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6. O CAMPO DA TRANSFERÊNCIA E SEUS IMPASSES

6.4. A Dinâmica da Transferência (1912)

O foco principal de Freud nestes trabalhos parece ser a resistência, e é com ela em vista que o tema da transferência parece ganhar contorno. No primeiro destes textos, A

Dinâmica da Transferência, temos um Freud preocupado em esclarecer de que forma a transferência é ocasionada no tratamento psicanalítico e como ela se manifesta dentro dele.

Desde as primeiras páginas deste trabalho, tomamos contato com a ideia de que a transferência consiste em um movimento de ligar à figura do médico investimentos relacionados aos circuitos já consagrados da economia libidinal do paciente, primordialmente no que diz respeito às suas formas particulares de enamoramento. Lembremo-nos do capítulo desta dissertação sobre a constituição psíquica: a experiência primeira de satisfação introduz o sujeito neste campo de enamoramento.Freud dirá que o processo analítico acontece invariavelmente atrelado ao campo transferencial: “A transferência é necessariamente ocasionada durante o tratamento psicanalítico” (1912, p. 111, grifo nosso). Dirá pouco adiante que “a catexia incluirá o médico numa das ‘séries’ psíquicas que o paciente já formou” (p.112). Trata-se, portanto, dos primeiros objetos sexuais da vida do sujeito. Aqui, Freud diz que, “originalmente, conhecemos apenas objetos sexuais” (p.117).

Entretanto, o contexto que Freud ilustra para localizar a transferênciaé quando ela surge como obstáculo, portanto como resistência ao trabalho de análise. Se o clínico seguir na direção de investigar os caminhos associativos dos complexos patogênicos, em direção às suas raízes no inconsciente, Freud adverte que logo se chegará a um ponto tal em que a resistência se fará sentir claramente e que cabe ao analista levá-la em conta. A resistência poderia ser, portanto, um índice possível da presença da transferência. Funcionaria como bússola para o clínico. Há transferência e, portanto, resistência, quando o paciente passa a tratar uma situação desconhecida – geradora de tensão psíquica – a partir de seus clichês já pré-configurados.

Ao médico, não haveria outra saída que não reconhecer estas resistências e lutar contra elas. No final do texto, encontramos uma tentativa de resposta ao problema posto: “Os impulsos inconscientes não desejam ser recordados da maneira pela qual o tratamento quer que o sejam, mas esforçam-se por reproduzir-se de acordo com a atemporalidade do inconsciente” (p. 119). Freud complementa em outro ponto: “Podemos concluir que a intensidade e persistência da transferência constituem efeito e expressão da resistência” (pp. 115-116). O paciente transfere para não lembrar, poderíamos assim dizer.

Freud apresenta aqui um curso mais ou menos linear de abordagem das neuroses: paciente e clínico deverão ir avançando na associação livre, investigando onde as lembranças levam a novo material. Cada vez que o trabalho associativo for interrompido, tal fato se deve a algo da ordem da resistência, um conteúdo que o paciente retém de alguma forma, não podendo comunicar ao clínico quais pensamentos lhe ocorrem. Quanto mais próximo de conteúdos inconscientes, maior será o surgimento dessas resistências. Desta forma, pouco a pouco, dá-se início ao processo da transferência. Processo este que, se bem percebido pelo analista, irá progredir, trazendo os conflitos patogênicos do paciente para este campo transferencial, até que “finalmente, todo conflito tem de ser combatido na esfera da transferência” (p. 115). Já no último parágrafo deste trabalho, diz que

esta luta entre o médico e o paciente, entre o intelecto e a vida instintual, entre a compreensão e a procura da ação, é travada quase exclusivamente, nos fenômenos da transferência. É nesse campo que a vitória tem de ser conquistada (p. 119).

Freud ainda discriminará alguns tipos de resistência. Haverá uma faceta de caminho pelo qual a análise pode avançar e uma faceta de impedimento a este avanço.

Freud exorta o analista a tomar conhecimento destas nuances. A partir daí, proporá alguns tipos de transferência para esclarecer o que há de facilitador e de obstáculo nela:

Não podemos compreender o emprego da transferência como resistência enquanto pensarmos simplesmente em ‘transferência’. Temos de nos resolver a distinguir uma transferência ‘positiva’ de uma ‘negativa’, a transferência de sentimentos afetuosos da dos hostis e tratar separadamente os dois tipos de transferência para o médico (p. 116). Haveria uma transferência que consiste na possibilidade de utilizar a oferta – inconsciente, certamente – que o paciente apresenta ao clínico ao supor nele qualidades que lhe confiram um certo poder e um certo saber, em contraste a uma suposição de repúdio, de hostilidade, que dificultem alguma chance do clínico vir a exercer influências sobre o paciente. Lembremo-nos do rapport e da simpatia necessários à figura do terapeuta.

E haveria transferência em todos os atendimentos? Para Freud, não. Entretanto, somente naqueles em quem houver é que o método seria aplicável. Com relação aos limites da transferência, assinala que “onde a capacidade de transferência tornou-se essencialmente limitada a uma transferência negativa, como é o caso dos paranoicos, deixa de haver qualquer possibilidade de influência ou cura” (p. 118)13.

Freud deposita suas fichas na aposta de que o clínico use seu poder de influência para que o paciente abandone sua neurose (um objeto inadequado) em beneficio de algum outro objeto, fazendo este investimento passar pela figura do analista. Corroborará esta ideia com o seguinte comentário: “Cuidamos da independência final do paciente pelo

13 Em Sobre o Narcisismo, uma introdução, Freud chega à mesma confirmação, através do estudo do narcisismo: “Dificuldades do trabalho psicanalítico em neuróticos conduziram à mesma suposição, pois parecia que, neles, essa espécie de atitude narcisista constituía um dos limites à sua susceptibilidade à influência” (1914a, p. 81).

emprego da sugestão, a fim de fazê-lo realizar um trabalho psíquico que resulta necessariamente numa melhora constante de sua situação psíquica” (p. 117).