170 da CF assim dispõe: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na

livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:”

392 Bobbio, sustenta que “não há dúvida de que o velho problema da resistência à opressão voltou a se tornar

atual graças à imprevista e geral explosão do movimento de contestação”. Segundo o citado autor, contestação e resistência são conceitos distintos, já que “o contrário da resistência é a obediência, o contrário da contestação é a aceitação”. Mais especificamente quanto à resistência, esclarece que “enquanto contrária à obediência, a resistência compreende todo o comportamento de ruptura contra a ordem constituída, que ponha em crise o sistema, pelo simples fato de produzir-se [...]”. Todavia, o autor em questão pondera que “na prática, a distinção não é assim tão nítida: numa situação concreta, é difícil estabelecer onde termina a contestação e onde começa a resistência”. BOBBIO, op. cit., 2004, p. 152-153.

393 De acordo com Delgado: “Enfatiza-se: se, na origem do Direito do Trabalho, o arsenal de princípios básicos

era tido como eixo de orientação do ramo justrabalhista, a compreensão do Direito do Trabalho contemporâneo também deve perpassar os princípios cardeais. Inclusive, a moderna doutrina constitucional garante aos princípios caráter vinculante, com função normativa própria, o que somente ratifica sua importância no contexto da interpretação, aplicação e integração das normas jurídicas”. DELGADO, op. cit., 2003, p. 190.

Então, através de ações de resistência394, legitimadas por aquilo que aqui se denominam ações afirmativas da dignidade da pessoa humana, é que o povo poderá afastar os efeitos deletérios da onda flexibilizante gerada pelo neoliberalismo econômico, que solapa ou precariza direitos trabalhistas conquistados pelos cidadãos ao longo da história. Essas ações afimativas visam à justiça social prometida pela Constituição, colocando o homem, e não o capital, no centro do sistema. É essa a Tese que se pretende defender com ineditismo nesta pesquisa.

Por “ações afirmativas da dignidade da pessoa humana” deseja-se designar ações que “afirmem”, ou seja, que torne firme e eficaz o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Tal idéia liga-se ao fato de que o princípio em tela tem figurado na Constituição brasileira mais como um apelo humanitário, sem aplicabilidade concreta. Daí porque as ações no sentido de reconhecer a sua força normativa e transformadora ser designado, nesta pesquisa, como “afirmativas”.

Cumpre-se deixar claro que a idéia de “ações afirmativas” que ora é empregada neste estudo não se confunde com a noção estrita, definida na doutrina, de “discriminação positiva”,395 de inclusão social de minorias discriminadas.

Na verdade, a noção de ações afirmativas que ora se adota tem pretensão mais ampla, já que se trata de afirmar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e, pela via reflexa, proteger a generalidade dos trabalhadores (aí também incluídos segmentos de trabalhadores ainda mais vulneráveis e discriminados, como mulheres, envelhescentes e portadores de necessidades especiais) contra os efeitos precarizantes da flexibilização dos direitos trabalhistas.

Nesse sentido, as ações afirmativas, no sentido da discriminação positiva (inclusão de

394 De acordo com Bobbio, Matteucci e Pasquino: “Como indica, do ponto de vista lexical, o próprio termo,

trata-se mais de uma reação que de ação, de uma defesa que de uma ofensiva, de uma oposição que de uma revolução”. BOBBIO, MATTEUCCI; PASQUINO, op. cit., 2007, p. 1114.

395 A doutrina conhece duas formas de discriminação: a) a negativa, que diz respeito à discriminação ilícita,

proibida por lei, v.g., por motivo de sexo, idade e cor; b) positiva, que é considerada lícita, e tem por escopo criar uma desigualdade, via de regra temporária, visando igualar, juridicamente, pessoas que, materialmente, são desiguais. Essa desigualdade criada pode ser uma ação de inclusão ou um tratamento compensatório. Como acentua Cruz, a discriminiação positiva, ou as ações afirmativas, são atos de discriminação lícitos e necessários para o aperfeiçoamento da sociedade. Não são “esmolas” ou “clientelismos”, mas elemento essencial à conformação do Estado Democrático de Direito, sendo exigência em estados desenvolvidos, como os EUA, e em desenvolvimento, como o Brasil. CRUZ, op. cit., p. 185-186.

minorias discriminadas, mediante políticas públicas governamentais396) é apenas uma das facetas das “ações afirmativas da dignidade da pessoa humana” que ora se pretende defender, sendo essa última noção mais ampla e abrangente do que aquela primeira.

Tais ações, além de imprimir força normativa ao princípio em foco, visam a preservar o conteúdo mínimo de proteção das normas trabalhistas, tais como originalmente concebidas e, também, envolver, na sua prática efetiva, o Estado, a Sociedade Civil e os particulares, pois todos esses são responsáveis pela proteção e pela promoção da dignidade da pessoa humana.

Com efeito, o Estado, através de políticas públicas e da jurisdição, assim como a Sociedade Civil e os particulares, nas mais diversas formas de organização e de mobilização, devem reconhecer a força normativa do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, colocando-o em prática.397

É uma idéia nova, uma concepção positiva e transformadora, que pretende resgatar e afirmar a dignidade do homem e o seu verdadeiro lugar no processo civilizatório, libertando-o e emancipando-o de sua condição de meio para os desígnios do capital, invertendo essa lógica hoje corrente, para fazer justamente o contrário: colocar o capital como meio para atingir os desígnios do homem e de sua dignidade.

Nessa esteira, o presente estudo pretende, ainda que humildemente, aceitar o desafio de Coelho, lançado nos seguintes termos:

É um campo inexplorado, aguardando que inteligências jovens o descubram e realizem a revolução há muito aguardada no campo do direito. Nessa tarefa cabe aos juristas importantíssimo papel, pois a manutenção do monopólio dos tecnocratas poderá fazer com que a falta de perspectiva humanística, o desconhecimento dos princípios gerais em que o direito se apóia e a exclusiva subordinação a metas de natureza econômica – como se a riqueza a qualquer custo fosse a única opção válida – conduzam ao esquecimento progressivo da dignidade da pessoa humana.398

Para tanto, há de se dar força normativa e eficácia ao princípio da dignidade da pessoa humana, tanto na sua dimensão defensiva – objetivando proteger o trabalhador na sua esfera individual de personalidade –, como na sua dimensão prestacional, visando a alcançar os

396 A título de exemplo, vide as ações da Secretaria Especial de Políticas Públicas para Mulheres – SPM, nos

sítios www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/, acesso em 13/02/2008, bem como da Secretaria Especial de Políticas Públicas de Promoção de Igualdade Racial – SEPPIR, www.presidencia.gov.br/estrutura/seppir/, acesso em 13/02/2008.

397 A respeito, Gomes assevera: “Não se pode mais reservar só ao Estado a responsabilidade pela solução dos

problemas sociais. É mister que se desenvolvam a participação cidadã e o caráter institucional da empresa como comunidade capaz de realizar plenamente sua destinação econômica de um modo bem mais humano e solidário”. GOMES, op. cit., p. 232.

meios necessários para que o trabalhador viva dignamente.

Nesse sentido, bem acentua Delgado: “Ora, a concepção contemporânea de dignidade humana envolve, sem dúvida, a dimensão social do indivíduo, uma vez que é inviável supor- se a presença do respeito à dignidade de um ser humano radicalmente excluído de qualquer inserção socioeconômica da sociedade”.399

Todavia, não basta apontar as mazelas e deixá-las como estão. É necessário apresentar soluções e agir. É de fundamental importância resistir a esse modelo pernicioso aos interesses do homem e da sociedade, que prestigia a concentração de capital na mão de uns poucos, em detrimento de um imenso contingente de excluídos e despossuídos. Como fazer? Entende-se ser possível três linhas de ações afirmativas conjuntas, a serem tomadas no campo político, no campo jurídico e no campo social.

Nos tópicos que seguem serão estabelecidas as linhas gerais de tais ações, que nem de longe são exaustivas, mas meramente exemplificativas, contudo, suficientes para demonstrar que é possível não só resistir aos efeitos nocivos da flexibilização dos direitos trabalhistas, mas também promover novos direitos, visando a melhorar a condição social dos trabalhadores.

4.2 O papel do Estado na afirmação da dignidade da pessoa humana: políticas públicas e