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4. OS CÓDIGOS FLORESTAIS

4.1 Considerações gerais

4.1.1 A divisão do Código e a sua distribuição

Depois das considerações introdutórias a respeito das diferenças entre os Códigos Florestais brasileiro e francês, cabe observar as divisões temáticas que cada um se propõe e como eles dividem seu conteúdo por área coberta. Essa análise ainda distanciada do objeto é importante na medida em que ela permite compreender a amplitude das leis, o que é particularmente interessante na perspectiva comparativa, pois esclarece se algum aparato jurídico é mais displicente que outro, ou ainda se há insuficiência no que diz respeito aos temas mais sensíveis que envolvem o tratamento exigido pelas florestas, em especial a Amazônica. A divisão temática será especialmente importante quando se analisará de maneira mais detalhada os instrumentos legais de combate à crise ambiental, porque ela servirá de plataforma de reflexão e de investigação.

A apresentação de como são divididos e distribuídos os Códigos é feita por meio de tabela 1, para facilitar a visualização do objeto. Começa-se pela do brasileiro:

Capítulos Artigos

1- DISPOSIÇÕES GERAIS 3

2- DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE 6

3- DAS ÁREAS DE USO RESTRITO 3

4- DA ÁREA DE RESERVA LEGAL 13

5- DA SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO PARA USO ALTERNATIVO DO SOLO

3

6- DO CADASTRO AMBIENTAL RURAL 2

7- DA EXPLORAÇÃO FLORESTAL 4

8- DO CONTROLE DA ORIGEM DOS PRODUTOS FLORESTAIS 3

9- DA PROIBIÇÃO DO USO DE FOGO E DO CONTROLE DOS INCÊNDIOS

3

10- DO PROGRAMA DE APOIO E INCENTIVO À PRESERVAÇÃO E RECUPERAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

133

11- DO CONTROLE DO DESMATAMENTO 1

12- DA AGRICULTURA FAMILIAR 7

13- DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS 12

14- DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES E FINAIS 15

Total 84

Quadro 2: Distribuição de artigos por capitulo no Código Florestal brasileiro. Fonte: O autor.

Todos os pontos são analisados individualmente em outra seção mais abaixo; o mais importante aqui, no entanto, é poder familiarizar-se com os tópicos presentes nas leis. À primeira vista, os únicos temas que não ficam claros são aqueles encerrados pelas linhas de número 1, 13 e 14. Por isso, algumas palavras de explicação se fazem aqui necessárias. As ‘Disposições Gerais’ introduzem aquilo à que a lei se propõe, os princípios que ela busca promover, a nomenclatura referente aos distintos tipos de vegetação e a classificação das florestas como “bens de interesse comum a todos os habitantes do País” (BRASIL, 2012). Eis o caput do primeiro artigo do Código, que apresenta a lei e resume essencialmente o caráter do capítulo:

“Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria- prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos” (BRASIL, 2012).

Já as ‘Disposições Transitórias’, como o próprio nome deixa entender, trazem obrigações impostas aos proprietários de florestas que têm prazo para serem cumpridas. Esse é talvez o capítulo mais controverso do Código, porque ele apresenta as condições necessárias de regularização das áreas desmatadas antes de 22 de julho de 2008, tanto nas APPs quanto nas áreas de Reserva Legal, a proposta impopular de que tanto se falou no capítulo anterior. Depois da enxurrada de críticas populares de que foi objeto, o mecanismo de regularização previsto originalmente recebeu muitas alterações, sendo-lhe atenuado o viés de condescendência com o desmatamento. As ressalvas que lhe foram imputadas serão avaliadas posteriormente; ainda assim, seguem existindo brechas de tolerância em relação às famosas áreas consolidadas.

Finalmente, as ‘Disposições Complementares e Finais’ propõem medidas adicionais de combate ao desmatamento, como por exemplo através do rastreamento das vendas de motosserras.

134 Indubitavelmente, a previsão mais importante existente no capítulo é a de criação do Inventário Florestal Nacional, que deve ser ação conjunta da União, dos Estados e dos Municípios. O projeto é particularmente importante quando se constata que semelhante inventário é ponto fulcral da política florestal francesa, porque ele permite ao Estado francês acompanhar e, se necessário, rastrear as atividades que se desdobram nos territórios florestais, públicos ou privados. É a partir do Inventário Florestal que a França determina as áreas que merecem atenção especial, as florestas protegidas, independentemente do regime em que estão inseridas, cabendo ao poder público ou ao particular ajustar a gestão às determinações legais. Mais será comentado sobre o dispositivo na seção dedicada às áreas florestais protegidas.

Esse, então, foi o detalhamento da tabela concernente ao Código Florestal brasileiro. A tabela com a divisão e a distribuição do conteúdo existente na lei francesa apresenta-se da seguinte maneira:

CAPÍTULOS ARTIGOS

PARTE LEGISLATIVA

1º Livro: Disposições Comuns a Todas as Matas e Florestas 1- Campo de aplicação, princípios

gerais e instituições

10

2- Política florestal e gestão sustentável

27

3- Defesa e luta contra os incêndios de

floresta 53

4- Função de proteção das florestas 21

5- Valorização das florestas 21

6- Disposições penais 51

7- Disposições particulares ao Além-

Mar68 7

2º Livro: Matas e Florestas Inseridos no Regime Florestal

1- Regime Florestal 49

2- Office National des Forêts 21

68 Nesse capítulo, em todos os livros, encontram-se os artigos aplicados especificamente aos departamentos e territórios

ultramarinos, dos quais a Guiana Francesa. A seção não aluna o Código original; ele apenas ajusta alguns dispositivos à realidade existente em cada um dos locais. Todos os artigos não mencionados no capítulo continuam valendo mesmo fora da metrópole.

135

3- Agrupamentos de gestão comum das matas e das florestas das coletividades territoriais e de algumas pessoas jurídicas

19

4- Direitos de uso e comunais 26

5- Financiamento das ações florestais

comuns 2

6- Disposições penais relativas às matas e às florestas inseridas no regime florestal

13

7- Disposições particulares ao Além-

Mar 12

3º Livro: Matas e Florestas dos Particulares 1- Gestão das matas e florestas dos

particulares

21

2- Instituições que intervêm na valorização das matas e florestas dos particulares 16 3- Agrupamento da propriedade e da gestão florestal 32 4- Desmatamento 11

5- Disposições relativas ao seguro 7

6- Disposições penais 11

7- Disposições particulares ao Além-

Mar 4

PARTE REGULATÓRIA

1º Livro: Disposições Comuns a Todas as Matas e Florestas 1- Disposições Comuns a Todas as

Matas e Florestas 16

2- Política florestal e gestão

sustentável 33

3- Defesa e luta contra os incêndios de

floresta 51

4- Função de proteção das florestas 81

5- Valorização das florestas 42

136

7- Disposições particulares ao Além-

Mar 8

2º Livro: Matas e Florestas Inseridos no Regime Florestal

1- Regime florestal 110

2- Office National des Forêts 41

3- Agrupamentos de gestão comum das matas e das florestas das coletividades territoriais e de algumas pessoas jurídicas

25

4- Direitos de uso e comunais 40

5- Financiamento das ações florestais comuns

5

6- Disposições penais relativas às matas e às florestas inseridas no regime florestal

17

7- Disposições particulares ao Além- Mar

12

3º Livro: Matas e Florestas dos Particulares 1- Gestão das matas e florestas dos

particulares 50

2- Instituições que intervêm na valorização das matas e florestas dos particulares

85

3- Agrupamento da propriedade e da

gestão florestal 35

4- Desmatamento 9

5- Disposições relativas ao seguro 3

6- Disposições penais 4

7- Disposições particulares ao Além- Mar

2

Total 1135

Quadro 3: Distribuição de artigos por capítulo no Código Florestal francês. Fonte: O autor.

Já como primeiras conclusões - ainda que superficiais -, constata-se que o Código Florestal francês cobre amplo espectro de casos, sendo muito mais abrangente que o brasileiro e elaborando sobre questões tão distintas quanto seguro florestal, valorização das matas, instituições que intervêm na propriedade. A lei francesa, sendo mais detalhista naquilo que institui, traça separação entre as

137 florestas de domínio do Estado ou de entes públicos e aquelas de particulares, designando regimes específicos de uso e de preservação para cada um deles, em função da região em que o bioma se encontra e das particularidades do local. Nesse sentido, há diferença importante em relação ao Brasil, pois o texto da norma nacional não fixa diferenças claras entre as terras públicas e as privadas. Se a intenção do legislador brasileiro foi garantir o poder público apenas como fonte de produção da lei, mas não como seu destinatário, o francês teve o cuidado de fazê-lo ao contrário, determinando que o Estado também tem obrigações no que diz respeito à gestão das florestas.

Outrossim, a lei francesa dedica seções inteiras para tratar de temas debatidos no regime internacional do meio ambiente, questões contemporâneas e de relevância para a preservação das florestas, como já observado anteriormente. Por exemplo, no primeiro livro da parte legislativa, há um capítulo que se volta para a gestão sustentável dos biomas, há um para a proteção das florestas, e outro ainda para a valorização delas, todos eles revelando preocupações recentes da governança ambiental. Apenas esses três capítulos citados somam 69 artigos, quase a totalidade do Código Florestal brasileiro. Percebe-se ainda que os franceses têm grande preocupação com os incêndios florestais - que só conta com três artigos na lei brasileira -, com a classificação do regime florestal e com a gestão privada dos biomas.

Depois dessas explicações introdutórias, passa-se efetivamente à comparação das duas leis. Para facilitar a organização do trabalho, usa-se a divisão do Código brasileiro como referência, por ela ser menor que a do francês. Assim não se corre o risco de, em determinados momentos, não se ter nada o que falar sobre um dos países da microcomparação. Além disso, esta pesquisa foi desenvolvida e financiada por instituições brasileiras, razão pela qual se prefere por o Brasil em primeiro plano.