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A Revolução Industrial e a contra-revolução social: um direito imprimido pelo

A criação da máquina a vapor e seu emprego para fins industriais causou um impacto profundo no processo de produção de bens e serviços.

O que até então era produzido lentamente, em pequenas quantidades, com o emprego de ferramentas rudimentares, passou a ser produzido rapidamente, em larga escala, pelo emprego da máquina. Como destaca Camino: “O advento da máquina, em 1812, aperfeiçoada por James Watt, em 1848, ensejou rápido crescimento industrial e este acarretou profundas alterações na Economia e nas relações sociais, em especial entre o capital e o trabalho”.174

173 CAMINO, op. cit., 2003, p. 108. 174 Idem, p. 32.

Daí porque o fenômeno apontado foi denominado “revolução” industrial. A introdução de um novo instrumento, no caso, a máquina a vapor, teve o condão não só de acelerar o processo produtivo, mas também de aumentar os bens produzidos, gerando o chamado “excedente” de produção.

De fato, a comercialização do excedente da produção aumentou significativamente a margem de lucro das indústrias, gerando capital de investimento e, conseqüentemente, novas indústrias.

Rapidamente formaram-se centros industriais e, com eles, aumentou a concentração de operários, muitos dos quais agricultores, que se desfizeram de suas pequenas propriedades rurais na expectativa de obter emprego nas fábricas e, com isso, melhorarem sua qualidade de vida, embalados pelo encanto do progresso e das “facilidades” da vida na cidade.

Todavia, as fábricas não conseguiram absorver o enorme contingente de pessoas que vieram na busca de emprego. A oferta de postos de trabalho era menor do que a procura e as pessoas, desempregadas e despossuídas, passaram a se concentrar na periferia das cidades, de forma precária e desorganizada.

Os donos das fábricas passaram a lucrar mais do que nunca, uma vez que dispunham de mão-de-obra barata, contratando quem se dispusesse a trabalhar mais por menor salário.

Huberman, de forma irônica e impactante, descreveu a realidade da época:

Se um marciano tivesse caído naquela ocupada ilha da Inglaterra teria considerado loucos todos os habitantes da terra. Pois teria visto de um lado a grande massa do povo trabalhando duramente, voltando à noite para os miseráveis e doentios buracos onde moravam, que não serviam nem para os porcos; de outro lado, algumas pessoas que nunca sujaram as mãos com o trabalho, mas não obstante faziam as leis que governavam as massas, e viviam como reis, cada qual num palácio individual.175 Visando a incrementar a renda familiar, mulheres e crianças também bateram nas portas das fábricas, sujeitando-se as mesmas condições de trabalho do homem, porém, com salários ainda mais aviltados.

A propósito, Huberman assevera:

175 HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Tradução de Waltensir Dutra. 21. ed. Rio de Janeiro:

Como mulheres e crianças podiam cuidar das máquinas e receber menos que os homens, deram-lhes trabalho, enquanto o homem ficava em casa, freqüentemente sem ocupação. A princípio, os donos de fábricas compravam o trabalho das crianças pobres, nos orfanatos; mais tarde, como os salários do pai operário e da mãe operária não eram suficientes para manter a família, também as crianças que tinham casa foram obrigadas a trabalhar nas fábricas e minas.176

Vale registrar que toda essa realidade teve impulso também na filosofia liberal então em curso, oriunda da Revolução Francesa de 1789. De fato, no campo jurídico-político, grassava a noção de que os homens nasciam livres e iguais e, como tais, possuíam liberdade para estabelecer, em pé de igualdade, as condições contratuais que bem lhes aprouver.

Diante disso, os donos das fábricas não tinham nenhum remorso em impor condições aviltantes aos trabalhadores, uma vez que estavam legitimados no campo político e jurídico para agir dessa maneira. De fato, de acordo com a filosofia liberal, o que era contratual era justo, razão pela qual não podia o trabalhador reclamar perante o Estado contra cláusulas que “livremente” e em condições de “igualdade” estabeleceu.

A esse respeito, vale colher-se a lição de Hespanha:

O direito burguês estava a criar a forma mais eficaz de ocultar o facto de que, na realidade, os indivíduos concretos não eram iguais, mas antes inevitavelmente hierarquizados pelas respectivas condições econômicas e políticas. Mas esta função ideológica de ocultamento era completada pela ficção jurídica da liberdade, nomeadamente, da liberdade negocial. Também aqui, o direito construía uma realidade imaginária – a de indivíduos senhores das suas vontades, negociando paritariamente -, totalmente contraditória com a realidade efectiva, que era antes a de indivíduos condicionados pelos constrangimentos econômico-sociais do capitalismo oitocentista, em que o patrão, economicamente forte e dispondo de uma grande capacidade de escolha entre uma grande oferta de trabalho, se confronta com um assalariado economicamente débil e com escassas possibilidades de encontrar quem o admita.177

Diante desse panorama, os trabalhadores foram explorados à exaustão. A pobreza generalizada, a fadiga no trabalho, a falta de higiene da fábrica, entre outros fatores, passaram a gerar um sentimento crescente de insatisfação dos trabalhadores, os quais começaram a se reunir na clandestinidade, na busca de alternativas para a superação do problema.

Émile Zola, na célebre obra denominada Germinal, fez-se passar como um mineiro, numa mina de carvão, para retratar a dura e crua realidade do operário na época da Revolução

176 HUBERMAN, op. cit., p. 178.

177 HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia: síntese de um milênio. 3. ed. Portugal: Europa-

Industrial.178

Em dita obra, Zola descreve a miserabilidade dos operários e as péssimas condições de higiene das minas, registrando como se deu o início dos movimentos ascendentes dos operários na busca de condições mais dignas de trabalho, imbuídos pelas idéias de Marx e das internacionais comunistas. A propósito, vale citar um trecho da mencionada obra, onde os operários discutem ao redor de uma mesa a situação de injustiça da relação de trabalho:

– O pior de tudo é que todos dizem que isso não vai mudar... Eu não quero mal a ninguém, mas às vezes essa injustiça me revolta. Entre uma frase e outras, o silêncio causava mal-estar. Só o velho Boa Morte arregalava os olhos, surpreso, porque nunca ninguém havia se preocupado com aquilo: eles nasciam no carvão, trabalhavam na mina e pronto. Agora, novas idéias enchiam os mineiros de ambição. Não devemos nos queixar - dizia o velho. – Os chefes são sempre canalhas; mas sempre vai haver chefes, não é verdade? Não vale a pena quebrar a cabeça com essas coisas. Étine se revoltava. Os operários não deviam ser proibidos de pensar. Na época do velho, o mineiro vivia como um animal, enterrado na mina, sem se dar conta do que acontecia. Por isso, os ricos podiam chupar o sangue dos operários. Mas estes já estavam acordando. No fundo da terra germinava uma semente, e um belo dia os homens brotariam da terra, um exército de homem que viria restabelecer a justiça.179

Movidos pelo sentimento de solidariedade, próprio dos oprimidos, os trabalhadores passaram a se rebelar, exigindo melhores condições de trabalho e salários mais adequados. Donos de fábricas foram mortos, máquinas foram quebradas, indústrias foram fechadas, greves foram realizadas, enfim, várias foram as formas de luta e de reivindicação da classe trabalhadora.

A contra-revolução social180, conduzida pela classe trabalhadora, fez com que o

178 Também com o intuito de denunciar as condições precárias de trabalho de trabalhadores estrangeiros, o

jornalista Günter Wallraff publicou, em 1985, o livro cujo título, no Brasil, é “Cabeça de Turco: uma viagem aos porões da sociedade alemã”. Fruto de uma reportagem investigativa, Wallraff fez-se passar por um operário turco, submetendo-se a vários serviços que os operários alemães não se submetem, sem qualquer proteção jurídica ou social. A respeito da motivação do livro em questão, eis as palavras do próprio autor: “Através de relatos de amigos e de várias publicações eu já podia fazer uma idéia da vida dos estrangeiros na República Federal da Alemanha. Sabia que mais da metade dos imigrantes jovens sofre de doenças psíquicas. Não conseguem mais digerir os inúmeros desaforos. Praticamente não têm chances no mercado de trabalho. Para eles, que aqui cresceram, não há possibilidade de regresso a seus países de origem. São apátridas. O aviltamento do direito de asilo, o ódio aos estrangeiros, os confinamentos nos crescentes guetos – tudo isso eu conhecia, mas nunca havia vivenciado”. WALLRAFF, Günter. Cabeça de turco: uma viagem aos porões

da sociedade alemã. Tradução de Nicolino Simone Neto. 14 ed. São Paulo: Globo, 2004, p. 19, grifo do

autor.

179 ZOLA, Émile. Germinal. Tradução de Silvana Salermo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 58. 180 De acordo com Bobbio, Matteucci e Pasquino “A contra-revolução pode se entendida não só como

movimento subseqüente a uma Revolução vitoriosa, com o objetivo de destruir suas vantagens, mas também como um movimento orientado tanto a impedir qu se dê uma Revolução, quando a pôr obstáculo a mudanças de grande envergadura que ameaçam seriamente as bases do poder de certos grupos dominantes”. BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, op. cit., 2007, p. 1129.

Estado, até então inerte e omisso, passasse a intervir na relação entre o capital e o trabalho. Ainda que timidamente, o Estado passou a editar leis de proteção ao trabalhador, primeiro reduzindo jornada de trabalho e, após, estabelecendo salários mínimos.

Essas primeiras leis é que deram origem ao Direito do Trabalho e ao seu suporte filosófico, qual seja, a proteção do trabalhador.

Com o estabelecimento do Tratado de Versalhes181, ao término da Primeira Guerra Mundial, consagraram-se os princípios universais que passaram a reger as relações de trabalho. Entre tais princípios destacam-se: a limitação da jornada de trabalho, a fixação de um salário mínimo digno e a declaração de que o trabalho não pode ser considerado mercadoria ou artigo de comércio.

A partir de então, a maioria dos Estados Democráticos de Direito passaram a consagrar em suas constituições os direitos fundamentais sociais, intervindo nas relações entre o capital e o trabalho e estabelecendo normas jurídicas de proteção e salvaguarda da dignidade pessoal do trabalhador.

Nos tópicos que seguem, o assunto será aprofundado e detalhado, primeiro estabelecendo a noção de princípio e sua funcionalidade no sistema jurídico e, na seqüência, abordando, um a um, os mais relevantes princípios do Direito do Trabalho.