• Nenhum resultado encontrado

A dimensão da prevenção no contexto das políticas públicas

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB (páginas 75-82)

Em nosso país, a Política Nacional Sobre Drogas (PNAD), lei n° 11.343/2006, foi

revogada pelo Decreto Nº 9.761, de 11 de abril de 2019, que estabeleceu uma nova PNAD,

conforme foi enfatizado anteriormente. A PNAD que estava em vigor antes do decreto era

significativa, pois trazia em seu corpo alguns avanços importantes que, de certa maneira, nos

aproximava do que vem sendo praticado a nível internacional quando o assunto são as drogas,

principalmente no que concerne à RD. Porém, seus fundamentos, pressupostos, objetivos e

diretrizes ainda buscavam assegurar a redução da demanda e da oferta de drogas, o que

demonstrava o seu caráter proibicionista e repressor.

A nova legislação em vigor fez-nos retroceder e aprofundou ainda mais o seu caráter

repressivo e proibicionista. Hoje, mais do que nunca, a política pública brasileira alinha-se à

política de guerra às drogas. O documento é composto por sete capítulos: 1°- Introdução; 2° -

Pressupostos da Política Nacional sobre Drogas; 3°- Objetivos da Política Nacional sobre

Drogas; 4°- Prevenção; 5°- Tratamento, acolhimento, recuperação, apoio, mútua ajuda e

reinserção social; 6°- Redução da oferta; 7°- Estudos, pesquisas e avaliações.

Sobre a prevenção ao consumo de drogas especificamente, a referida lei propõe que sejam

consideradas as ações que busquem a promoção de fatores de proteção ao consumo, a

conscientização e proteção dos fatores de risco. Dessa forma, em seu capítulo quatro,

apresenta um conjunto de orientações e diretrizes que devem subsidiar as abordagens de

prevenção. A seguir apresentamos algumas delas.

QUADRO 4 − Orientações e diretrizes que devem subsidiar as abordagens de prevenção

4.1.3. As ações preventivas devem ser pautadas em princípios éticos e de pluralidade cultural, orientadas para a promoção de valores voltados à saúde física, mental e social, individual e coletiva, ao bem-estar, à integração socioeconômica, à formação e fortalecimento de vínculos familiares, sociais e interpessoais, à promoção de habilidades sociais e para a vida, da espiritualidade, à valorização das relações familiares e à promoção dos fatores de proteção ao uso do tabaco e seus derivados, do álcool e de outras drogas, considerados os diferentes modelos, em uma visão holística do ser humano, com vistas à promoção e à manutenção da abstinência.

4.1.4. As ações preventivas devem ser planejadas e direcionadas ao desenvolvimento humano, ao incentivo da educação para a vida saudável e à qualidade de vida, ao fortalecimento dos mecanismos de proteção do indivíduo, ao acesso aos bens culturais, à prática de esportes, ao lazer, ao desenvolvimento da espiritualidade, à promoção e manutenção da abstinência, ao acesso ao conhecimento sobre drogas com embasamento científico, considerada a participação da família, da escola e da sociedade na multiplicação das ações.

4.1.5. As mensagens utilizadas em campanhas e programas educacionais e preventivos devem ser claras, atualizadas e baseadas em evidências científicas, consideradas as especificidades do público-alvo, as diversidades culturais, a vulnerabilidade de determinados grupos sociais, incluído o uso de tecnologias e ferramentas digitais inovadoras.

Diretrizes

4.2.1. Garantir aos pais ou responsáveis, representantes de entidades governamentais e não-governamentais, iniciativa privada sem fins lucrativos, educadores, religiosos, líderes estudantis e comunitários, conselheiros federais, estaduais, distritais e municipais e outros atores sociais, capacitação continuada direta, ou por meio de instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos, sobre prevenção do uso de drogas lícitas e ilícitas, com vistas ao engajamento no apoio às atividades preventivas com base na filosofia da responsabilidade compartilhada, inclusive com a utilização de plataformas online, à distância e a formalização de parcerias no âmbito do Poder Público e com as organizações da sociedade civil sem fins lucrativos.

4.2.2. Dirigir ações de educação preventiva, inclusive em parcerias públicas ou com entidades privadas sem fins lucrativos, de forma continuada, com foco no indivíduo e em seu contexto sociocultural, a partir da visão holística do ser humano e buscar de forma responsável e em conformidade com as especificidades de cada público-alvo: a) desestimular seu uso inicial; b) promover a abstinência; c) conscientizar e incentivar a diminuição dos riscos associados ao uso, ao uso indevido e à dependência de drogas lícitas e ilícitas.

4.2.14. Fundamentar campanhas e programas de prevenção ao uso de tabaco e seus derivados, álcool e outras drogas em pesquisas e levantamentos sobre o uso de drogas lícitas e ilícitas e suas consequências, de acordo com a população-alvo, respeitadas as características regionais e as

peculiaridades dos diversos segmentos populacionais.

4.2.16. Promover e apoiar novas formas de abordagem e cuidados, o uso de tecnologias, ferramentas, serviços e ações digitais inovadoras.

4.2.17. Propor a inclusão, na educação básica, média e superior, de conteúdos relativos à prevenção do uso de drogas lícitas e ilícitas, com ênfase na promoção da vida, da saúde, na promoção de habilidades sociais e para a vida, formação e fortalecimento de vínculos, promoção dos fatores de proteção às drogas, conscientização e proteção contra os fatores de risco.

Fonte: Elaboração própria com base na Política Nacional Sobre Drogas

(2019).

Tendo em conta as orientações e diretrizes propostas, é possível observar que a

educação preventiva tem como objetivos principais: ―desestimular seu uso inicial; promover a

abstinência; conscientizar e incentivar a diminuição dos riscos associados ao uso, ao uso

indevido e à dependência de drogas lícitas e ilícitas‖. O documento também propõe apoiar a

capacitação continuada das pessoas e a inclusão de conteúdos relativos às drogas em todos os

níveis de ensino. Porém, fica bastante evidenciada a opção da política pelo modelo abstêmio,

que é ressaltado também através das ações de educação preventiva.

A PNAD é comandada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD).

Em uma publicação que data do ano 2017 direcionada para a formação sobre a temática das

drogas, a SENAD elenca doze categorias distintas que vêm orientando projetos de prevenção

sobre drogas de acordo com os pressupostos que cada um deles segue.

QUADRO 5 –

Categorias que vêm orientando projetos de prevenção sobre drogas

a) informativo – quando apenas oferecem informações sobre as consequências e riscos de consumir de drogas;

b) de tomada de decisão – quando objetiva levar o sujeito a tomar decisões racionais sobre o uso das substâncias;

c) de compromisso – quando busca levar o indivíduo a assumir um compromisso de não usar drogas;

d) de classificação de valores – propõe que o sujeito faça um exame dos seus valores e das consequências da sua conduta. Sendo assim, procura demostrar que os valores corretos são contrários ao consumo de drogas;

e) de estabelecimento de metas – procura ensinar habilidades e a manter-se focado em objetivos, incentivando os sujeitos a adotarem uma orientação de sucesso;

f) de manejo do estresse – essa abordagem tem o objetivo de ensinar habilidades para lidar com situações de estresse, em momentos psicológicos difíceis;

g) de autoestima – quando a abordagem busca desenvolver sentimentos e tornar o sujeito autoconfiante e seguro;

h) de treinamento em habilidades de resistência – oferece um treinamento para que os indivíduos possam resistir caso venham a sofrer alguma pressão para usar drogas ou tornar-se de alguma maneira imunes às influências de amigos, familiares ou meios de comunicação;

i) de treinamento em habilidades para a vida – busca desenvolver uma gama de habilidades sociais e pessoais para que os sujeitos estejam mais aptos a solucionar seus conflitos;

j) de crenças normativas – quando há afirmação de normas conservadoras a respeito do uso de drogas, corrigindo as percepções errôneas da prevalência e acessibilidade às substâncias;

k) de assistência – quando é oferecido atendimento terapêutico para que os sujeitos possam encarar de uma forma mais amena os problemas da vida;

l) de alternativas de tempo livre – essa abordagem tem o objetivo de proporcionar atividades e experiências para evitar o uso de drogas.

Fonte: Elaboração própria com base em SENAD (2017)

Dessa maneira, percebe-se que as orientações dessas abordagens vão variando o seu

foco de ação. O objetivo de todas é evitar o consumo de drogas, mas elas seguem caminhos

diferentes. Enquanto umas buscam tornar o sujeito resistente às influências possivelmente

―perversas‖ de outras pessoas que usam drogas, outras buscam oferecer ajuda terapêutica para

o enfrentamento de problemas. Palavras como valores, compromisso, decisão, crenças

normativas e resistência chamam-nos atenção pelo contexto em que estão inseridas, e são

reveladoras de uma opção mais compatível com as atuais políticas sobre drogas e, assim,

também com a abordagem repressiva tradicional.

Outras abordagens revelam uma preocupação em garantir o bem-estar psicológico do

sujeito e o desenvolvimento de habilidades sociais para evitar o consumo de drogas. É

possível afirmar que ―os programas voltados para o desenvolvimento de habilidades sociais

são mais efetivos do que os baseados na transmissão de informações e os voltados para o

treinamento de tomadas de decisão‖ (FAGGIANO et al. apud MOREIRA et al., 2006, p. 809).

Nesse sentido, a aquisição de habilidades sociais pode ser identificada como um fator de

proteção ao consumo abusivo de drogas. E, dessa maneira, ações que possuam essa

abordagem teórica podem ser mais bem-sucedidas. Pois, apesar do objetivo principal

continuar sendo evitar o consumo, essas abordagens focam mais no sujeito e no seu

desenvolvimento pessoal.

Geralmente, há a escolha por uma dessas abordagens citadas acima, que é realizada

segundo o nível de prevenção escolhido, que pode ser indicada, seletiva ou universal. Sendo a

prevenção indicada direcionada àqueles indivíduos que já se encontram praticando o

comportamento de risco; a prevenção seletiva seria indicada, então, a sujeitos que estão ou

estarão expostos a fatores de risco; e a prevenção universal seria, então, dirigida para todos os

membros da sociedade sem que precise haver a eleição de grupos identificados como de risco.

O objetivo nos três tipos de prevenção seria diminuir os casos de dependência (FIGLIE;

DIEHL, 2014.)

A legislação propõe a adoção de estratégias preventivas diferenciadas de acordo com

as especificidades do público-alvo. De acordo com o material disponibilizado pela SENAD,

constatamos a existência de várias estratégias e percebemos que a grande maioria delas se

alinham às diretrizes na Política Nacional. De modo geral, apesar de algumas estratégias

buscarem o desenvolvimento pessoal como fator de proteção, isso não será possível sem que

se promova a reflexão, pois não há como ser autônomo e responsável por suas escolhas sem

haver adquirido uma consciência crítica; sem ter o conhecimento de todos os fatores que se

relacionam com a questão das drogas e de como esses fatores também estão relacionados com

a manutenção de uma determinada ordem social que marginaliza e criminaliza algumas

pessoas, ordem social que vem produzindo uma multidão de excluídos sociais.

A prevenção ao consumo abusivo de drogas também faz parte do ensino de saúde nos

temas transversais da educação, estabelecidos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN,

1997). Os PCN têm o objetivo de fornecer diretrizes para a educação básica e apresentam

temas transversais dos quais fazem parte alguns assuntos que apresentam grande importância

para a sociedade. Por seu caráter transversal, esses conteúdos não devem ficar restritos a uma

única disciplina. O objetivo é que eles possam ser abordados por qualquer professor e em

qualquer área. São temas transversais a ética, a pluralidade cultural, o meio ambiente, a saúde

e a orientação sexual. Cada tema transversal apresenta um conjunto de conteúdos que são

separados por blocos.

No que diz respeito à saúde como tema transversal, enfatiza-se a educação para a

saúde na escola como um fator de proteção. O documento salienta que: ―não se pode

compreender ou transformar a situação de saúde de um indivíduo ou de uma coletividade sem

levar em conta que ela é produzida nas relações com o meio físico, social e cultural.‖ (PCN,

1997, p. 65), propondo, dessa forma, que, para promover ações de saúde no âmbito escolar de

forma eficaz, é necessário considerar o meio ambiente em que os indivíduos estão inseridos.

A prevenção ao consumo de drogas aparece no bloco de conteúdos que trata sobre

vida coletiva e sugere que, a depender da realidade, o conteúdo sobre prevenção já deve

aparecer desde a primeira série do ensino fundamental (atualmente, segundo ano). Porém, o

conteúdo que o documento sugere para ser abordado pelo professor trata apenas de informar

aos alunos sobre agravos ocasionados pelo consumo de drogas (fumo, álcool e entorpecentes).

No entanto, cabe salientar novamente que os PCN apresentam apenas diretrizes. Nesse

sentido, a escola não é obrigada a seguir à risca, mas deve orientar-se por eles.

Tendo em vista o que observamos até aqui a respeito da prevenção ao consumo

abusivo de drogas, identificando algumas características socio-históricas, culturais e políticas,

podemos afirmar que existem interesses diferentes que perpassam a questão e que, na maioria

das vezes, essas ações são orientadas pelas políticas nacionais, o que ratifica seu caráter

repressor e alienante.

4 AS DROGAS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO POPULAR: ENFOQUES DA

LITERATURA

A educação popular apresenta-se como uma concepção educativa que vem sendo

incorporada em múltiplos cenários. Na atualidade, a mesma vem sendo desenvolvida e

debatida junto a novas abordagens com características críticas a respeito de uma grande

variedade de questões que ocupam os principais e mais acalorados debates na sociedade. Na

literatura, é possível encontrar a construção de diálogos entre a educação popular e a educação

ambiental (FIGUEIREDO, 2013; SOUZA, 2018); entre a educação popular e as questões de

gênero (BORGES; BARBOSA, 2013); entre a educação popular e as novas tecnologias

(ADAMS; STRECK, 2010). Estes são apenas alguns exemplos. Acreditamos que muitas

outras abordagens e temáticas vêm recebendo as contribuições da educação popular.

Calado (2014) afirma que o conceito de educação popular pode ser discutido em

diferentes áreas. Quase todas as temáticas podem dialogar com ela de alguma maneira, desde

que, no cerne das ações, esteja a dimensão educativa e a intencionalidade emancipadora. O

autor apresenta preocupação com o caráter dessas experiências, pois, para uma proposta

educativa se constituir educação popular de fato, o povo não pode ser apenas o público

participante. Isso nos aproximaria mais de uma educação bancária, onde os sujeitos passivos

apenas recebem o que lhes é oferecido. A educação popular exige que os indivíduos das

camadas populares tenham uma participação ativa e decisiva em todos os momentos.

Conduzir o processo de outra maneira seria negar o próprio caráter político-pedagógico da

educação popular.

Assim, construir uma experiência educativa adotando os pressupostos teóricos e

metodológicos da educação popular é uma tarefa que demanda de todos os sujeitos envolvidos

uma postura ética e política de comprometimento com a emancipação das classes populares.

Com o seu protagonismo, processo de humanização e formação permanente, como dito por

Freire (2018a). Uma prática educativa que faz da opressão e de seus determinantes o objeto de

reflexão das camadas populares para, assim, alcançar os objetivos da educação popular, quais

sejam: a construção de uma sociedade justa, a conquista da autonomia e da consciência

crítica.

Streck (2013) aponta que a educação popular acompanha o movimento da sociedade,

procurando sempre novos espaços para a sua realização. Tendo isto em conta, procuramos

neste capítulo, identificar como a questão das drogas vem sendo abordada na bibliografia da

educação popular. Essa não foi uma questão explicitamente abordada pelos grandes teóricos

da educação popular. Porém, é importante revisitá-los e buscar inspiração nos seus escritos,

com a intenção de recriar práticas e caminhos alternativos aos desafios que se colocam hoje

(CALADO, 2014), como tem se colocado a questão das drogas na sociedade.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB (páginas 75-82)