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A dinâmica da paisagem e os conceitos fundamentais no estudo dos solos

Foto 28 Exemplo de instalação de banheiro seco na residência de um dos moradores da

3. EMBASAMENTO TEÓRICO-CONCEITUAL

3.5 O humano e as ressignificações na natureza: modificações antrópicas nos solos

3.5.2 A dinâmica da paisagem e os conceitos fundamentais no estudo dos solos

Segundo Bidwell & Hole (1965, p. 66), o solo pode ser definido como “ um sistema

aberto em equilíbrio dinâmico, cuja evolução, que se dá no sentido da diferenciação das partes e das funções, é determinada pelos ajustes às condições ambientais”. A diferenciação das partes ocorre a partir da evolução e diferenciação da estrutura em agregados, horizontes e ao longo da vertente. Assim cada elemento estrutural, a medida que evolui, vai desenvolvendo um comportamento diferenciado que será determinante na dinâmica evolutiva e funcional do todo.

Ainda segundo Bidwell & Hole (1965):

O solo pode ser visto como um sistema simples, aberto, que exibe uma pseudo homeostase (equilíbrio dinâmico) e uma estrutura interna elaborada pelo movimento de expansão e contração das argilas interagindo com agentes cimentantes (colóides orgânicos e polímeros de Fe). O complexo coloidal seria responsável pelo funcionamento e controlaria a evolução do solo. (BIDWELL & HOLE , 1965, p.67) Esta como outras tantas definições se restringem à constituição e organização do solo. Khatounian (2001) salienta que, especialmente no trópico úmido, as boas propriedades do solo advêm da camada viva do solo justificando a razão do manejo do solo em agricultura orgânica ser orientado para a ativação e a alimentação dessa fração viva, cuja atividade define, dentro de certos limites, as características físicas e químicas do solo.

De acordo com Santos (2007), a matéria orgânica interfere em várias propriedades do solo que incluem a adsorção de cátions e ânions; o auxílio na estabilização da estrutura do solo; a retenção de água; a redução na compactação do solo, uma vez que diminuindo a plasticidade e a coesão do solo permite uma maior permeabilidade do solo, melhorando a aeração e oxigenação para a respiração da biota ali existente. Contribui ainda na disponibilização de macro e micronutrientes, sobretudo N, P, K e S, após a sua mineralização, assim como dos materiais húmicos a serem mineralizados; atua no controle do pH, devido ao efeito do tampão que exerce no solo; na produção de substâncias ativadoras e ou inibidoras do crescimento de microorganismos e, finalmente, na participação dos processos pedogênicos, devido as suas propriedades de peptização, coagulação e quelação.

quimicamente a matéria orgânica é uma mistura de numerosos complexos coloidais, como as proteínas, celulose, amido, lignina e outros, sendo formado por resíduos animais e vegetais embora tenha como principal fonte os tecidos vegetais. Estes quando atacados pelos microorganismos, transformam-se gradativamente, parte em cristalóides e parte em novos colóides, especialmente o húmus. O húmus passa por dois processos de transformação básicos e opostos, mineralização e humificação [...] À medida que a matéria orgânica vai sendo decomposta novo húmus vai sendo continuamente formado. O equilíbrio entre os dois processos determina a quantidade de húmus presente no solo em dado momento. (SANTOS, 2007: 24)

Para Miklós (2012), o funcionamento biodinâmico da paisagem é definido pela biodiversidade dos principais agentes da organização e dinâmica do solo que em função da grandeza da densidade populacional, biomassa e ação transformadora do meio são constituídos, sobretudo, pelas minhocas, cupins, formigas e raízes vegetais, no meio intertropical. Conforme Riechmann (2000) salienta “nem a planta é um conversor inerte nem

o solo é um simples reservatório, mas ambos interagem e são capazes de reagir modificando seu comportamento”.

As raízes possibilitam uma melhor estrutura do solo, permitindo o desenvolvimento de agregados mais estáveis como resultado do acréscimo de matéria orgânica, da ação descompactante das raízes e da atividade microbiana associada. A endopedofauna, por sua vez, atua na evolução da estrutura e remanejo de materiais.

Assim, o solo é enfocado como um organismo, cuja vida exige alimentação e proteção, sendo a alimentação obtida através da biomassa e do oxigênio e nitrogênio vindos da atmosfera para a nutrição de microorganismos e, sobretudo da mesofauna; e a proteção se dá em relação à incidência direta do sol e da chuva, visando a manutenção da umidade, da temperatura e da porosidade propícias ao desenvolvimento dos organismos do solo.

Há, portanto, uma mudança de enfoque do solo correspondente à passagem da química e da física para a ecologia como referencial básico de raciocínio. Na perspectiva ecológica, dentro de cada ecossistema, o solo é o mais complexo estrato de desenvolvimento de relações bióticas funcionando como uma camada de amortização das oscilações no ambiente. Assim, há a busca de estimular a dinâmica biológica do solo.

Como ressalta Queiroz Neto (2003), a concepção do perfil de solo com horizontes superpostos foi em parte superada por Milne (1935). Este autor foi o primeiro a mostrar, a partir da noção de catena, que a distribuição ordenada dos solos na paisagem seria condicionada diretamente pela à topografia. Posteriormente, Delvigne (1964) demonstrou que os mecanismos de perda, transferências e acumulações de materiais poderiam ocorrer lateralmente, do topo à base das vertentes, sobre um mesmo material de origem.

Essa nova forma de compreender a distribuição e a variação dos solos na paisagem, denominada cobertura pedológica pelos pedólogos franceses na década de 70, permitiu avanços, principalmente, no campo da cartografia e das pesquisas relacionadas a pedogênese. A utilização da expressão cobertura pedológica representa melhor a realidade do que a palavra solo visto que “cobertura” indica uma certa extensão geográfica, ou seja, uma continuidade espacial. Conforme descreve Queiroz Neto (2003), esta nova concepção utilizada nas pesquisas pedológicas apareceu inicialmente nos trabalhos desenvolvidos por pedólogos franceses, (Bocquier, 1973; Boulet, 1974; Chauvel, 1977; Humbel, 1978) no continente africano, na década de 70, onde passou a ser conhecida como Análise Estrutural da

Cobertura Pedológica e, posteriormente na Guiana Francesa, na França e no Brasil (década

de 80).

Ruellan (1985) e Ruellan et al. (1989) sistematizaram essas ideias, ressaltando que a

cobertura pedológica encontra-se organizada e hierarquizada em vários níveis que vão desde

as organizações elementares (microestruturas) até os sistemas pedológicos (paisagem).

Segundo Ruellan et al. (1989), esses níveis correspondem a quatro escalas diferentes de organização da cobertura pedológica: a) as organizações elementares, que se expressam sob a forma de constituintes do solo, tais como a fração argila (plasma), a fração silte e areiaesqueleto) e os poros que juntos, constituem o fundo matricial; b) as assembléias, que se caracterizam por um certo número ou conjunto de organizações elementares; c) os horizontes, que são descritos pela presença de um ou vários tipos de assembléias e d) os sistemas

pedológicos, que representam na escala da unidade do relevo, os horizontes e sua relação

entre horizontes, ou seja, como eles se superpõem verticalmente e se sucedem lateralmente do topo à base das vertentes, caracterizados por uma mesma dinâmica evolutiva.

Essa complexidade da cobertura pedológica expressa pelos níveis embutidos uns nos outros é ainda acrescida pelo fato de que ela é atravessada por soluções que circulam no interior e sobre o solo e que promovem a redistribuição interna do material tanto vertical como lateralmente, modificando-a com o tempo, numa dinâmica em acordo com as condições ambientais em que se encontram. Assim, é possível afirmar que a cobertura pedológica encontrasse em perpétua evolução, onde as transformações dos constituintes, das organizações e das propriedades físico-químicas e mecânicas permitem reconhecer uma quarta dimensão, a temporal (Ruellan, 1970).

De acordo com Ruellan & Dosso (1993), quatro lições podem ser tiradas através do desenvolvimento dos estudos dos solos: o solo é um corpo natural, organizado, estruturado, com estreitas relações entre a morfologia das coberturas pedológicas e seu comportamento e

fertilidade; o solo é um meio de concentrações minerais: argilas, areias, carbonatos, alumínio, ferro, etc.; o solo desempenha um papel importante na elaboração das formas de relevo; o homem, utilizando os solos, age na transformação destes (RUELLAN e DOSSO, 1993).

O levantamento em contínuo dos sistemas pedológicos ao longos dos eixos topográficos, perpendicular às curvas de nível, permite caracterizar os volumes pedológicos, os limites e transições entre estes, em sua forma e progressividade (Boulet,1988a). Essa

análise deve ser seguida por outros estudos mais detalhados, como estudos microscópicos, ultramicroscópicos, e pesquisas dos constituintes por raios X, microscópio de varredura, microssondas, a fim de evidenciar os processos pedogenéticos que concorrem para a evolução da cobertura pedológica. (Boulet, 1988b).

Segundo Barros (1985),

esta forma de análise conduz à visualização tridimensional da cobertura pedológica, à medida que passa a ser apresentada em termos cartográgicos, em sequências e numa carta analítica, onde são anotadas as linhas que representam o início ou fim de um volume, o aparecimento ou desaparecimento de uma ou várias características, a modificação lateral que separa dois volumes e o limite de espessura de um volume ou a profundidade da base ou topo deste, (Barros, 1985, p.21),

De acordo com Alves (2010) a fertilidade está relacionada com as características físicas dos solos e devem ser avaliadas para definir as boas condições de produtividade para determinada área. Assim, apreender os usos diversificados dos solos ao longo tempo se mostram importantes, uma vez que os efeitos de uma má utilização podem afetar diretamente na qualidade física do solo e, por conseguinte, a produção (Hénin et al., 1960).

Tavares et al. (1999) atenta para o fato de que a partir da motomecanização é que se passou a observar que somente a quantidade de elementos nutritivos não eram suficientes para um bom desenvolvimento das plantas.

Segundo Primavesi (1992), os diferentes sistemas de manejo adotados pelo homem afetam as propriedades físicas dos solos, podendo ocasionar a degradação destas. O intenso preparo do solo ocasiona a destruição da estrutura quer pela movimentação, quer pela exposição da superfície do solo ao impacto das gotas de chuva, insolação e variações bruscas de umidade, além de afetar o equilíbrio biológico na superfície e diminuir o teor de matéria orgânica.

Ruellan & Dosso (2003) ressaltam que a observação da morfologia dos solos deveria preceder qualquer intervenção humana, uma vez que a fertilidade e as condições de uso de um solo dependem, sobretudo, das suas características morfológicas.

Para Ronquim (2007), a fertilidade quimica do solo é apenas um entre vários fatores que determinam a magnitude do rendimento da cultura, interferindo na produtividade

agrícola. É a partir das experiências de Liebig que a fertilidade do solo passou a ser tratada em função do estoque de nutrientes nele contido, determinando a necessidade ou não de adição de produtos químicos, incorporando-se os principais elementos necessários ao desenvolvimento das plantas instaladas. Um solo fértil é aquele que contém, em quantidades suficientes e balanceadas, todos os nutrientes essenciais em forma assimilável. Esse solo deve estar razoavelmente livre de materiais tóxicos e possuir propriedades físicas e químicas que atendam a demanda dos vegetais. Um solo produtivo é aquele que, sendo fértil, deve estar localizado numa zona climática capaz de proporcionar suficiente umidade, nutrientes e manter uma estrutura adequada ao desenvolvimento das raízes e da planta nele cultivada.

Ronquim (2007) destaca que o agravamento da perda de fertilidade do solo se acentua por seu manejo sob condições tropicais como se fosse um solo de clima temperado, somente mais pobre em nutrientes e situado em clima mais quente. Entretanto, as plantas reagem diferentemente em clima tropical e exigem que também o solo seja manejado de outra maneira para uma alta produção de biomassa.

TROPICAL

(predomina argila caolinita) (predomina argila montmorilonita) TEMPERADO

mais profundo mais raso

mais intemperizado menos intemperizado baixa capacidade de troca de cátions (Ca,

Mg, K, Na)

elevada capacidade de troca de cátions (Ca, Mg, K, Na)

mais pobre em sílica e mais rico em

alumínio e ferro (óxidos) mais rico em sílica e menos em ferro e alumínio pouca fixação de K e NH4 elevada capacidade de fixar K e NH4 grande capacidade de imobilizar P baixa capacidade de imobilizar P maior capacidade de trocar ânions SO42-

PO42- NO3- Cl- menor capacidade de trocar ânions SO42- PO42- NO3- Cl-

mais ácido menos ácido

friável pegajoso

possui estrutura mais grumosa em estado

nativo possui estrutura menos grumosa

decompõe rapidamente a matéria orgânica

e raramente acumula húmus decompõe lentamente, podendo acumular húmus a matéria orgânica possui microvida muito ativa, necessitando

sua limitação possui necessitando sua mobilização microvida pouco ativa, sofre facilmente erosão por causa de

TROPICAL

(predomina argila caolinita) (predomina argila montmorilonita) TEMPERADO

sofre facilmente aquecimento,

necessitando proteção da insolação é muito frio, necessitando ser aquecido por insolação direta baixa capacidade de retenção de água alta capacidade de retenção de água

Quadro 2 - Características físicas e químicas relativas de solos cultivados sob condições tropicais e condições

temperadas. Fonte: Ronquim (2007), adaptado de Primavesi (2006).

De acordo com Khatounian (2001), a ideia predominante no meio técnico e também entre os agricultores é de que a fertilidade está fundamentalmente ligada ao solo. Nessa linha de raciocínio, o foco é direcionado ao corpo do solo e, em função desse foco, se organiza o manejo da fertilidade.

Khatounian (2001) ressalta que nas disciplinas agronômicas, a fertilidade do solo tornou-se quase sinônimo de química do solo chegando-se mesmo a definir a fertilidade em termos dos teores de nutrientes minerais e das relações dos mesmo entre si. Contudo, a noção puramente química da fertilidade apresenta debilidades, uma vez que há solos quimicamente favoráveis, mas com baixa produção devido a problemas físicos, hídricos, sanitários e outros.

O autor destaca a importância de outros fatores, que não apenas ligados à química do solo, na determinação do potencial de produção dos ecossistemas, sejam eles agrícolas ou naturais6. Daí reforça a busca de estabelecer um novo conceito de fertilidade, como “a

capacidade de um ecossistema gerar vida de forma sustentável, medida usualmente em termos de produção de biomassa”. Nos ecossistemas modificados pelo homem para a agricultura (agroecossistemas) uma parte da biomassa animal ou vegetal seria exportada pela colheita.

Entendida como a capacidade de gerar vida, os fatores que determinam a fertilidade dos ecossistemas são: o suprimento de luz, de água, de calor, de ar e de nutrientes minerais. A combinação desses fatores define o potencial de produção das terras agrícolas.

A fertilidade não está no solo, nem nas plantas, nem nos animais, mas no seu conjunto dinâmico, integrado e harmônico que se reflete em boas propriedades no solo, boa produção vegetal e boa produção animal.

Portanto, a fertilidade não se resume à fertilização mineral ou ao controle da erosão, mas estende-se ao manejo de todos os recursos da propriedade que poderão contribuir para suprir água, luz, temperatura, ar e nutrientes minerais. Para isso, é necessária uma estratégia

6 É importante ressaltar “[...]o fato de que as florestas pluviais tropicais, tidas como ecossistemas biologicamente mais produtivos do planeta, se apoiarem em solos de extrema pobreza química [...]” (Kathounian, 2001, p.156).

que englobe o manejo do solo, das culturas e das criações, posto que esses componentes dos sistemas de produção interagem positivamente ou negativamente uns sobre os outros conduzindo a ganhos ou perdas de fertilidade.

Para Khatoubian (2001), a fertilidade, portanto, nos agroecossistemas é antrópica, isto é, sua evolução depende do manejo que o agricultor proporciona ao sistema dentro dos contornos dados pelo meio físico e biológico. Por exemplo, a decisão de intercalar adubos verdes ou cobertura vegetal na rotação de culturas ou de aplicar uréia leva a diferentes evoluções da fertilidade ao longo do tempo que se expressarão na biomassa colhida.

Reichert et al (2003) empregam a expressão “qualidade dos solos” para se referir à capacidade física do solo em sustentar o pleno desenvolvimento das plantas. De acordo com os autores é possível estimar a qualidade de um solo para crescimento das plantas a partir de propriedades, atributos ou condições do próprio solo que interferem no desenvolvimento da vegetação.

Do ponto de vista físico, o solo com qualidade alta permite a infiltração, retenção e disponibilização de água às plantas, córregos e subsuperfície; responde ao manejo e resiste à degradação; permite as trocas de calor e de gases com a atmosfera e raízes de plantas; possibilita o crescimento das raízes, não propondo impedimentos físico ou químico.

Reichert et al (2003) sintetizaram no quadro abaixo os seguintes indicadores básicos, em relação às propriedades físicas dos solos, para fins dessa avaliação. Importa saber o grau de agregação e compactação do solo, parâmetros que afetam a qualidade dos solos.

Propriedade Física Relação com a condição

do solo e a função Justificativa

Distribuição de tamanho

de partículas (textura) Retenção e transporte de água e substancias químicas

Uso em modelagem, Erosão do solo Profundidade do solo,

camada superficial e raízes Estimativa do potencial produtivo e Normalização de variações topográficas e geograficas Densidade do solo e

infiltração de água Potencial de lixiviação, produtividade, erodibilidade Conversão base volumétrica para gravimétrica Curva característica de

água no solo

Relacionado com a retenção e transporte de água

Água disponível, cálculo da densidade, textura e matéria orgânica do solo

Quadro 3 -Propriedades físicas propostas como indicadores básicos para avaliação da qualidade do solo.

4. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO