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Figura 05 Histórico da Legislação sobre Produção Orgânica no Brasil*

4 AS INTENCIONALIDADES, OS VÍNCULOS E OS FLUXOS DAS REDES DE AGROECOLOGIA E PRODUÇÃO ORGÂNICA

4.1 OS SENTIDOS E USOS DA REDE

4.1.1 A dimensão espacial das redes: o lugar da geografia

A rede geográfica, enquanto parte fundamental da espacialidade humana, pode ser considerada um caso particular de rede, sendo definida como "o conjunto de localizações humanas articuladas entre si por meio de vias e fluxos" (CORRÊA, 2012, p.200). Para Corrêa (1997) o conjunto das localizações que formam as redes geográficas

pode ser constituído tanto por uma sede de cooperativa de produtores rurais e as fazendas a ela associadas, como pelas ligações materiais e imateriais que conectam a sede de uma grande empresa, seu centro de pesquisa e desenvolvimento, suas fábricas, depósitos e filiais de venda (CORRÊA, 1997, p.107).

O principal fato destacado pela geografia está atrelado à localização, à espacialização dos fluxos no espaço geográfico e à seleção dos lugares onde ocorrem as conexões. Cabe destacar que esses lugares não foram escolhidos ao acaso, mas por possuírem as características necessárias ao desenvolvimento das distintas redes87.

A geografia, ao propor uma leitura do mundo, incorporou as transformações econômicas, técnicas e informacionais do mundo material em suas análises teóricas. Moreira (2007) aponta que o conceito de rede surge para dar conta de uma dinâmica espacial iniciada no Renascimento, mas que ganhou forma definitiva com as revoluções

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Este tópico não tem como objetivo resgatar a discussão sobre o conceito de rede, mas apresentar as principais ideias atreladas ao mesmo que auxiliam na interpretação das redes identificadas nesta pesquisa. Sobre a história e o sentido do conceito ver Dias (1995 e 2005).

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Em relação à produção do conhecimento na geografia, o conceito de rede foi muito difundido nos estudos sobre o urbano. Nesse caso, a intenção era entender as relações entre as cidades a partir da oferta e procura de bens, mercadorias e serviços estabelecidas entre as mesmas. Era possível identificar assim uma hierarquia urbana, no “topo” da rede localizam-se os maiores centros com elevada capacidade de produção e difusão da informação e oferta de bens e serviços. Em termos históricos, Corrêa (1967) destaca que os estudos sobre a rede urbana brasileira surgiram a partir de 1956, após a realização do Congresso Internacional de Geografia, no Rio de Janeiro. A partir desse evento os geógrafos deixaram de estudar a cidade de forma isolada e passaram a estudá-la em seu conjunto regional, como uma abordagem em rede.

industriais dos séculos XVIII, XIX e XX, tornando o espaço “móvel e integrado”. A região, até então a principal matriz teórica de análise espacial, vai perdendo importância uma vez que o “espaço lento” apreendido pela abordagem regional cede lugar a um espaço dinâmico e fluído (MOREIRA, 2007).

Os processos de integração econômica, de mercados e da informação ocorridos ao longo do século XX implicaram estratégias de circulação e de comunicação. “A densificação das redes [...] surge como condição que se impõe à circulação crescente de tecnologia, de capitais e de matérias-primas” (DIAS, 1995, p.147). Estabelece-se, assim, uma relação dialética, ao mesmo tempo em que as redes surgem por uma demanda social atrelada a um determinado propósito, “a organização em rede vai mudando a forma e o conteúdo dos espaços” (MOREIRA, 2007, p.57).

Por permitir a circulação e a comunicação, a rede é uma representação do poder (RAFFESTIN, 1993). A necessidade de comunicar e de distribuir os bens produzidos surge como uma necessidade básica do período contemporâneo, uma vez que o mercado é cada vez mais um mercado global (SANTOS, 2008). Ao tratar das relações entre as redes e o poder Raffestin (1993) reconhece a existência de duas grandes categorias: a circulação e a comunicação. A relação entre essas duas faces é assim apresentada:

na realidade, em todo “transporte” há circulação e comunicação simultaneamente. Os homens ou os bens que circulam são portadores de uma informação e, assim, “comunicam” alguma coisa. Da mesma forma, a informação comunicada é, ao mesmo tempo, um “bem” que “circula” (RAFFESTIN, 1993, p.200).

O mesmo autor adverte que se até o século XIX comunicação e circulação andavam num ritmo próximo, a partir desse período ocorreu uma disjunção e as duas categorias não mais se confundem. A informação se dissemina agora de uma forma quase instantânea, enquanto que os bens, apesar de circularem com enorme rapidez, ainda carecem de um tempo maior para serem transportados a longas distâncias. Para aqueles que exercem o poder, essa dinâmica tornou-se uma vantagem e, ao mesmo tempo, uma desvantagem. “Vantagem de se receber uma informação quase imediatamente, mas desvantagem se a informação recebida implica a necessidade de transferir homens ou bens

de um ponto a outro do espaço. O ideal do poder é agir em tempo real” (RAFFESTIN, 1993, p.201).

Deve-se ressaltar, entretanto, que o fato de no período contemporâneo a comunicação prescindir da circulação — em seu sentido mais restrito como trabalhado por Raffestin — torna ainda mais complexa a configuração das redes. Isso porque a informação atrelada aos objetos continua presente e, como recorda Santos (2008), cada vez mais os objetos técnicos possuem uma elevada carga informacional. A materialização desse processo pode ser exemplificada na produção orgânica e agroecológica. Ao mesmo tempo em que ocorre a circulação dos produtos também há a transferência de informação (comunicação) imbuída nos próprios produtos em circulação. Sem esse elemento imaterial — o conhecimento associado aos produtos — a circulação não ocorreria. Assim, a informação88 relacionada aos produtos e processos de produção orgânicos também é um elemento transferido entre os

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É importante ressaltar as diferenças entre dado, informação e conhecimento. Para caracterizar esses termos nos valeremos da discussão realizada por Setzer (1999) no contexto da Tecnologia da Informação. Um dado pode ser definido como uma sequencia de símbolos descritos por meio de representações formais e estruturadas. A representação de uma informação pode, portanto, ser feita por meio de dados. Nessa lógica, o que efetivamente circula nos fluxos de informações das redes apresentadas pode tanto ser uma informação repassada diretamente entre os atores ou a sua representação na forma de dados (textos, figuras, sons e outros). A transformação de um dado em informação dependerá do seu receptor, uma vez que ele é quem agregará um significado ao conjunto de dados recebido. Para que isso ocorra é fundamental que ele possua um conjunto de conhecimentos prévios que o permita interpretar os dados recebidos. Conhecimento, por sua vez, está relacionado com a experimentação, interação e/ou vivência prática, resultando em uma abstração pessoal. Setzer (1999) adverte que o conhecimento não pode ser descrito inteiramente pois, nesse caso, seria apenas um dado. "Um dado é puramente objetivo - não depende do seu usuário. A informação é objetiva-subjetiva no sentido que é descrita de uma forma objetiva (textos, figuras, etc.), mas seu significado é subjetivo, dependente do usuário. O conhecimento é puramente subjetivo - cada um tem a experiência de algo de uma forma diferente" (SETZER, 1999, p.01). Nesse sentido, quando tratamos de fluxo de informações relacionadas à agroecologia nos referimos à informações resultantes de um conjunto de conhecimentos sobre determinado processo ou produto. Esse conhecimento repassado como informação ou dado pelos atores emissores poderá fomentar que novos conhecimentos sejam vivenciados, experimentados e produzidos pelos atores receptores.