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Precedentes Legais e a área de desapropriação da SABESP

Foto 28 Exemplo de instalação de banheiro seco na residência de um dos moradores da

4. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

4.2 Histórico de Ocupação da Região

4.3.3 Precedentes Legais e a área de desapropriação da SABESP

De acordo com o Relatório de Viabilidade Ambiental do INCRA (2008), a situação jurídica da terra segundo registro imobiliário do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, SP, assim se apresenta: Comarca de São Paulo, Ofício do 18º Cartório de Registro de Imóveis, matrícula 41.650, Registro R-06 30.8.99, Livro 2, Ano 1981, Área de 117,7718 ha. A forma de aquisição é a desapropriação, de maneira que o INCRA deverá indenizar a SABESP, atual proprietária da área, pela aquisição do imóvel.

A área pleiteada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra fora desmembrada da Fazenda Ithayê e destinada à SABESP, por força do Decreto 43.124 de 25 de maio de 1998 de São Paulo, com o intuito de implantar um aterro para Disposição Final dos Lodos das ETEs Anhangüera Leste e Oeste, como parte integrante do Sistema de Esgotos Sanitários, no município, conforme já apresentado acima. O mesmo decreto desapropriava ainda uma área de 549.343,50m² (quinhentos e quarenta e nove mil, trezentos e quarenta e três metros quadrados e cinquenta decímetros quadrados), próxima à área pertencente à Fazenda Ithayê, pertencente à Eucatex S/A Indústria e Comércio, do ex-governador e ex-prefeito Paulo Maluf.

Segundo o Engenheiro Agrônomo José Miguel Garrido Quevedo do INCRA-SP, responsável pelo Relatório de Viabilidade Ambiental do assentamento e, em parte, pelo acompanhamento do processo, a SABESP contesta o valor de indenização proposto pelo INCRA, o que prolonga a resolução da situação do assentamento. Isso porque há a possibilidade de contestação do valor em juízo, caso o proprietário expropriado sinta-se lesado nos valores discriminados pela avaliação do imóvel.

É importante destacar que toda avaliação de um imóvel a ser desapropriado se dá pelo valor de mercado deste e que somadas ao valor do bem expropriado são incluídas, ainda, as verbas das despesas acarretadas pela desapropriação; juros compensatórios; juros moratórios; correção monetária e honorários advocatícios. Ademais, é necessário frisar que no caso de desapropriação pelo motivo de utilidade pública, como na circunstância da área requerida pela SABESP ou de interesse social, como no caso solicitado pelo INCRA à SABESP, o pagamento pelo Estado deve ser em dinheiro no ato da ação, seja no início ou no fim do processo judicial, e não em títulos da dívida pública, como quando ocorre a desapropriação de imóveis destinados à reforma agrária. Ou seja, a desapropriação pode garantir alta rentabilidade na negociação de terras e o jogo se prolongar em função disto.

Ora, a negociação não está pautada na desapropriação para fins de reforma agrária em função do descumprimento das condições previstas no art. 186 da Constituição Federal, que trata da função social da propriedade. Nessa situação, o valor comercial do imóvel não é considerado, o que pode fazer com que o proprietário não receba o valor que considera justo e, desse modo, tenha prejuízo. E não há indenização em dinheiro quando ocorre a desapropriação de imóveis destinados à reforma agrária, que é feito com títulos da dívida pública e cujo prazo para pagamento da indenização é de 20 anos.

Entretanto, cabe aqui salientar que é, no mínimo, questionável o cumprimento da função social da propriedade no terreno da SABESP. A própria existência da mencionada “Estação de Tratamento de Esgoto Anhanguera Leste e Oeste” é assunto nebuloso, uma vez que não há registros de operação da mesma, nem ao menos da localização de sua estrutura física, portanto, ela simplesmente parece não existir!

Consta em consulta ao site da SABESP, que o sistema principal de tratamento de esgoto da RMSP é formado por cinco Estações de Tratamento de Esgotos: ABC, Barueri, São Miguel, Parque Novo Mundo e Suzano. Inclui ainda, 21 sistemas isolados de ETE’s, operados pela SABESP, a saber: Pinhalzinho; Joanópolis; Piracaia; Nazaré; Mairiporã; Pirapora; Bandeirante e Jaraguá (na porção noroeste do município de São Paulo); Arujá, Biritiba, Remédios, Salesópolis, Ribeirão, Rio Grande da Serra; Cipó, Embu, CDP Itapecerica, Cotia; além de mais três Estações de Flotação: Horto, Ibirapuera e Aclimação.

Conforme divulgada no sítio oficial da SABESP32, estão sendo construídas três Estações de Tratamento de Esgoto, em Caieiras, Francisco Morato e Franco da Rocha, a serem entregues em 2014, e ainda em 2013 serão licitadas as obras que vão tratar o esgoto da cidade de Cajamar, constituído por três sistemas: Sede, Jordanésia e Polvilho (Whately & Diniz, 2007). Não há, novamente, referência alguma da ETE Anhanguera Leste e Oeste. Também não há como afirmar que os sistemas isolados Bandeirantes e Jaraguá pudessem compor a tal ETE, porém com nomenclatura diversa desta.

Outra questão polêmica é o destino do lodo das ETES. De acordo com o Plano de Saneamento Básico de São Paulo (2010), os resíduos sólidos gerados nas ETEs da RMSP atualmente são destinados aos aterros sanitários privados CDR Essencis e CDR Pedreira, conforme Termo de Cooperação Técnica nº 001/SES/07, entre Sabesp e Prefeitura Municipal de São Paulo, que tem como objeto o recebimento e tratamento por parte da Sabesp dos resíduos líquidos (chorume) proveniente dos aterros sanitários municipais e, em contrapartida,

o recebimento por parte da Prefeitura nos aterros que operam e nos que vierem a operar ou contratar, o material gradeado e peneirado, areia e lodo desidratado das estações de tratamento de esgotos sanitários operados pela Sabesp. Para tanto, as ETEs possuem os CADRIs - Certificado de Aprovação de Destinação de Resíduos Industriais, emitidos pela Cetesb. Portanto, nada é tratado a respeito da existência de aterros específicos operados pela SABESP, para a destinação final do lodo das ETES, como descrito ser o objetivo da desapropriação da área ocupada pela Comuna da Terra “Irmã Alberta”.

Nesse sentido, é plausível o questionamento tanto da real necessidade da desapropriação para os fins objetivados em tal decreto, como a respeito do cumprimento da função social da propriedade destinada à SABESP. O imóvel estava completamente abandonado quando ocupado pelo MST em 2002. Passados quatro anos desde a data do decreto de desapropriação não havia sido destinado uso algum ao imóvel. O processo prolonga-se por onze anos na justiça, se somados desde a data do decreto, a área está em litígio há pelo menos quinze anos. Sem a regularização da área, os camponeses não conseguem acessar os créditos destinados à Agricultura Familiar e o escoamento da produção é dificultado pela falta de documentação da terra, pois não é possível a formalização de uma Associação de Produtores, para a emissão de notas, por exemplo.

Outro ponto é a compatibilidade das atividades propostas de ambos os empreendimentos em relação ao zoneamento do município. O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, Lei 13.430, de 13 de setembro de 2002, designou duas grandes Macrozonas: a de Estruturação e Qualificação Urbana e a de Proteção Ambiental. As áreas rurais do município constituem-se naquelas destinadas ao desenvolvimento de atividades vinculadas à produção agrícola, silvicultura, pecuária, extração mineral, agroindustrial e atividades definidas pelo Plano de Manejo para as unidades de conservação visando ao uso sustentável, à preservação e à contemplação do meio ambiente, delimitadas no território como: Zona Especial de Proteção Agrícola e de Extração Mineral (ZEPAG); Zona de Proteção e Desenvolvimento Sustentável (ZPDS); Zona Específica de Preservação (ZEP) e Zona Especial de Proteção Ambiental (ZEPAM), esta última quando situada na Macrozona de Proteção Ambiental.

De acordo com o Plano Regional Estratégico (PRE) da Subprefeitura de Perus, a Comuna da Terra “Irmã Alberta” está contida na Macrozona de Proteção Ambiental, e nas Macroáreas de Uso Sustentável e de Conservação e Recuperação, conforme dispõe o artigo 152 e 153 do Plano Diretor Estratégico (PDE), compreendendo parte do distrito de Perus e de Anhanguera.

Especificamente, situa-se na sua maior parte na Zona Especial de Preservação Ambiental (ZEPAM), e englobando uma faixa longitudinal na porção oriental do assentamento na Zona Especial de Lazer e Turismo (ZLT). É ainda limítrofe à Zona Mista de Proteção Ambiental (ZM-p), que engloba as chácaras do Bairro Maria Trindade, a leste.

Nas ZEPAM são permitidas as atividades classificadas como usos não residenciais ambientalmente compatíveis com o desenvolvimento urbano sustentável, no grupo de atividades de pesquisa, ecoturismo e educação ambiental e, ainda, a construção de uma única residência por lote ou gleba.

Portanto, há uma maior compatibilidade de uso pela proposta da Comuna da Terra “Irmã Alberta”, do que proposto pela SABESP. Por sua vez, o não cumprimento da função social é estabelecido de forma objetiva, no art. 13 do PDE do Município de São Paulo:

Art. 13 - Para os fins estabelecidos no artigo 182 da Constituição da República, não cumprem a função social da propriedade urbana, por não atender às exigências de ordenação da Cidade, terrenos ou glebas totalmente desocupados, ou onde o coeficiente de aproveitamento mínimo não tenha sido atingido, ressalvadas as exceções previstas nesta lei, sendo passíveis, sucessivamente, de parcelamento, edificação e utilização compulsórios, Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo e desapropriação com pagamentos em títulos, com base nos artigos 5º, 6º, 7º e 8º da Lei Federal 10.257, de 10 de julho de 2001, Estatuto da Cidade.

De forma que os interesses vinculados à área parecem estar mais ligados ao processo de manutenção da terra como reserva de valor por parte da SABESP, do que para o cumprimento do que foi tratado no decreto. Saíram beneficiados tanto os que tiveram as terras indenizadas quanto a SABESP, que sustenta a insolubilidade do caso, enquanto a área se valoriza tanto no mercado de terras como à medida que os próprios camponeses vão agregando benfeitorias à área, em termos de abertura e manutenção de estradas, das reservas naturais, e serviços básicos de infraestrutura.