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3. AS POLÍTICAS FLORESTAIS DE BRASIL E FRANÇA: PERSPECTIVA HISTÓRICA

3.1 As florestas na França

3.1.2 A lei florestal francesa nos novos tempos

O novo Código Florestal da França, o mesmo que é analisado no próximo capítulo, data de 2001. As seções dele que se dedicam ao bioma Amazônico da Guiana Francesa só foram publicadas em 2005. A lei demonstra conteúdo e preocupações modernas, ela busca responder às demandas do regime florestal internacional, da mesma maneira que tenta dar vazão aos interesses que o governo francês reserva às florestas. Os conceitos ambientais que pautam a elaboração do novo código foram construídos em intensos debates nacionais, europeus e internacionais ocorridos nas últimas décadas do século passado. Esta etapa do capítulo se dedica a entender como eles envolveram a legislação florestal da França.

Como visto até aqui,

o modelo florestal francês que se construiu desde o início do século XX e se consolidou nos anos do após guerra correspondia a um sistema organizado de maneira vertical e regulado

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por um Estado forte garantidor do interesse geral. Esse monopólio da produção de normas e de valores repousava em uma administração controlada pelo Corpo florestal. No contexto atual, quando a complexificação dos problemas tende a transformar o espaço público, privilegiando os sistemas de autores e níveis múltiplos, pode-se questionar a pertinência desse modelo34 (SERGENT, 2010, p. 99).

A complexificação e o questionamento do modelo iniciam-se na década de 1970, com o sentimento gerado pela Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambienta Humano, de Estocolmo. A midiatização de alguns acidentes ambientais, o ensaio de Rachel Carson contra o DDT e problemas advindos da poluição obrigam o ONF a estabelecer contato com grupos organizados de ecologistas e militantes (SERGENT, 2013; WEISS et al, 1994). Nesse contexto, as autoridades da França começam a preocupar-se com a adaptação do regime florestal ao século XXI. Surgem muitos debates e propostas de adaptação da política florestal, que acabam oficializadas na lei Souchon, de 1985, a primeira grande adaptação do Código desde as leis Pisani.

A lei visa a racionalizar o planejamento e a gestão florestal, com mais divisões territoriais, incentivos e investimentos, criando associações sindicais e impondo a aproximação entre o poder central e os centros regionais da floresta. Mesmo havendo o reforço da competência exclusiva do Estado na elaboração da política florestal, preveem-se as Orientações Regionais Florestais, a serem elaboradas por Comissões Regionais, no intuito de garantir a participação regional nas determinações nacionais (GUILLERY, 1986).

À mesma época, mas de maneira independente em relação à França, um ciclo de conferências ministeriais é iniciado na Europa, para definir um regime de proteção às florestas do continente. A Conferência de Estrasburgo, de 1990, tem grande importância no processo, assegurando as trocas entre cientistas e funcionários estatais sobre os biomas florestais. Logo depois da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, de 1992, os membros da União Europeia unem-se mais uma vez em 1993, na Conferência de Helsinki, a fim de deliberar sobre uma posição comum sobre a gestão sustentável de florestas, plataforma que passaria a ser usada também nas negociações internacionais (SERGENT, 2013). Essas reuniões na Europa têm como objetivo incrementar a participação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas ambientais. A centralização por parte do Estado do poder de legislar sobre as florestas que se encontram em seu

34 Le modèle forestier français qui s’est construit dès le début du XXe siècle et s’est consolidé dans les années d’après-

guerre, correspondait à un système organisé de façon verticale et régulé par un État fort garant de l’intérêt général. Ce monopole de la production de normes et de valeurs reposait sur une administration contrôlée par le Corps forestier. Dans le contexte actuel, où la complexification des problèmes tend à transformer l’espace public en privilégiant les systèmes multi-acteurs et pluri-niveaux, on peut questionner la pertinence de ce modèle.

80 domínio não é apoiada pela União Europeia. Muitos países do continente já possuíam leis mais democráticas, por força de sua tradição mais popular, como os Países Baixos, a Suíça, a Dinamarca. Outros, porém, como a França, tiveram de se adaptar às novas exigências de descentralização (JEANRENAUD, 2001).

“Entre 1991 e 1997, diversos países europeus, assim, renovaram suas leis florestais fundamentais, e inseriram a gestão sustentável no centro de suas preocupações” (BARTHOD et al, 2001). A França, na verdade, foi um dos países que mais tardaram a aderir às mudanças internacionais da sustentabilidade no contexto europeu. No país, o processo de reforma iniciou-se de fato com um projeto de lei de 1996 e com o relatório Bianco, e durou por volta de seis anos. Enfim, em 9 de julho de 2001, é aprovada por unanimidade no Senado e na Assembleia Nacional - o que mostra a sintonia do parlamento francês com o debate - a Loi d’Orientation sur la Forêt, ou novo Código Florestal.

Mas, como demonstrado antes, a lei precisou ser adaptada ao contexto da Guiana, o que significa que o Código de 2001, na sua versão original, não era aplicado à Amazônia. A manobra havia sido prevista ainda em 1998; o governo julgou mais interessante o documento adequar-se à realidade Amazônica, convidando a administração guianense para supervisionar o processo. Os deputados do departamento e a Comissão Regional da Floresta e dos Produtos Florestais também participaram das deliberações. Desse modo, apesar do retardo no desenvolvimento do projeto, percebe-se que as novas diretrizes internacionais eu europeias foram seguidas, na medida em que houve esforço de descentralização já na primeira etapa de modernização legislativa.

As seções do Código voltadas para a Guiana Francesa foram enfim publicadas em 28 de julho de 2005, por meio da Ordonnance no 2005/867. O instrumento pode ser considerado um marco na

política florestal da França, pois ele encerra a noção de domínio territorial, instituição jurídica que havia sido usado na época colonial para fazer o direito da metrópole prevalecer sobre as leis costumeiras locais, garantindo a posse do Estado colonizador. Dessa forma, a Guiana Francesa e a floresta Amazônica foram geridas, até o ano de 2005, apenas como categoria que remetia ao direito civil do país, sem levar em conta suas especificidades. O novo Código Florestal, então, introduz a noção de que o departamento e a Amazônia deviam ser tratados como o que são, com igualdade em relação aos outros departamentos e às outras florestas (KARSENTY, 1999; BARTHOD et al, 2001; LAGARDE, 2008).

Após todos esses acontecimentos significativos envolvendo o Código, a lei florestal francesa seguiu se desenvolvendo, buscando adaptar-se às mudanças, às exigências, à sustentabilidade.

81 Mesmo que de menos importância para esta etapa da pesquisa, vale citar alguns novos desdobramentos, como os protocolos Grenelle35 do meio ambiente, de 2008 e 2009, inspiradas no

paradigma ambiental internacional. No ano de 2012, o Código Florestal sofreu sua maior alteração desde 2001; os termos mantiveram-se praticamente os mesmos, mas acrescentou-se um título dedicado aos incêndios em floresta e procedimentos de infração penal foram modernizados e harmonizados36.

3.1.3 O funcionamento do direito florestal na França

Depois de observado o trajeto percorrido pelo Código Florestal francês nos últimos anos, é imprescindível, antes de análise mais detalhada da lei, que se compreenda o funcionamento do aparato jurídico da França no tratamento da matéria. Este trabalho se volta para os territórios da floresta Amazônica na Guiana e no Brasil. Porém o tema da floresta, mesmo que recortado para fins científicos, se insere em contexto axiológico maior, que é o do meio ambiente. A temática florestal, portanto, é uma ramificação da ambiental; por consequência, entender o Código Florestal requer também fazer uma inserção no direito ambiental, na medida em que os seus trâmites legais vão ditar as etapas, o ritmo e a sequência a que às leis sobre as florestas vão obedecer.

O direito ambiental na França é essencialmente transversal. Ele está implícito em pelo menos 15 códigos, que são até anteriores a ele, pois essa é uma especialidade recente no país. Na realidade, o direito ambiental entrou em vigor de forma oficial em 18 de setembro de 2000, embora as preocupações que dele emanam já estivessem presentes em outros documentos. O Código Florestal é um dos que a ele se referem. A promoção desse ramo do direito a valor constitucional ocorreu em 2004, com a promulgação da Carta do Meio Ambiente. Desse modo, é possível perceber que o direito ambiental é moderno e está em plena construção na França.

35 As leis Grenelle dão condições para uma luta mais eficaz contra o aquecimento global, de preservação ambiental e da

biodiversidade. Ela foi o resultado de debate entre membros da sociedade civil e do governo francês, ainda na época em que Jacques Chirac era presidente do país. Seu objetivo é capacitar melhor a França para enfrentar os problemas do meio ambiente. A primeira delas acabou sendo finalmente publicada em 2009, contendo princípios a serem seguidos pela França a partir de então. A segunda delas, publicada em 2010, apresenta um quadro de ação mais preciso, explicando como a lei Grenelle 1 podia ser posta em prática. Entretanto, a efetividade da lei, hoje, é bastante questionada. Organizações como Greenpeace e WWF são responsáveis pela elaboração dos relatórios Grenelle e denunciam a falta de vontade da instituição de aplicar realmente o conteúdo das normas.