Ao longo da história, pode-se constatar que a educação no Brasil passou por diferentes
fases, com distintos sistemas educacionais. Aparentemente, foram poucos os momentos em
que, de fato, houve uma preocupação com a educação das classes populares. Pode-se dizer
que o primeiro sistema educacional brasileiro foi instituído ainda no período colonial por obra
dos Jesuítas. Nesse sentido, religião e educação andaram juntas por mais de dois séculos no
Brasil (SAVIANI, 2013).
Apesar da preocupação que existia com os indígenas e com a sua domesticação, o tipo
de educação pensado e ofertado pelos colégios jesuítas era elitista. Destinava-se apenas aos
filhos dos portugueses e excluía as crianças indígenas. Assim, constituiu-se um sistema
educacional comprometido com o desenvolvimento econômico do Brasil naquele momento,
que era dependente e agroexportador. Esse sistema educacional tinha como principal objetivo
formar a elite colonial. Esse contexto foi essencial e contribuiu para que houvesse um
desprezo pela educação das classes populares (SAVIANI, 2013; STRECK et. al., 2014).
Saviani (2013) ainda enfatiza que as ideias pedagógicas que estavam presentes no Plano de
Ensino da Companhia de Jesus, na modernidade, ficaram conhecidas como pedagogia
tradicional. O autor segue afirmando que:
Essa concepção pedagógica caracteriza-se por uma visão essencialista do homem, isto é, o homem é concebido como constituído por uma essência universal e imutável. À educação cumpre moldar a existência particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser humano (SAVIANI, 2013, p. 58).
O modelo de educação desenvolvido pelos jesuítas, de certa maneira, sobreviveu por
muito tempo, fazendo-se sentir ainda em outros momentos e fases pelos quais passou o Brasil.
A organização do ensino público no país iniciou-se apenas após a expulsão dos jesuítas e das
reformas que foram realizadas pelo Marquês de Pombal. Este retirou os poderes que a igreja
detinha sobre a educação e passou para o Estado. Porém, o ensino público oferecido não tinha
muita qualidade e enfrentou muitas dificuldades para sua concretização e manutenção
(SAVIANI, 2013).
Para Saviani (2013), a visão burguesa sobre a educação das classes populares é
retratada de forma muito cristalina por dois intelectuais que tiveram bastante influência na
elaboração das reformas pombalinas, quais sejam Luiz Antonio Verney e Antonio Nunes
Ribeiro Sanches, tendo este último buscado fundamentar suas ideias na economia política de
Bernard Mandeville. Todos tinham discursos muito duros e cruéis a respeito da educação que
deveria ser ofertada ao povo:
Afirmações como o saber ler, escrever e contar consistem em artes muito nocivas para o pobre obrigado a ganhar o pão de cada dia mediante sua faina diária, o que significa que cada hora que esses infelizes dedicam aos livros é outro tanto de tempo perdido para a sociedade (MANDEVILLE, 1982, p. 191 apud SAVIANI, 2013, p.102).
Ribeiro Sanches irá perguntar-se: que filho de pastor quereria ter aquele oficio de seu pai, se na idade de 12 anos soubesse ler e escrever?, Para afirmar logo adiante: o rapaz de doze ou 15 anos que chegou a saber escrever uma carta não quererá ganhar sua vida a trazer uma ovelha cansada às costas, a roçar desde pela manhã até a noite, nem a cavar (SANCHES, 1922, p. 111 apud SAVIANI, 2013, p. 102).
Assim, percebe-se que a educação das classes populares era enxergada de uma
maneira muito limitada. Como se, aos pobres, fosse obrigatoriamente reservado um lugar
inferior na sociedade. A educação, o saber ler e escrever ficariam reservados apenas para os
burgueses, sob o perigo de que os pobres com instrução pudessem abandonar seu lugar
subalterno e abalar as estruturas tradicionais da sociedade, que necessitava de sua força de
trabalho. Dessa maneira, para Saviani:
A análise desses dois autores, [que foram citados acima] ao mudar o foco da ideologia política e da pedagogia para a economia política, possibilita não apenas acrescentar uma nova luz ao entendimento do modo como a sociedade em geral e, especificamente, a sociedade burguesa encara o problema educativo. Essa mudança de foco permite-nos passar das interpretações tendencialmente idealizadoras e, até mesmo ufanistas para
uma visão bem mais realista do significado atribuído pelos porta-vozes da ordem burguesa à questão escolar (SAVIANI, 2013, p. 105).
Dessa forma, percebe-se que, para a burguesia da época, que estava interessada em
desenvolver economicamente sua sociedade, a educação era uma ferramenta importante e, por
isso, criou-se a necessidade de reestruturar a instrução pública. Porém, o que também fica
evidente é o caráter excludente e elitista dessa educação. Sendo assim, entendemos que
assegurar educação de qualidade e de forma igualitária para todos os membros da sociedade
sempre foi um desafio. Nunca foi do interesse das elites que os mais pobres adquirissem
conhecimento.
Ao entrar na fase republicana, a educação no Brasil passa por transformações. Porém,
as mudanças mais significativas só começam a acontecer após a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918). Esse momento histórico coincide com um notável processo de urbanização e
industrialização que começou a acontecer no país. As mudanças econômicas que estavam em
curso dependiam de alguns fatores para se concretizarem e serem bem sucedidas. Nesse
contexto, havia a necessidade de uma população mais escolarizada e de reformas educacionais
que fossem guiadas pelos princípios liberais da Escola Nova (STRECK et. al. 2014).
Continuando com o autor, ele enfatiza que: ―o documento que marca a defesa da educação
leiga, nacional e gratuita é o Manifesto dos Pioneiros da Educação, em 1932, que previa a
organização da educação popular e a abolição de privilégios‖ (STRECK, 2014, p. 44).
Uma preocupação maior com a alfabetização das camadas populares de forma
institucionalizada começa a acontecer quando os dirigentes políticos passam a depender do
apoio popular em forma de voto para alcançarem os cargos públicos no processo eleitoral. O
direito ao voto era restrito apenas às pessoas alfabetizadas. Esse fato levou os governantes a
desenvolverem uma série de programas, campanhas e movimentos que tinham o objetivo de
alfabetizar o grande contingente de analfabetos jovens e adultos no meio urbano e rural,
conforme enfatiza Saviani (2013). Nesse contexto, foram desenvolvidas diversas campanhas
entre as décadas de 1940 e 1963.
Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) (1947-1963); Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) (1952-1963); Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1958-1963); Mobilização Nacional Contra o Analfabetismo (MNCA) (1962-1963) (SAVIANI, 2013, p. 316).
Essas campanhas visavam apenas oferecer instrução pública para a população de um
modo geral (crianças e adultos), nada que se assemelhasse ao que viria ser a educação
popular. Esse movimento que emerge com mais força no Brasil na década de 1960 e aponta
para uma direção diferente da que estava sendo seguida pelas campanhas de instrução pública.
Conforme afirma Saviani (2013):
Na Primeira República, a expressão ―educação popular‖, em consonância com o processo de implementação dos sistemas nacionais de ensino ocorrido ao longo do século XIX, encontrava-se associada à instrução elementar que se buscava generalizar para toda a população de cada país, mediante a implantação de escolas primárias. Coincidia, portanto, com o conceito de instrução pública, esse era o caminho para erradicar o analfabetismo. Foi com esse entendimento que se desencadeou a mobilização pela implantação e expansão das escolas primárias, assim como as campanhas de alfabetização de adultos (2013, p. 317).
A concepção de educação popular apresenta algumas características que a distinguem
das campanhas de instrução pública. Destacamos, nesse sentido, o seu viés conscientizador e
politizador. Além disso, o movimento possui um forte caráter revolucionário e reivindicatório,
sendo uma proposta de educação totalmente voltada para o atendimento das demandas e
interesses das classes menos favorecidas da sociedade. No contexto da educação popular, a
leitura e a escrita são compreendidas como ferramentas importantes para a conquista da
emancipação dos sujeitos e, consequentemente, para a transformação da realidade. Sobre o
surgimento da educação popular no Brasil é possível afirmar que
A mobilização que toma vulto na primeira metade dos anos de 1960 assume outra significação. Em seu centro emerge a preocupação com a participação política das massas a partir da tomada de consciência da realidade brasileira, e a educação passa a ser vista como instrumento de conscientização. A expressão ―educação popular‖ assume, então, o sentido de uma educação do povo, pelo povo e para o povo, pretendendo-se superar o sentido anterior, criticado como sendo uma educação das elites, dos grupos dirigentes e dominantes, para o povo, visando controlá-lo, manipulá-lo, ajustá-lo à ordem existente (SAVIANI, 2013, p. 317).
Dessa maneira, a educação popular passa a ser compreendida como uma proposta
pedagógica que pertencia ao povo. Estava ali para atender suas necessidades e deveria ser
feita junto com eles no seu cotidiano, tomando como ponto de partida sua cultura. Ao
estimular a participação política do povo na sociedade, a educação popular acaba contribuindo
para sua conscientização e também para o fortalecimento do processo democrático.
Contrariando todas as formas de controle, dominação ou exclusão que podem ser engendradas
pelas elites.
Essa transformação que o conceito de educação popular trouxe para a educação das
classes populares não aconteceu por acaso. Como foi escrito anteriormente, as lutas por um
tipo de educação que fosse distinta da educação das elites ou eurocêntrica já aconteciam há
bastante tempo em vários países da América Latina. Há muito, percebeu-se que as grandes
massas populares que representam a maior parte da sociedade estavam sendo objeto de
dominação das minorias que detêm o capital econômico e também os meios de produção. As
formas de se exercer o controle social e a dominação em uma sociedade como a nossa são
variadas, mas, certamente, a educação pode ser uma delas.
Nesse contexto, a mudança conceitual que sofreu a educação popular no país é
significativa de um momento em que começa a haver de fato uma preocupação com a
educação das classes populares, mas, não apenas isso, pois começa a haver a preocupação em
assegurar uma formação educativa aliada a uma politização dos indivíduos. Destarte,
corroboramos com Saviani (2013), quando ele aponta algumas das causas que contribuíram
para a transformação conceitual pela qual passou a educação popular, a saber:
O clima favorável a essa mobilização e a essa metamorfose conceitual foi propiciado pelas discussões e análises da realidade brasileira efetuadas no
âmbito do ISEB7 e do CBPE8; pelas reflexões desenvolvidas por pensadores
cristãos e marxistas no pós-guerra europeu; e pelas mudanças que o espirito do Concílio do Vaticano II tendia a introduzir na doutrina social da igreja (p. 317).
A conjuntura política e social que atravessava o Brasil constituiu-se em terreno
propício para criação de iniciativas e movimentos de educação e cultura popular no período
que corresponde aos anos de 1960 até 1964. Dentre esses, é possível destacar o Movimento
de Cultura Popular (MCP), Campanha ―De pé no chão também se aprende a ler‖, Centros
Populares de Cultura (CPCs), Movimento de Educação de Base (MEB), Campanha de
Educação Popular da Paraíba (CEPLAR), Campanha de Alfabetização da União Nacional dos
Estudantes (UNE). Cada um desses movimentos possuía suas especificidades, porém, todos
almejavam um mesmo objetivo, que era conseguir modificar as estruturas da sociedade em
favor das classes populares e, nesse contexto, também promover uma valorização da cultura
popular como sendo a legítima cultura nacional (FÁVERO, 2013; SAVIANI, 2013). Pode-se
dizer que, nesse período, houve um grande florescimento teórico e prático da educação
popular.
Conforme sublinhou Fávero (2013), os movimentos educativos de cunho popular que
surgiram a partir da década de 1960 distinguiam-se substancial e quantitativamente das
campanhas governamentais que haviam sido desenvolvidas até então. Esses movimentos de
7 Instituto Superior de Estudos Brasileiros. 8 Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais.