A literatura mostra-nos que a estratégia da repressão utilizada no contexto das drogas
já vem falhando desde o início. Talvez, o exemplo mais evidente dessa falta de êxito das
políticas repressivas seja a própria Lei Seca que foi instituída nos EUA nos anos de 1920.
Como foi enfatizado anteriormente, a lei não foi fruto unicamente de uma preocupação com a
saúde e o bem-estar das pessoas, havia outras razões. Mas, em termos de tentativa de
repressão, os resultados não foram positivos, pois criou-se um comércio clandestino e
violento em torno do álcool. Apesar da proibição, as pessoas não deixaram de consumir, e,
nesse contexto, a forma repressiva de lidar com a questão apenas contribuiu para que elas
fossem marginalizadas, conforme aponta Rodrigues:
[...] um gigantesco mercado ilegal criado pela Lei Seca, circundado por circuitos clandestinos relacionados a outras drogas proibidas como a cocaína. O aparato burocrático-repressivo cresce desmesuradamente para tentar dar conta das atividades ilegais e de pessoas (negros e imigrantes chineses, mexicanos, irlandeses e italianos) lançadas nesses ambientes de marginalidade (RODRIGUES, 2002, p. 103).
Dessa maneira, percebemos que, já na fase de instituição da Lei Seca, as políticas
repressivas, que é de onde também se originam a abordagens de prevenção repressivas,
buscavam reprimir o comércio e consumo de substâncias psicoativas, mas também acabavam
levando junto os consumidores que sofriam com os estigmas e a marginalização. Ou seja,
determinados grupos sociais criaram normas e regras repressivas, e os indivíduos que fossem
contra elas estavam sujeitos a serem marginalizados, pois, segundo essas regras criadas, esses
sujeitos apresentavam um comportamento fora dos padrões.
Bucher (2007) salienta que a prevenção realizada nos moldes da política repressiva
esconde suas reais motivações, pois seria uma prevenção não direcionada apenas a evitar o
abuso de drogas; seria, na verdade, uma prevenção a outros fatores relacionados com elas.
Fatores esses capazes de ameaçar os poderes socialmente constituídos, como a economia
gerada pelo tráfico, delinquência, questionamento de certos padrões de vida, tráfico de armas
etc. O autor afirma que a prevenção realizada nesses moldes segue uma ética perversa, pois
promove a manipulação das pessoas em nome dos seus reais interesses, que ficam implícitos
nas suas propostas.
A ideia de redução da demanda, que também faz parte da forma tradicional de
prevenção, objetiva, entre outras coisas, fazer a dissuasão dos indivíduos, ou seja, busca
convencer as pessoas a não consumirem drogas. Segundo Moreira et al. (2006), para mudar o
pensamento dos sujeitos com relação às drogas e evitar que eles se tornem consumidores,
privilegia-se a disseminação de informações e conhecimentos que têm como principal
característica o amedrontamento e o apelo moral. Nesse contexto, são evidenciadas apenas as
consequências nocivas do consumo de drogas, e busca-se, com isso, que os sujeitos optem
pela abstinência total.
Esse tipo de compreensão a respeito da droga e dos seus consumidores leva em
consideração apenas a substância em si e os seus efeitos no organismo. Nega-se a
complexidade da questão quando são deixados de lado todos os fatores socioculturais e
subjetivos que a permeiam, e, nesse sentido, enxerga-se a droga como o grande vilão da
sociedade, única responsável pela destruição das vidas e das famílias. E, dessa maneira, são
produzidos os slogans,como, por exemplo, o ―Diga não às drogas‖, tão disseminado em todo
o Brasil e presente na maioria das abordagens de prevenção. É fácil andar pela rua e encontrar
uma plaquinha com esses dizeres, pois essa forma limitada de compreender e tratar a questão
foi e continua sendo amplamente difundida entre a população. Bucher (2007), realizando uma
revisão de literatura sobre as abordagens de prevenção repressivas, encontrou alguns
discursos que fazem parte dessas abordagens:
A droga é o mal, o diabo, a corrupção da alma e da sociedade, solapando seus alicerces morais e religiosos. / O consumo de drogas é criado e incentivado pelos traficantes, à procura de lucro ou então movidos por objetivos ideológicos (antigamente, a associação com o comunismo era fácil, insinuando, por exemplo, conexões entre o narcotráfico e as guerrilhas de esquerda). / O ideal de uma sociedade sem drogas (ou ―escolas sem drogas‖) é realizável, mediante medidas adequadas, sobretudo de cunho repressivo (visão que denota falta de realismo e de compreensão dos determinantes históricos do consumo de drogas). O grande mal são as drogas ilícitas (que, via de regra, são aquelas produzidas no terceiro mundo), omitindo-se falar das substâncias lícitas, não menos nocivas em sua essência e frequentemente mal controladas (BUCHER, 2007, p. 119).
Dessa maneira, percebe-se que as atividades preventivas de cunho repressivo, na
maioria das vezes, utilizam-se de discursos moralistas e alarmistas, isso quando não propagam
informações incorretas e, dessa forma, acabam contribuindo para aumentar a desinformação a
respeito das drogas. Há, na verdade, uma tentativa de assustar, principalmente os mais jovens,
para que eles rejeitem as drogas. Porém, esse discurso não se sustenta por muito tempo, pois,
na sua ânsia de desbravar o mundo, os jovens logo descobrem que as drogas também se
constituem em uma fonte de prazer. E, mesmo sem os conhecimentos e as orientações
adequadas, muitos acabam iniciando o consumo, podendo, assim, desenvolver ou não uma
dependência.
O que esses discursos repressivos omitem, na verdade, é que as drogas fazem parte da
constituição da sociedade. Nunca houve sociedade sem drogas, e nem todas as pessoas que
consomem tornam-se dependentes, moradores de rua, perdem as relações familiares ou
roubam para sustentar o seu consumo. Além do mais, é perceptível que há uma preocupação
maior a respeito dos danos causados pelas drogas ilícitas, o que é um tanto controverso. A
ciência vem demonstrando que algumas drogas lícitas se equivalem ou superam as drogas
ilícitas em seu potencial de causar danos. Em estudo publicado pela revista de medicina The
que é uma droga lícita e tem o seu consumo estimulado. Dessa forma, o estudo chega a
sugerir que sejam revistas em todo o mundo as políticas de controle sobre o álcool:
O uso de álcool é um dos principais fatores de risco para a carga global de doenças e causa perda substancial de saúde. Descobrimos que o risco de mortalidade por todas as causas, e de câncer especificamente, aumenta com o aumento dos níveis de consumo, e o nível de consumo que minimiza a perda de saúde é zero. Esses resultados sugerem que as políticas de controle do álcool podem precisar ser revisadas em todo o mundo, concentrando-se nos esforços para reduzir o consumo geral no nível da população (THE LANCET, 2018, p. 1015).