Um marco representativo para a educação popular foi o desenvolvimento do sistema
de alfabetização criado por Paulo Freire e sua equipe que tinha o objetivo de educar e, ao
mesmo tempo, politizar os indivíduos. Fávero (2013) enfatiza que as primeiras experiências
práticas utilizando-se o método do sistema de alfabetização aconteceram no âmbito do
Movimento de Cultura Popular do Recife, em 1962. Além do Recife, o sistema também foi
implantado na Paraíba através da Campanha de Educação Popular da Paraíba (CEPLAR), que
contou com a assessoria do próprio Freire e sua equipe. Porém, o autor salienta que, apesar da
importância das primeiras experiências, o sistema só veio a adquirir notoriedade e
reconhecimento nacional após ser utilizado na cidade de Angicos, no Estado do Rio Grande
do Norte, no ano de 1963.
A experiência que se desenvolveu na cidade de Angicos repercute até os dias de hoje,
e não por acaso. Foi uma experiência de alfabetização de jovens e adultos muito exitosa em
um período em que o Brasil possuía níveis alarmantes de analfabetismo entre esse público. E
como foi enfatizado acima, nesse período, as principais campanhas de alfabetização que se
desenvolviam no nível institucional objetivavam apenas instruir para que as pessoas
pudessem votar. A experiência de Freire foi realizada no interior do Nordeste e teve um
número expressivo de participantes, cerca de 300 trabalhadores do campo. Outro ponto que
chama bastante a atenção é a carga horária da experiência, pois todo o processo de
alfabetização foi concretizado em apenas 40 horas.
O sistema de alfabetização criado por Freire e sua equipe possui uma metodologia
própria. Dessa forma, sua proposta de alfabetização representava uma inovação, pois se
colocava em sentido contrário a tudo que vinha sendo praticado no país até então. Educação e
conscientização passam a fazer parte de um mesmo projeto de libertação dos homens das
amarras invisíveis que são impostas pelo sistema capitalista. Conforme é salientado por Leite,
a metodologia utilizada por Freire em seu sistema de alfabetização era concretizada da
seguinte maneira:
[...] inicialmente, um momento preliminar de estudo da realidade – à maneira histórico-sociológica – em que será desenvolvida a alfabetização, pesquisando, por exemplo, os modos de vida da localidade. Em seguida, o segundo momento com os passos de execução do método propriamente dito, isto é: i) levantamento do universo vocabular dos grupos com os quais se trabalhará; ii) escolha das palavras selecionadas do universo vocabular pesquisado; iii) criação de situações existenciais típicas do grupo de educandos que se tem em foco; iv) elaboração de fichas-roteiro para auxiliar os coordenadores de debate no trabalho que desenvolverão; v) elaboração de fichas com a decomposição das famílias fonêmicas correspondentes aos
vocábulos geradores (LEITE, 2018, p. 12-13)
.
Como se pode perceber através da observação dos passos de execução, essa proposta
de alfabetização demonstrava ter um comprometimento com o povo e sua realidade. É a
pedagogia do oprimido que, como o próprio autor afirma, tem que ser forjada com o povo, e
não para ele, levando os indivíduos a refletirem sobre a opressão e seus elementos causais
(FREIRE, 2018). A reflexão é um elemento fundamental em todo o processo e, ao escolher
trabalhar com palavras que pertencem ao vocabulário do povo e criando situações
existenciais, objetiva-se, além da alfabetização, fazer a problematização da realidade.
Problematizar para, posteriormente, transformar. Reflexão que conduz a ação, ou seja, práxis.
Conforme é salientado por ele, ―será apenas a partir da situação presente, existencial,
concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo que poderemos organizar o conteúdo
programático da educação ou da ação política‖ (FREIRE, 2018a, p. 119-120).
Freire apresentava-se como um educador comprometido com a liberdade e com a
humanização das classes populares. Opunha-se à exploração, dominação e alienação do povo.
Acreditava que esses sujeitos possuíam potencial e força para modificar suas realidades
injustas, mas precisavam primeiro percebê-las como tal. Enxergar as situações limite e as
possibilidades de ultrapassá-las era um dos objetivos a serem alcançados. Nesse contexto,
educação e política entrelaçavam-se e passavam a fazer parte do cotidiano dos educandos, das
salas de aula, dos círculos de cultura, dos movimentos sociais. A cultura do povo, seus
saberes e suas mobilizações sociais passavam a ser valorizadas como parte integrante do
processo formativo.
Assim, é possível compreender toda a aversão que os novos dirigentes do país, alçados
ao poder durante o golpe civil-militar, tinham ao sistema de alfabetização de Paulo Freire.
Pois, como ele escreve, ―a única forma de pensar certo do ponto de vista da dominação é não
permitir que as massas populares pensem‖ (FREIRE, 2018a, p. 177). A educação popular
objetiva conduzir o povo a pensar. Freire com o sistema de alfabetização desejava também
levar o povo a pensar, a conquistar sua emancipação e modificar sua forma de perceber o
mundo. Isso nunca foi o desejável para a manutenção do status quo; representava, na verdade,
uma grande ameaça para esse sistema. Conforme afirma Gohn (2013), quando o método de
Paulo Freire surgiu,
Significou uma alternativa emancipatória e progressista face aos programas extraescolares predominantes na época, patrocinados por agências norte-americanas e de outros países, com programas de extensão rural, desenvolvimento de comunidade, etc. [...] A obra de Paulo Freire e sua abordagem da realidade têm um caráter multidisciplinar e contemplam diversas dimensões, destacando-se a do educador-político. Freire postulava uma educação libertadora e conscientizadora, voltada para a geração de um processo de mudança na consciência dos indivíduos, orientada para a transformação deles próprios e do meio social onde vivem (GOHN, 2013, p. 34).