• Nenhum resultado encontrado

A educação no Brasil e a emergência da educação popular

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB (páginas 47-52)

Ao longo da história, pode-se constatar que a educação no Brasil passou por diferentes

fases, com distintos sistemas educacionais. Aparentemente, foram poucos os momentos em

que, de fato, houve uma preocupação com a educação das classes populares. Pode-se dizer

que o primeiro sistema educacional brasileiro foi instituído ainda no período colonial por obra

dos Jesuítas. Nesse sentido, religião e educação andaram juntas por mais de dois séculos no

Brasil (SAVIANI, 2013).

Apesar da preocupação que existia com os indígenas e com a sua domesticação, o tipo

de educação pensado e ofertado pelos colégios jesuítas era elitista. Destinava-se apenas aos

filhos dos portugueses e excluía as crianças indígenas. Assim, constituiu-se um sistema

educacional comprometido com o desenvolvimento econômico do Brasil naquele momento,

que era dependente e agroexportador. Esse sistema educacional tinha como principal objetivo

formar a elite colonial. Esse contexto foi essencial e contribuiu para que houvesse um

desprezo pela educação das classes populares (SAVIANI, 2013; STRECK et. al., 2014).

Saviani (2013) ainda enfatiza que as ideias pedagógicas que estavam presentes no Plano de

Ensino da Companhia de Jesus, na modernidade, ficaram conhecidas como pedagogia

tradicional. O autor segue afirmando que:

Essa concepção pedagógica caracteriza-se por uma visão essencialista do homem, isto é, o homem é concebido como constituído por uma essência universal e imutável. À educação cumpre moldar a existência particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser humano (SAVIANI, 2013, p. 58).

O modelo de educação desenvolvido pelos jesuítas, de certa maneira, sobreviveu por

muito tempo, fazendo-se sentir ainda em outros momentos e fases pelos quais passou o Brasil.

A organização do ensino público no país iniciou-se apenas após a expulsão dos jesuítas e das

reformas que foram realizadas pelo Marquês de Pombal. Este retirou os poderes que a igreja

detinha sobre a educação e passou para o Estado. Porém, o ensino público oferecido não tinha

muita qualidade e enfrentou muitas dificuldades para sua concretização e manutenção

(SAVIANI, 2013).

Para Saviani (2013), a visão burguesa sobre a educação das classes populares é

retratada de forma muito cristalina por dois intelectuais que tiveram bastante influência na

elaboração das reformas pombalinas, quais sejam Luiz Antonio Verney e Antonio Nunes

Ribeiro Sanches, tendo este último buscado fundamentar suas ideias na economia política de

Bernard Mandeville. Todos tinham discursos muito duros e cruéis a respeito da educação que

deveria ser ofertada ao povo:

Afirmações como o saber ler, escrever e contar consistem em artes muito nocivas para o pobre obrigado a ganhar o pão de cada dia mediante sua faina diária, o que significa que cada hora que esses infelizes dedicam aos livros é outro tanto de tempo perdido para a sociedade (MANDEVILLE, 1982, p. 191 apud SAVIANI, 2013, p.102).

Ribeiro Sanches irá perguntar-se: que filho de pastor quereria ter aquele oficio de seu pai, se na idade de 12 anos soubesse ler e escrever?, Para afirmar logo adiante: o rapaz de doze ou 15 anos que chegou a saber escrever uma carta não quererá ganhar sua vida a trazer uma ovelha cansada às costas, a roçar desde pela manhã até a noite, nem a cavar (SANCHES, 1922, p. 111 apud SAVIANI, 2013, p. 102).

Assim, percebe-se que a educação das classes populares era enxergada de uma

maneira muito limitada. Como se, aos pobres, fosse obrigatoriamente reservado um lugar

inferior na sociedade. A educação, o saber ler e escrever ficariam reservados apenas para os

burgueses, sob o perigo de que os pobres com instrução pudessem abandonar seu lugar

subalterno e abalar as estruturas tradicionais da sociedade, que necessitava de sua força de

trabalho. Dessa maneira, para Saviani:

A análise desses dois autores, [que foram citados acima] ao mudar o foco da ideologia política e da pedagogia para a economia política, possibilita não apenas acrescentar uma nova luz ao entendimento do modo como a sociedade em geral e, especificamente, a sociedade burguesa encara o problema educativo. Essa mudança de foco permite-nos passar das interpretações tendencialmente idealizadoras e, até mesmo ufanistas para

uma visão bem mais realista do significado atribuído pelos porta-vozes da ordem burguesa à questão escolar (SAVIANI, 2013, p. 105).

Dessa forma, percebe-se que, para a burguesia da época, que estava interessada em

desenvolver economicamente sua sociedade, a educação era uma ferramenta importante e, por

isso, criou-se a necessidade de reestruturar a instrução pública. Porém, o que também fica

evidente é o caráter excludente e elitista dessa educação. Sendo assim, entendemos que

assegurar educação de qualidade e de forma igualitária para todos os membros da sociedade

sempre foi um desafio. Nunca foi do interesse das elites que os mais pobres adquirissem

conhecimento.

Ao entrar na fase republicana, a educação no Brasil passa por transformações. Porém,

as mudanças mais significativas só começam a acontecer após a Primeira Guerra Mundial

(1914-1918). Esse momento histórico coincide com um notável processo de urbanização e

industrialização que começou a acontecer no país. As mudanças econômicas que estavam em

curso dependiam de alguns fatores para se concretizarem e serem bem sucedidas. Nesse

contexto, havia a necessidade de uma população mais escolarizada e de reformas educacionais

que fossem guiadas pelos princípios liberais da Escola Nova (STRECK et. al. 2014).

Continuando com o autor, ele enfatiza que: ―o documento que marca a defesa da educação

leiga, nacional e gratuita é o Manifesto dos Pioneiros da Educação, em 1932, que previa a

organização da educação popular e a abolição de privilégios‖ (STRECK, 2014, p. 44).

Uma preocupação maior com a alfabetização das camadas populares de forma

institucionalizada começa a acontecer quando os dirigentes políticos passam a depender do

apoio popular em forma de voto para alcançarem os cargos públicos no processo eleitoral. O

direito ao voto era restrito apenas às pessoas alfabetizadas. Esse fato levou os governantes a

desenvolverem uma série de programas, campanhas e movimentos que tinham o objetivo de

alfabetizar o grande contingente de analfabetos jovens e adultos no meio urbano e rural,

conforme enfatiza Saviani (2013). Nesse contexto, foram desenvolvidas diversas campanhas

entre as décadas de 1940 e 1963.

Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) (1947-1963); Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) (1952-1963); Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1958-1963); Mobilização Nacional Contra o Analfabetismo (MNCA) (1962-1963) (SAVIANI, 2013, p. 316).

Essas campanhas visavam apenas oferecer instrução pública para a população de um

modo geral (crianças e adultos), nada que se assemelhasse ao que viria ser a educação

popular. Esse movimento que emerge com mais força no Brasil na década de 1960 e aponta

para uma direção diferente da que estava sendo seguida pelas campanhas de instrução pública.

Conforme afirma Saviani (2013):

Na Primeira República, a expressão ―educação popular‖, em consonância com o processo de implementação dos sistemas nacionais de ensino ocorrido ao longo do século XIX, encontrava-se associada à instrução elementar que se buscava generalizar para toda a população de cada país, mediante a implantação de escolas primárias. Coincidia, portanto, com o conceito de instrução pública, esse era o caminho para erradicar o analfabetismo. Foi com esse entendimento que se desencadeou a mobilização pela implantação e expansão das escolas primárias, assim como as campanhas de alfabetização de adultos (2013, p. 317).

A concepção de educação popular apresenta algumas características que a distinguem

das campanhas de instrução pública. Destacamos, nesse sentido, o seu viés conscientizador e

politizador. Além disso, o movimento possui um forte caráter revolucionário e reivindicatório,

sendo uma proposta de educação totalmente voltada para o atendimento das demandas e

interesses das classes menos favorecidas da sociedade. No contexto da educação popular, a

leitura e a escrita são compreendidas como ferramentas importantes para a conquista da

emancipação dos sujeitos e, consequentemente, para a transformação da realidade. Sobre o

surgimento da educação popular no Brasil é possível afirmar que

A mobilização que toma vulto na primeira metade dos anos de 1960 assume outra significação. Em seu centro emerge a preocupação com a participação política das massas a partir da tomada de consciência da realidade brasileira, e a educação passa a ser vista como instrumento de conscientização. A expressão ―educação popular‖ assume, então, o sentido de uma educação do povo, pelo povo e para o povo, pretendendo-se superar o sentido anterior, criticado como sendo uma educação das elites, dos grupos dirigentes e dominantes, para o povo, visando controlá-lo, manipulá-lo, ajustá-lo à ordem existente (SAVIANI, 2013, p. 317).

Dessa maneira, a educação popular passa a ser compreendida como uma proposta

pedagógica que pertencia ao povo. Estava ali para atender suas necessidades e deveria ser

feita junto com eles no seu cotidiano, tomando como ponto de partida sua cultura. Ao

estimular a participação política do povo na sociedade, a educação popular acaba contribuindo

para sua conscientização e também para o fortalecimento do processo democrático.

Contrariando todas as formas de controle, dominação ou exclusão que podem ser engendradas

pelas elites.

Essa transformação que o conceito de educação popular trouxe para a educação das

classes populares não aconteceu por acaso. Como foi escrito anteriormente, as lutas por um

tipo de educação que fosse distinta da educação das elites ou eurocêntrica já aconteciam há

bastante tempo em vários países da América Latina. Há muito, percebeu-se que as grandes

massas populares que representam a maior parte da sociedade estavam sendo objeto de

dominação das minorias que detêm o capital econômico e também os meios de produção. As

formas de se exercer o controle social e a dominação em uma sociedade como a nossa são

variadas, mas, certamente, a educação pode ser uma delas.

Nesse contexto, a mudança conceitual que sofreu a educação popular no país é

significativa de um momento em que começa a haver de fato uma preocupação com a

educação das classes populares, mas, não apenas isso, pois começa a haver a preocupação em

assegurar uma formação educativa aliada a uma politização dos indivíduos. Destarte,

corroboramos com Saviani (2013), quando ele aponta algumas das causas que contribuíram

para a transformação conceitual pela qual passou a educação popular, a saber:

O clima favorável a essa mobilização e a essa metamorfose conceitual foi propiciado pelas discussões e análises da realidade brasileira efetuadas no

âmbito do ISEB7 e do CBPE8; pelas reflexões desenvolvidas por pensadores

cristãos e marxistas no pós-guerra europeu; e pelas mudanças que o espirito do Concílio do Vaticano II tendia a introduzir na doutrina social da igreja (p. 317).

A conjuntura política e social que atravessava o Brasil constituiu-se em terreno

propício para criação de iniciativas e movimentos de educação e cultura popular no período

que corresponde aos anos de 1960 até 1964. Dentre esses, é possível destacar o Movimento

de Cultura Popular (MCP), Campanha ―De pé no chão também se aprende a ler‖, Centros

Populares de Cultura (CPCs), Movimento de Educação de Base (MEB), Campanha de

Educação Popular da Paraíba (CEPLAR), Campanha de Alfabetização da União Nacional dos

Estudantes (UNE). Cada um desses movimentos possuía suas especificidades, porém, todos

almejavam um mesmo objetivo, que era conseguir modificar as estruturas da sociedade em

favor das classes populares e, nesse contexto, também promover uma valorização da cultura

popular como sendo a legítima cultura nacional (FÁVERO, 2013; SAVIANI, 2013). Pode-se

dizer que, nesse período, houve um grande florescimento teórico e prático da educação

popular.

Conforme sublinhou Fávero (2013), os movimentos educativos de cunho popular que

surgiram a partir da década de 1960 distinguiam-se substancial e quantitativamente das

campanhas governamentais que haviam sido desenvolvidas até então. Esses movimentos de

7 Instituto Superior de Estudos Brasileiros. 8 Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais.

cultura popular eram extremamente compromissados com as classes populares e o seu

desenvolvimento. Além disso, suas práticas educativas eram guiadas por uma política

renovadora e não se restringiam apenas a alfabetização.

Os Movimentos de Cultura Popular (MCPs) nasceram na cidade do Recife/PE, na

década de 1960, e espalharam-se por diversas outras cidades do Nordeste. Dentro desses

movimentos, o objetivo era desenvolver uma educação com características brasileiras e que

promovesse a conscientização dos sujeitos através da alfabetização centrada em sua própria

cultura. No modelo educacional desenvolvido nos MCPs, deveria haver a aproximação entre o

intelectual e o povo, e o primeiro deveria também aprender com o segundo (SAVIANI, 2013).

Com financiamento do próprio Estado, surgiu o Movimento de Educação de Base

(MEB), um programa de alfabetização criado em 1961 pela Confederação Nacional de Bispos

do Brasil (CNBB), que também operava seguindo pressupostos da educação popular e teve

presença marcante no âmbito rural. As escolas radiofônicas eram a principal marca do MEB e

chegaram a atingir um número significativo de municípios, produzindo mudanças nas

condições de vida dos indivíduos. Embora fosse um movimento atrelado à Igreja Católica, o

MEB possuía certa autonomia no que diz respeito à hierarquia da igreja. A maioria dos seus

membros era formada por jovens pertencentes ao movimento estudantil e à Juventude

Universitária Católica (JUC) (SAVIANI, 2013).

Todos os programas que utilizavam pressupostos da educação popular foram

dissolvidos a partir da instauração do golpe civil-militar de 1964. Esses programas e seus

desenvolvedores passaram a ser considerados pelo regime ditatorial como subversivos,

justamente por seu caráter conscientizador e politizador. Não interessava aos membros do

novo regime que seus cidadãos alcançassem uma consciência crítica, que fossem capazes de

participar da sociedade de forma plena e política. Nesse contexto, os movimentos de educação

popular, em sua grande maioria, ou foram completamente encerrados ou passaram para a

clandestinidade.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB (páginas 47-52)