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Sistema Paulo Freire de alfabetização

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB (páginas 52-56)

Um marco representativo para a educação popular foi o desenvolvimento do sistema

de alfabetização criado por Paulo Freire e sua equipe que tinha o objetivo de educar e, ao

mesmo tempo, politizar os indivíduos. Fávero (2013) enfatiza que as primeiras experiências

práticas utilizando-se o método do sistema de alfabetização aconteceram no âmbito do

Movimento de Cultura Popular do Recife, em 1962. Além do Recife, o sistema também foi

implantado na Paraíba através da Campanha de Educação Popular da Paraíba (CEPLAR), que

contou com a assessoria do próprio Freire e sua equipe. Porém, o autor salienta que, apesar da

importância das primeiras experiências, o sistema só veio a adquirir notoriedade e

reconhecimento nacional após ser utilizado na cidade de Angicos, no Estado do Rio Grande

do Norte, no ano de 1963.

A experiência que se desenvolveu na cidade de Angicos repercute até os dias de hoje,

e não por acaso. Foi uma experiência de alfabetização de jovens e adultos muito exitosa em

um período em que o Brasil possuía níveis alarmantes de analfabetismo entre esse público. E

como foi enfatizado acima, nesse período, as principais campanhas de alfabetização que se

desenvolviam no nível institucional objetivavam apenas instruir para que as pessoas

pudessem votar. A experiência de Freire foi realizada no interior do Nordeste e teve um

número expressivo de participantes, cerca de 300 trabalhadores do campo. Outro ponto que

chama bastante a atenção é a carga horária da experiência, pois todo o processo de

alfabetização foi concretizado em apenas 40 horas.

O sistema de alfabetização criado por Freire e sua equipe possui uma metodologia

própria. Dessa forma, sua proposta de alfabetização representava uma inovação, pois se

colocava em sentido contrário a tudo que vinha sendo praticado no país até então. Educação e

conscientização passam a fazer parte de um mesmo projeto de libertação dos homens das

amarras invisíveis que são impostas pelo sistema capitalista. Conforme é salientado por Leite,

a metodologia utilizada por Freire em seu sistema de alfabetização era concretizada da

seguinte maneira:

[...] inicialmente, um momento preliminar de estudo da realidade – à maneira histórico-sociológica – em que será desenvolvida a alfabetização, pesquisando, por exemplo, os modos de vida da localidade. Em seguida, o segundo momento com os passos de execução do método propriamente dito, isto é: i) levantamento do universo vocabular dos grupos com os quais se trabalhará; ii) escolha das palavras selecionadas do universo vocabular pesquisado; iii) criação de situações existenciais típicas do grupo de educandos que se tem em foco; iv) elaboração de fichas-roteiro para auxiliar os coordenadores de debate no trabalho que desenvolverão; v) elaboração de fichas com a decomposição das famílias fonêmicas correspondentes aos

vocábulos geradores (LEITE, 2018, p. 12-13)

.

Como se pode perceber através da observação dos passos de execução, essa proposta

de alfabetização demonstrava ter um comprometimento com o povo e sua realidade. É a

pedagogia do oprimido que, como o próprio autor afirma, tem que ser forjada com o povo, e

não para ele, levando os indivíduos a refletirem sobre a opressão e seus elementos causais

(FREIRE, 2018). A reflexão é um elemento fundamental em todo o processo e, ao escolher

trabalhar com palavras que pertencem ao vocabulário do povo e criando situações

existenciais, objetiva-se, além da alfabetização, fazer a problematização da realidade.

Problematizar para, posteriormente, transformar. Reflexão que conduz a ação, ou seja, práxis.

Conforme é salientado por ele, ―será apenas a partir da situação presente, existencial,

concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo que poderemos organizar o conteúdo

programático da educação ou da ação política‖ (FREIRE, 2018a, p. 119-120).

Freire apresentava-se como um educador comprometido com a liberdade e com a

humanização das classes populares. Opunha-se à exploração, dominação e alienação do povo.

Acreditava que esses sujeitos possuíam potencial e força para modificar suas realidades

injustas, mas precisavam primeiro percebê-las como tal. Enxergar as situações limite e as

possibilidades de ultrapassá-las era um dos objetivos a serem alcançados. Nesse contexto,

educação e política entrelaçavam-se e passavam a fazer parte do cotidiano dos educandos, das

salas de aula, dos círculos de cultura, dos movimentos sociais. A cultura do povo, seus

saberes e suas mobilizações sociais passavam a ser valorizadas como parte integrante do

processo formativo.

Assim, é possível compreender toda a aversão que os novos dirigentes do país, alçados

ao poder durante o golpe civil-militar, tinham ao sistema de alfabetização de Paulo Freire.

Pois, como ele escreve, ―a única forma de pensar certo do ponto de vista da dominação é não

permitir que as massas populares pensem‖ (FREIRE, 2018a, p. 177). A educação popular

objetiva conduzir o povo a pensar. Freire com o sistema de alfabetização desejava também

levar o povo a pensar, a conquistar sua emancipação e modificar sua forma de perceber o

mundo. Isso nunca foi o desejável para a manutenção do status quo; representava, na verdade,

uma grande ameaça para esse sistema. Conforme afirma Gohn (2013), quando o método de

Paulo Freire surgiu,

Significou uma alternativa emancipatória e progressista face aos programas extraescolares predominantes na época, patrocinados por agências norte-americanas e de outros países, com programas de extensão rural, desenvolvimento de comunidade, etc. [...] A obra de Paulo Freire e sua abordagem da realidade têm um caráter multidisciplinar e contemplam diversas dimensões, destacando-se a do educador-político. Freire postulava uma educação libertadora e conscientizadora, voltada para a geração de um processo de mudança na consciência dos indivíduos, orientada para a transformação deles próprios e do meio social onde vivem (GOHN, 2013, p. 34).

Fica evidente, então, que essas experiências trouxeram contribuições para o campo da

educação popular no nível teórico e prático. Conforme é enfatizado por Brandão (1984), no

começo da obra escrita de Freire, já é possível perceber que a educação popular, como uma

prática cultural para a liberdade, teria o papel de transformar toda a educação tradicional.

Nesse sentido, as fases de alfabetização e pós-alfabetização seriam apenas um de seus

momentos, pois não ficaria restrita a elas. O objetivo era avançar para os outros níveis de

ensino. Dessa forma, fomenta e inspira movimentos revolucionários de educadores que

desejavam reorientar as práticas pedagógicas, assim como refletir sobre o viés político da

educação.

Com a instauração do regime militar, todas as ações educativas que possuíam um viés

crítico foram encerradas. O sistema de alfabetização que seria levado para vários cantos do

país foi rechaçado pelo novo governo. O próprio Paulo Freire foi exilado do país, assim como

outros educadores e pessoas que acreditavam na democracia, na liberdade e na justiça. Porém,

ele deu continuidade à sua obra em outros países por onde passou. Desse modo, o autor

seguiu contribuindo com o desenvolvimento da educação popular.

No período de redemocratização do Brasil, a educação popular e os movimentos

sociais assumem importantes papéis. Na década de 1970, a educação popular permaneceu ao

lado dos movimentos populares, associações comunitárias e alguns grupos ligados à Igreja

Católica como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Na década de 1980, as

organizações populares participaram ativamente dos movimentos pela redemocratização e

também em defesa da Assembleia Nacional Constituinte, que culminou na nova Constituição

Cidadã do Brasil. Nos anos de 1990, a economia neoliberal entra de fato no Brasil e

acentuam-se ainda mais os processos de exclusão, o que representa novas demandas para a

educação popular (CRUZ; VASCONCELOS, 2017).

No século XXI, a educação popular encontra-se diante de desafios que são criados,

principalmente, pelas novas formas de desenvolvimento da sociedade. O emergir de novas

ferramentas tecnológicas que produzem outras formas de comunicação e conhecimento

provocam transformações em vários setores da sociedade, o que pode representar também o

surgimento de novas formas de controle e opressão. Porém, como um ponto positivo nesse

contexto, é preciso ressaltar o lugar assumido pelo referencial da educação popular em

políticas públicas de governos democraticamente eleitos. Nesse sentido, destacamos a criação

da Política Nacional de Educação Popular em Saúde – PNEP/SUS (BRASIL, 2013).

Conforme é apontado por Mejía (2018), a educação popular põe em marcha um

conjunto de reelaborações de suas propostas e conceitualizações, com o intento de produzir

respostas a esses tempos de mudança. De tudo que foi acumulado anteriormente, suas

construções teóricas e práticas, é preciso tomar como ponto de partida e dar continuidade ao

trabalho, reconhecendo as mudanças estruturais que vêm acontecendo na sociedade e criando

novas formas de resistência.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB (páginas 52-56)