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1 A CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA

1.4 O ENCONTRO COM OS ATORES

Seguindo a ideia expressada por Bradshaw e Stratford (2005), de que é importante deixar claro ao leitor o caminho percorrido para atingir os resultados de uma determinada pesquisa, apresentaremos, nesta seção, parte do método empregado para buscar e construir os dados. Primeiramente, é oportuno destacar que a tese foi construída tendo como base exemplos empíricos de produção orgânica e agroecologia do sul do país. Abranger sua totalidade seria analiticamente inviável, por isso, espera-se que os exemplos analisados possam ser representativos de uma dinâmica mais ampla e complexa em curso no espaço em tela.

Em certo sentido o encontro com os atores exigiu uma ação em rede. O desafio inicial da pesquisa pode ser identificado na afirmação de Latour: “uma rede não é feita de fios de nylon, palavras ou substâncias duráveis; ela é o traço deixado por um agente em movimento” (LATOUR, 2012, p.194). Rastrear o traço dos agentes é tarefa difícil já que o fluído social, como defendido pelo autor citado, apresenta formas mutáveis e provisórias.

Apesar dessa característica mutável do social, pode-se reconhecer que, alguns atores, mesmo que alterem parte de sua função ao longo do tempo ainda possuem uma ligação física ou ideológica com a rede em que se encontravam envolvidos. A confirmação da ideia, já presente na literatura sobre o tema, de que desde o princípio as organizações

somaram esforços a partir do intercâmbio de conhecimentos e da mobilização política exigiu a identificação de algumas pessoas pioneiras no processo. Essa identificação foi realizada a partir de conversas informais com representantes de ONGs. Com a identificação de um ator, outros surgiram durante a realização da primeira entrevista. Foram priorizadas, para a realização das entrevistas seguintes, aquelas pessoas que não eram parte de organizações onde outro representante já havia participado e aquelas pertencentes a entidades de outro estado. A realização das entrevistas para reconstruir a formação das primeiras ações articuladas de fomento à chamada agricultura alternativa ocorreu com 07 pessoas que tiveram atuação direta no processo (seja ocupando um cargo político, coordenando uma ONG ou integrando associações e cooperativas pioneiras).

Após a realização das primeiras entrevistas, somadas às informações presentes nas publicações anteriormente citadas, foi possível delimitar quantitativa e espacialmente nossos exemplos empíricos a serem tratados com maior nível de detalhamento. Definimos, assim, aqueles que seriam foco da aplicação de entrevistas e questionários. A etapa de campo relativa às entrevistas teve início em maio de 2013 e foi finalizada em setembro do mesmo ano. Foram realizadas 32 entrevistas em 24 diferentes municípios (11 entrevistas no Paraná, 13 em Santa Catarina e 09 no Rio Grande do Sul15). A aplicação dos questionários ocorreu em outubro e novembro do mesmo ano.

Nossa proposta de identificação dos atores inicialmente considerava as agroindústrias como um grupo de atores "isolados" ou como um nó específico da rede. Essa consideração mostrou-se um equívoco logo na realização das primeiras entrevistas, já que nos casos analisados as agroindústrias existentes estavam vinculadas à empresas, cooperativas ou associações. Nesse sentido, tratando de entender a lógica destas, consequentemente teríamos considerado também o papel daquelas.

Identificados os grupos de atores focos da pesquisa — ONGs, empresas, associações e cooperativas de produtos orgânicos e/ou agroecológicos — iniciamos o contato com alguns representantes dos mesmos. Em relação às cooperativas e associações tiveram prioridade

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No caso do Rio Grande do Sul, um mesmo entrevistado cumpriu dupla função na pesquisa. Diante de sua atuação histórica, durante a entrevista foi possível resgatar o processo de desenvolvimento da agroecologia e conhecer o trabalho da ONG da qual é coordenador.

aquelas organizações pioneiras, que tornaram-se referência para outras iniciativas da região e aquelas que possuíam maior número de agricultores vinculados ou que tivessem uma abrangência que extrapola os limites do município de localização da sede.

Outros dois importantes critérios considerados foram a localização e o tipo de produto. A localização foi um critério importante pois buscávamos exemplos dos três diferentes estados, justamente para confirmar se o estímulo inicial forjado de forma coletiva por diferentes instituições ainda pode ser identificado. Em relação ao tipo de produto, buscamos contemplar a diversidade do setor de orgânicos da região Sul, portanto, além dos tradicionais exemplos de produção de hortigranjeiros, trabalhamos com empresas e cooperativas que trabalham com a produção de mel, comida para bebês, cosméticos, entre outros.

No total, realizamos entrevistas com representantes de sete ONGs, seis cooperativas, três associações e oito empresas (modelo de roteiro para as entrevistas no Apêndice A). Dez dos entrevistados são também agricultores. O menor número de associações visitadas se justifica no fato de que, em grande parte dos casos, as organizações se constituem juridicamente como associações apenas em parte de sua existência. Ou seja, orientadas pelas imposições legais para acessar os diferentes tipos de mercado, muitos grupos de agricultores formam associações e, logo em seguida, as transformam em cooperativas. Ademais, a lógica de funcionamento de uma associação e de uma cooperativa não sofre significativa mudança apenas pela alteração da figura jurídica.

A realização das entrevistas exigiu atenção especial em relação à logística. Assim, em uma mesma viagem para realizar entrevistas buscamos agendar outras conversas com os atores de interesse que se localizavam fisicamente próximos. Vale reconhecer que sempre existem elementos limitantes (tempo, recurso, diferenças de agenda entre pesquisador e pesquisado, etc.) que influenciam no número e atores a serem entrevistados. Buscamos eliminar ao máximo a influência desses elementos, sempre respeitando os critérios anteriormente expostos e a busca de respostas à pergunta de pesquisa.

A segunda etapa da pesquisa de campo buscou detalhar os principais vínculos dos atores. Para tanto, durante a transcrição das entrevistas identificamos os demais atores com quem a organização que o entrevistado representava mantinha contato. Elaboramos uma relação com as mesmas e um índice para conhecer a importância de determinado vínculo para a organização (exemplo no Apêndice B). O questionário foi um elemento que permitiu conhecer melhor os vínculos

e a rede formada. Sua análise tornou-se mais produtiva diante da disponibilidade das informações das entrevistas. Conscientes dos limites dos questionários, apresentamos os exemplos mais representativos dos mesmos. Os exemplos apresentados apontam a tendência geral dos resultados da análise e do grupo de atores do qual fazem parte (ou seja, das Redes de Agroecologia, Redes de Produção Orgânica e/ou das redes híbridas).

As redes criadas não se produzem no vazio, mas são reflexo de um contexto mais amplo que evidenciou a necessidade de novas estratégias de produção na agricultura. Os traços mais importantes desse contexto serão abordados a seguir.

2 DO CONTEXTO DA CRISE ÀS ALTERNATIVAS POSSÍVEIS: