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A prevenção ao consumo abusivo de drogas nos moldes da política repressiva

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB (páginas 68-71)

A literatura mostra-nos que a estratégia da repressão utilizada no contexto das drogas

já vem falhando desde o início. Talvez, o exemplo mais evidente dessa falta de êxito das

políticas repressivas seja a própria Lei Seca que foi instituída nos EUA nos anos de 1920.

Como foi enfatizado anteriormente, a lei não foi fruto unicamente de uma preocupação com a

saúde e o bem-estar das pessoas, havia outras razões. Mas, em termos de tentativa de

repressão, os resultados não foram positivos, pois criou-se um comércio clandestino e

violento em torno do álcool. Apesar da proibição, as pessoas não deixaram de consumir, e,

nesse contexto, a forma repressiva de lidar com a questão apenas contribuiu para que elas

fossem marginalizadas, conforme aponta Rodrigues:

[...] um gigantesco mercado ilegal criado pela Lei Seca, circundado por circuitos clandestinos relacionados a outras drogas proibidas como a cocaína. O aparato burocrático-repressivo cresce desmesuradamente para tentar dar conta das atividades ilegais e de pessoas (negros e imigrantes chineses, mexicanos, irlandeses e italianos) lançadas nesses ambientes de marginalidade (RODRIGUES, 2002, p. 103).

Dessa maneira, percebemos que, já na fase de instituição da Lei Seca, as políticas

repressivas, que é de onde também se originam a abordagens de prevenção repressivas,

buscavam reprimir o comércio e consumo de substâncias psicoativas, mas também acabavam

levando junto os consumidores que sofriam com os estigmas e a marginalização. Ou seja,

determinados grupos sociais criaram normas e regras repressivas, e os indivíduos que fossem

contra elas estavam sujeitos a serem marginalizados, pois, segundo essas regras criadas, esses

sujeitos apresentavam um comportamento fora dos padrões.

Bucher (2007) salienta que a prevenção realizada nos moldes da política repressiva

esconde suas reais motivações, pois seria uma prevenção não direcionada apenas a evitar o

abuso de drogas; seria, na verdade, uma prevenção a outros fatores relacionados com elas.

Fatores esses capazes de ameaçar os poderes socialmente constituídos, como a economia

gerada pelo tráfico, delinquência, questionamento de certos padrões de vida, tráfico de armas

etc. O autor afirma que a prevenção realizada nesses moldes segue uma ética perversa, pois

promove a manipulação das pessoas em nome dos seus reais interesses, que ficam implícitos

nas suas propostas.

A ideia de redução da demanda, que também faz parte da forma tradicional de

prevenção, objetiva, entre outras coisas, fazer a dissuasão dos indivíduos, ou seja, busca

convencer as pessoas a não consumirem drogas. Segundo Moreira et al. (2006), para mudar o

pensamento dos sujeitos com relação às drogas e evitar que eles se tornem consumidores,

privilegia-se a disseminação de informações e conhecimentos que têm como principal

característica o amedrontamento e o apelo moral. Nesse contexto, são evidenciadas apenas as

consequências nocivas do consumo de drogas, e busca-se, com isso, que os sujeitos optem

pela abstinência total.

Esse tipo de compreensão a respeito da droga e dos seus consumidores leva em

consideração apenas a substância em si e os seus efeitos no organismo. Nega-se a

complexidade da questão quando são deixados de lado todos os fatores socioculturais e

subjetivos que a permeiam, e, nesse sentido, enxerga-se a droga como o grande vilão da

sociedade, única responsável pela destruição das vidas e das famílias. E, dessa maneira, são

produzidos os slogans,como, por exemplo, o ―Diga não às drogas‖, tão disseminado em todo

o Brasil e presente na maioria das abordagens de prevenção. É fácil andar pela rua e encontrar

uma plaquinha com esses dizeres, pois essa forma limitada de compreender e tratar a questão

foi e continua sendo amplamente difundida entre a população. Bucher (2007), realizando uma

revisão de literatura sobre as abordagens de prevenção repressivas, encontrou alguns

discursos que fazem parte dessas abordagens:

A droga é o mal, o diabo, a corrupção da alma e da sociedade, solapando seus alicerces morais e religiosos. / O consumo de drogas é criado e incentivado pelos traficantes, à procura de lucro ou então movidos por objetivos ideológicos (antigamente, a associação com o comunismo era fácil, insinuando, por exemplo, conexões entre o narcotráfico e as guerrilhas de esquerda). / O ideal de uma sociedade sem drogas (ou ―escolas sem drogas‖) é realizável, mediante medidas adequadas, sobretudo de cunho repressivo (visão que denota falta de realismo e de compreensão dos determinantes históricos do consumo de drogas). O grande mal são as drogas ilícitas (que, via de regra, são aquelas produzidas no terceiro mundo), omitindo-se falar das substâncias lícitas, não menos nocivas em sua essência e frequentemente mal controladas (BUCHER, 2007, p. 119).

Dessa maneira, percebe-se que as atividades preventivas de cunho repressivo, na

maioria das vezes, utilizam-se de discursos moralistas e alarmistas, isso quando não propagam

informações incorretas e, dessa forma, acabam contribuindo para aumentar a desinformação a

respeito das drogas. Há, na verdade, uma tentativa de assustar, principalmente os mais jovens,

para que eles rejeitem as drogas. Porém, esse discurso não se sustenta por muito tempo, pois,

na sua ânsia de desbravar o mundo, os jovens logo descobrem que as drogas também se

constituem em uma fonte de prazer. E, mesmo sem os conhecimentos e as orientações

adequadas, muitos acabam iniciando o consumo, podendo, assim, desenvolver ou não uma

dependência.

O que esses discursos repressivos omitem, na verdade, é que as drogas fazem parte da

constituição da sociedade. Nunca houve sociedade sem drogas, e nem todas as pessoas que

consomem tornam-se dependentes, moradores de rua, perdem as relações familiares ou

roubam para sustentar o seu consumo. Além do mais, é perceptível que há uma preocupação

maior a respeito dos danos causados pelas drogas ilícitas, o que é um tanto controverso. A

ciência vem demonstrando que algumas drogas lícitas se equivalem ou superam as drogas

ilícitas em seu potencial de causar danos. Em estudo publicado pela revista de medicina The

que é uma droga lícita e tem o seu consumo estimulado. Dessa forma, o estudo chega a

sugerir que sejam revistas em todo o mundo as políticas de controle sobre o álcool:

O uso de álcool é um dos principais fatores de risco para a carga global de doenças e causa perda substancial de saúde. Descobrimos que o risco de mortalidade por todas as causas, e de câncer especificamente, aumenta com o aumento dos níveis de consumo, e o nível de consumo que minimiza a perda de saúde é zero. Esses resultados sugerem que as políticas de controle do álcool podem precisar ser revisadas em todo o mundo, concentrando-se nos esforços para reduzir o consumo geral no nível da população (THE LANCET, 2018, p. 1015).

Dessa maneira, torna-se fundamental abordar a questão da educação sobre drogas com

clareza, objetividade e sem preconceitos. A demonização de algumas substâncias e o

incentivo ao consumo de outras deve ser discutido em todas as suas especificidades, pois esse

fato, por si só, pode ser revelador da complexidade que envolve a temática das drogas e

também de como isso afeta a vida dos seus consumidores. Proceder dessa maneira ao realizar

atividades de prevenção não é o mesmo que fazer apologia ao consumo. Pelo contrário, é

contribuir para que esses jovens bem preparados possam refletir sobre a questão e tomar suas

decisões com responsabilidade, preservando, acima de tudo, sua saúde e bem-estar.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB (páginas 68-71)