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1 A CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA

2 DO CONTEXTO DA CRISE ÀS ALTERNATIVAS POSSÍVEIS: O QUE PROPÕEM A AGROECOLOGIA E A PRODUÇÃO

2.2 OS DIFERENTES ESTILOS DE AGRICULTURA

As raízes do movimento ecológico se encontram no final do século XIX17, na Alemanha, onde existiam grupos atuando em defesa da

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Citando o estudo de Margareth Merrill, Ehlers (1999) aponta que as raízes do movimento da eco-agricultura se encontram na obra de Charles Darwin (A

formação do húmus pela ação das minhocas, com observações sobre seus hábitos, publicada em Londres, em 1881), nas pesquisas de A. B. Frank,

alimentação natural e na contestação ao desenvolvimento industrial e urbano (DAROLT, 2002). Entretanto, as primeiras correntes de agricultura contrárias à produção agrícola convencional irão ganhar forma a partir de 1920. Essas correntes, em linhas gerais, “valorizavam o uso da matéria orgânica e de outras práticas culturais favoráveis aos processos biológicos” (EHLERS, 1999, p.47).

O termo agricultura alternativa é usado como um conceito "guarda-chuva" visando agregar as diversas correntes que não utilizam técnicas e produtos típicos da agricultura convencional. Portanto, não corresponde especificamente a nenhuma prática ou sistema de produção agrícola. É utilizado como um termo genérico. Historicamente, no Brasil, ele foi muito difundido nas décadas de 1970 e 80 como contraponto à Revolução Verde. Para Hess (1980) as principais formas alternativas são: a agricultura natural, a orgânica e a biodinâmica. No mesmo sentido, Primavesi (1997, p.134) afirma que “existem diversas tecnologias não convencionais, como a agricultura orgânica, biodinâmica, natural, ecológica, etc. Todas são chamadas alternativas. Mas existem diferenças bastante grandes”.

Surgidas em um período histórico marcado pela descoberta e otimismo da adubação e controle químico na agricultura, o movimento de “ecologização agrícola” ou o movimento orgânico (DAROLT, 2002) se apoiou em diferentes sistemas de produção. Disso resultam a agricultura biodinâmica, a agricultura natural, a agricultura biológica, a agricultura ecológica, a permacultura e a agricultura orgânica. Nos deteremos em apresentar os principais aspectos históricos e características básicas de cada uma delas.

A agricultura biodinâmica teve seus fundamentos constituídos em 1924, quando o filósofo austríaco Dr. Rudolf Steiner apresentou uma proposta de agricultura baseada na ciência espiritual da antroposofia (DAROLT, 2002). “Esse método preconizava a abordagem sistêmica, entendendo a propriedade como um organismo e destacava a presença de bovinos como um dos elementos centrais para o equilíbrio do sistema” (KHATOUNIAN, 2001, p.25). O homem tem a função de promover a autorregulação do organismo, equilibrar as transformações, potencializar as influências que auxiliam no seu desenvolvimento saudável e protegê-lo frente a perturbações (FERNÁNDEZ et al., 1993).

apresentadas em 1985, sobre as micorrizas e nos estudos posteriores de C. G. Hopkins (Fertilidade do solo e agricultura permanente - Boston, 1910) e de R. H. King (Fazendeiros por quarenta séculos – Londres, 1911).

Entre os princípios biodinâmicos pode-se citar a importância dos “preparados” — compostos produzidos a partir de espécies vegetais, esterco ou sílica para vitalizar as plantas — e a influência que os corpos celestes (a lua, o sol e os planetas) exercem no desenvolvimento das plantas e dos animais. Por isso, épocas de plantio, colheita e demais atividades agrícolas possuem períodos regulados de acordo com o movimento e localização dos mesmos, marcados no calendário astrológico biodinâmico (BONILLA, 1992). A agricultura biodinâmica foi muito difundida em países de língua germânica ou que tenham sofrido sua influência. No Brasil, as colônias alemãs em Botucatu/São Paulo, foram pioneiras no desenvolvimento desse método (KHATOUNIAN, 2001).

O surgimento da agricultura natural ocorreu quando, na década de 1930, o filósofo japonês Mokiti Okada fundou uma religião baseada nos princípios da purificação, hoje Igreja Messiânica, tendo como uma de suas bases o método agrícola Nhizen Noho, traduzido como o “método natural” (DAROLT, 2002; KHATOUNIAN, 2001). A relação entre a religião e o consumo de produtos livres de substâncias tóxicas passa pela crença de que a purificação do espírito deve ser acompanhada da purificação do corpo. A proposta de Okada foi reforçada e difundida pelos trabalhos de Masanobu Fukuoka, que defendia a maior proximidade possível entre o sistema agrícola e os sistemas naturais (DAROLT, 2002).

O método defendido por Fukuoka (1995) caracteriza-se por quatro princípios básicos: (1) não revolver o solo: o aumento da porosidade do solo deve ocorrer naturalmente por meio dos micro- organismos e das raízes das plantas — tanto pela sua penetração no solo, como pela sua posterior decomposição; (2) não adubar: é inútil aplicar adubos orgânicos, a fertilização deve ocorrer por meio natural. Maximizando o aproveitamento dos recursos presentes no solo e manejando adequadamente as plantas adquire-se os nutrientes necessários aos cultivos; (3) não remover plantas "invasoras": o conceito de "plantas invasoras" ou "ervas daninhas" não tem sentido na agricultura natural, uma vez que cada planta tem uma função específica e essa função deve ser respeitada. Cabe fazer o consórcio adequado e trabalhar com as espécies que melhor se associam ao cultivo principal; (4) não usar agrotóxicos: nos ecossistemas há uma relação entre o número de insetos, micro-organismos e plantas, portanto, em um sistema em equilíbrio os agrotóxicos são desnecessários. Ademais, seu uso promove sérios problemas ambientais.

As ideias de Fukuoka se difundiram na Austrália pelo método da permacultura, “cujo princípio é o cultivo alternado de gramíneas e leguminosas, e a manutenção da palha como cobertura do solo” (EHLERS, 1999, p.62). Além deste, a permacultura apresenta princípios que visam valorizar e potencializar os processos naturais por meio do não revolvimento do solo, da não utilização de fertilizantes químicos ou compostos e do controle de plantas invasoras por métodos naturais ou do corte (BONILLA, 1992). A Permacultura supõe uma integração funcional entre o homem e as espécies vegetais e animais. Tem como objetivos "la creación de sistemas agrícolas de bajo consumo de energía y alta productividad, obtención del mayor grado de autosuficiencia posible, empleo de técnicas sencillas y búsqueda de una ecología integradora del paisage, de valor estético y utilitario" (FERNÁNDEZ et al., 1993, p.182). O desenvolvimento da Permacultura no Brasil está ligado às colônias japonesas, onde se desenvolveu a Igreja Messiânica.

Os fundamentos teóricos da agricultura biológica foram sistematizados por Claude Aubert, em 197418, com a publicação do livro L’Agriculture Biologique: pourquoi et comment la pratiquer. Esta proposta não se vincula a uma corrente religiosa ou filosófica, mas eleva-se com base na crítica aos produtos do pós-guerra, na ideia de um melhor relacionamento com o ambiente e na melhor qualidade dos produtos (KHATOUNIAN, 2001).

A agricultura biológica apresenta os seguintes princípios: o solo é o local de intensa atividade biológica e sua fertilização deve ocorrer pelo uso de adubos orgânicos e minerais insolúveis; diversificação e

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Ehlers (1999) aponta a dificuldade de estabelecer a “paternidade” da agricultura biológica uma vez que C. Aubert reconhece Steiner e Pfeifer

[principais representantes da agricultura biodinâmica] e Howard [fundador da agr. orgânica] como os precursores da agricultura biológica, e não Müller e

Rush [Müller foi o político suíço que, na década de 1930, lançou as bases do

modelo organo-biológico; o médico alemão Hans P. Rush, por sua vez, sistematizou e difundiu a proposta de Müller nos anos 1960]. De qualquer

forma, “a “paternidade” da agricultura biológica contemporânea é atribuída, principalmente, a Claude Aubert, talvez por seu intenso trabalho em divulgá-la na França e em outros países” (EHLERS, op.cit. p.59). É também importante destacar a confusão em torno dos termos utilizados, pois “é difícil precisar se, nos anos 70, a agricultura biológica e as idéias de Claude Aubert mantinham ligação com os princípios propostos por Müller e Rush — e que justificaram sua classificação como uma vertente distinta das vertentes orgânica e biodinâmica — ou se são, simplesmente, um sinônimo de agricultura alternativa” (EHLERS,

consorciamento dos cultivos agrícolas; revolvimento superficial do solo (exceto quando compactados); sempre que possível associação de cultivos e criação de animais; combate às pragas por meio do desenvolvimento da resistência natural das plantas ou do uso de inseticidas vegetais e produtos minerais não tóxicos; caso seja necessário outro tratamento, deve-se utilizar provisoriamente produtos de baixa toxicidade e, finalmente, a agricultura familiar representa a principal forma social de produção (BONILLA, 1992).

Ehlers (1999) afirma que questões de ordem socioeconômica também se encontram nas bases do modelo organo-biológico, lançadas no início da década de 1930 pelo político suíço Hans Peter Müller. O autor citado também aponta que “os aspectos econômicos e sócio- políticos eram a base da proposta de Müller, que preocupava-se, por exemplo, com a autonomia dos produtores e com os sistemas de comercialização direta aos consumidores" (1999, p.35).

Em relação ao termo agricultura ecológica, embora possa se referir a um sistema de produção agrícola específico, ele é também muito empregado de forma abrangente para designar o conjunto das formas de produção agrícola não convencionais. Bonilla (1992) considera a agricultura orgânica, biodinâmica, biológica e a permacultura como correntes da agricultura ecológica (ao que o autor utiliza como sinônimo de alternativa, mas prefere o uso daquele termo por possuir menor resistência de aceitação).

Para Primavesi (1997, p.137) “a agricultura ecológica, antes de tudo, tenta restabelecer o ambiente e o solo. [...] Previne causas e não combate sintomas. Trabalha com ciclos e sistemas naturais, que administra. Parte do fato de que um solo sadio fornece culturas sadias”. A autora desenvolve um discurso amparado na crítica à agricultura convencional (denominada de mecânico-química) e nas formas com que o capitalismo tem se apropriado dos recursos naturais e da agricultura para ampliar a geração de lucro, produzindo sérios desequilíbrios ambientais e problemas sociais (fome, desemprego, aumento da pobreza). Por isso, para Primavesi os princípios da agricultura ecológica partem de um manejo adequado do solo para atingirem a sociedade em geral. Isto fica evidente quando a autora afirma que

tanto na agricultura natural, como na ecológica, visa-se não somente proteger consumidores mas criar um mundo saudável e amigável para todos. Por um trato adequado do solo criam-se plantas

sadias que em última análise beneficiam o consumidor (1997, p.144).

Em sua análise, Brandenburg (2002, p.13) também defende o uso genérico do termo em questão e assim se manifesta:

entende-se por agricultura ecológica aquela que abrange um conjunto de modelos alternativos ao padrão agroindustrial de produção. Ela atinge desde os modelos associados à origem do movimento alternativo até os modelos ressignificados em função dos movimentos ecológicos recentes e regulamentados pelas políticas agrícolas. Desta forma, a agricultura alternativa e agricultura ecológica dividem o mesmo significado.

O quadro a seguir apresenta uma síntese dos principais estilos de agricultura tratados até aqui, inclusive as características da agricultura ecológica. Apesar das especificidades, os diferentes estilos compartilham princípios gerais comuns cujo objetivo final é preservar o equilíbrio ambiental e viabilizar a produção agrícola. Este objetivo também está presente na agricultura orgânica, como será visto na sequência.

Quadro 01 – Principais tipos e características de produção na agricultura. Continua... Local e período de origem Principais precursores e obras Características e princípios básicos Agricultura Orgânica Grã Bretanha e Estados Unidos - década de 1930 e 40. Albert Howard (Manufacture of humusby Indore process e An agricultural testament); L. E. Balfour (The living soil); J. I. Rodale (The organic front).

A fertilidade do solo, obtida por meio de processos biológicos naturais, como elemento essencial para eliminação das doenças em plantas. As ideias de Robert Rodale e J. Pretty deram origem, no final da década de 1970, nos Estados

Unidos, à Agricultura

Regenerativa; Considera os diferentes elementos do sistema de produção alimentar (sociais, econômicos, culturais, etc.).

Agricultura Biodinâ- mica Alemanha, Suíça e Áustria - início da década de 1920. Rudolf Steiner (proferiu um curso na Fazenda Koberwitz - Polônia - dando origem à agr. Biodinâmica) e E. Pfeiffer.

Uso de preparados biodinâmicos (compostos líquidos de alta diluição); Respeito ao calendário biodinâmico - relacionado com a disposição dos astros - para realização das atividades agrícolas; A unidade de produção é considerada um organismo autônomo devendo ser considerada no todo; Interação entre produção animal e vegetal. Agricultura Natural Japão – década de 1930. Mokiti Okada; Masanobu Fukuoka (One straw revolution: an introducion to nature farming).

Reduzir ao mínimo a interferência nos ecossistemas (como arar o solo ou utilizar inseticidas e fertilizantes) e aproveitar os processos naturais; Rotação de culturas, uso de adubos verdes, de micro-organismos eficientes na preparação dos compostos orgânicos, uso de inimigos naturais no controle de pragas e técnicas de compostagem; Não aconselha o uso de matéria orgânica de origem animal.

Na Austrália, os princípios da Agricultura Natural, foram difundidos por B. Mollison na década de 1970 pelo método da Permacultura.

Fonte: elaborado pelo autor com base em Bonilla (1992); Ehlers (1999); Darolt (2002); Khatounian (2001).