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9. COMENTÁRIOS FINAIS

9.3. Testemunho do método

Reconhecemos que nosso texto deixou-se ser seduzido, isto é, desviado, para, somente a partir daí, articular este movimento com nossa posição original. Buscávamos entender melhor um estado de aparente apatia e entregamo-nos a um interesse pelo fenômeno que justamente provoca o interesse. Descobrimos o poder mágico, hipnótico, erótico da palavra a partir do encontro com alguém que pareceu tratar a palavra do clínico como nada, como vento! De onde surgiu esta força?

O clínico estava envolvido com o caso. Alimentou muitas questões que tentou pontuar à paciente ao longo do tratamento. Depois, se entregou à pesquisa, enamorou-se dela, seguiu o enigma, o que o possibilitou criar novas redes associativas, cedeu ao erotismo. Assim, o percurso demonstra um exercício bem-sucedido de estabelecimento de novas ligações, de contato entre pensamentos, de contágio. Ao mesmo tempo, sustentamos com este testemunho o compromisso com a força original, surgida com o aparecimento do surpreendente enigmático.

Não há como não associar a ideia de que a paciente, do jeito como se apresentou, deixou o clínico excitado, erotizado! Ou então, diríamos que o deixou em um estado tal de frustração, forçando-o a elaborar uma imensa capacidade de adiamento de novas ligações. Como se o clínico a convidasse para uma análise daqueles enigmas, mas ela se desinteressasse de tal convite. O clínico sentiu-se implicado aí a não abandonar o obscuro que tal dificuldade produziu nele.

Julgamos ser justo reconhecer que o trabalho de pesquisa, em alguma medida, representa o esforço do clínico em recuperar parte da sua vitalidade, que foi abalada ou que foi produto de identificação junto à Beatriz que, por muito tempo, resistiu a lhe

oferecer sinais de um engajamento transferencial. O projeto, assim, foi um meio de recuperar-se de uma vivência de impotência surgida a partir da transferência.

É chegado o momento de interromper o texto. Pontuamos este corte com um excerto de Salomé sobre o amor, como forma de deixar em destaque a experiência vivida: Permanecer eternamente estranhos um ao outro, permanecendo eternamente próximos: é essa a lei de todo o amor, o caráter que lhe é imposto, e nunca se extingue. Pois não é apenas no caso extremo que mencionamos, nem também no desprezo, ou no amor não partilhado, mas em todas as situações em que seres humanos se amam, que um se limita a tocar o outro de leve, abandonando-o depois a si mesmo. É sempre uma estrela inacessível aquela que amamos, e todo o amor é sempre, em essência íntima, uma tragédia – mas que só nessa qualidade pode produzir seus efeitos imensos e fecundos. Não é possível mergulharmos tão profundamente em nós, não é possível se extrair o que quer que seja das profundezas da vida, nessa região onde todas as forças repousam ainda enlaçadas, e todos os contrários estão ainda indiferenciados, sem sentirmos em nós próprios a felicidade e as tormentas, em sua conexão misteriosa. Porque aquilo que se produz no homem não se encontra apenas para além de todas as parcialidades e todas as divisões do egoísmo ou do sacrifício de si, do sensual ou do espiritual, mas também para além desse bem-estar minucioso, penosamente murado que toda a vida tentamos proteger do sofrimento como do nosso pior inimigo. Apenas um homem sabe que felicidade e tormento são a mesma coisa, em todas as experiências mais intensas e em todos os momentos fecundos da vida: é o criador. Mas muito antes dele um ser humano atingido pelo amor estendeu, suplicante, suas mãos para uma estrela, sem se perguntar se era prazer ou dor o que implorava dela... (1991, p. 111).

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